Desenvolvimentismo e dependência

Mais Lidos

  • Esquizofrenia criativa: o clericalismo perigoso. Artigo de Marcos Aurélio Trindade

    LER MAIS
  • O primeiro turno das eleições presidenciais resolveu a disputa interna da direita em favor de José Antonio Kast, que, com o apoio das facções radical e moderada (Johannes Kaiser e Evelyn Matthei), inicia com vantagem a corrida para La Moneda, onde enfrentará a candidata de esquerda, Jeannete Jara.

    Significados da curva à direita chilena. Entrevista com Tomás Leighton

    LER MAIS
  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

28 Março 2012

"O que chama a atenção é que até hoje, o "desenvolvimentismo de esquerda" não tenha conseguido se refazer do golpe, nem tenha conseguido construir uma nova base teórica que possa dar um sentido de longo prazo à suas intermináveis e inconclusivas deblaterações macroeconômicas e ao seu permanente entusiasmo pelo varejo keynesiano", escreve José Luís Fiori, professor titular do Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional da UFRJ, em artigo publicado no jornal Valor, 28-03-2012.

Eis o artigo.

Na década de 1960, a crise econômica e política da América Latina provocou, em todo continente, uma onda de pessimismo, com relação ao desenvolvimento capitalista das nações atrasadas. A própria Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal) fez autocrítica, e colocou em dúvida a eficácia da sua estratégia de "substituição de importações", propondo uma nova agenda de "reformas estruturais" indispensáveis à retomada do crescimento econômico continental. Foi neste clima de estagnação e pessimismo que nasceram as "teorias da dependência", cujas raízes remontam ao debate do marxismo clássico, e da teoria do imperialismo, sobre a viabilidade do capitalismo nos países coloniais ou dependentes.

Marx não deu quase nenhuma atenção ao problema específico do desenvolvimento dos países atrasados, porque supunha que a simples internacionalização do "regime de produção burguês" promoveria, no longo prazo, o desenvolvimento das forças produtivas capitalistas, no mundo dominado pelas potências coloniais europeias. Mais tarde, no início do século XX, a teoria marxista do imperialismo manteve a mesma convicção de Marx, que só foi questionada radicalmente, depois do lançamento do livro do economista, Paul Baran, "A Economia Política do Desenvolvimento", em 1957. Após sua publicação, a obra de Baran se transformou em referência obrigatória do debate latino-americano dos anos 1960. Para Paul Baran, o capitalismo era heterogêneo, desigual e hierárquico, e o subdesenvolvimento era causado pelo desenvolvimento contraditório do capitalismo. Além disto, segundo Baran, o capitalismo monopolista e imperialista teria bloqueado definitivamente o caminho do nos países atrasados.

As ideias de Baran casaram como luva com o pessimismo latino-americano dos anos 1960, e suas teses se transformaram numa referencia teórica fundamental das duas principais vertentes marxistas da "escola da dependência": a teoria do "desenvolvimento do subdesenvolvimento", do economista americano Andre Gunder Frank, que exerceu pessoalmente, uma forte influência no Brasil e no Chile; e a teoria do "desenvolvimento dependente e associado", formulada por Fernando Henrique Cardoso, com o suporte intelectual de um grupo importante de professores marxistas da USP.

A tese de Frank vem diretamente de Paul Baran: segundo Frank, o imperialismo seria um bloqueio insuperável, mesmo com a intervenção do Estado, e o desenvolvimento da maioria dos países atrasados só poderia se dar por uma ruptura revolucionária e socialista. Esta tese de Frank foi sendo matizada por seus discípulos, mas ainda é a verdadeira marca acadêmica internacional da teoria da dependência. Por outro lado, a tese central de FHC já nasceu menos radical: segundo ele, o desenvolvimento capitalista das nações atrasadas seria possível mesmo quando não seguisse as previsões clássicas, mas seria quase sempre, um desenvolvimento dependente e associado a países imperialistas.

O avanço da teoria do "desenvolvimento associado" foi interrompido pelo próprio sucesso político ao se transformar no fundamento ideológico da experiência neoliberal no Brasil, sob liderança do próprio FHC. Com relação a Frank e seus discípulos, ele mesmo "imigrou", nos anos 1980, para outros temas e discussões históricas, e sua teoria do subdesenvolvimento ficou paralisada no tempo, como apenas uma lista de características especificas, estáticas e intransponíveis, da periferia capitalista. Ou quem sabe, uma espécie de teoria dos "pequenos países".

Apesar de tudo, a "escola da dependência" deixou quatro ideias seminais, que abalaram o fundamento teórico do "desenvolvimentismo de esquerda", dos anos 1950:

1) O capital, a acumulação do capital e o desenvolvimento capitalista não tem uma lógica necessária que aponte em todo lugar e de forma obrigatória para o pleno desenvolvimento da indústria e da centralização do capital.

2) A burguesia industrial não tem um "interesse estratégico" homogêneo que contenha "em si", um projeto de desenvolvimento pleno das forças produtivas "propriamente capitalistas".

3) Não basta conscientizar e civilizar a burguesia industrial e financiar a centralização do seu capital para que ela se transforme num verdadeiro "condotieri" desenvolvimentista.

4) A simples expansão quantitativa do estado não garante um desenvolvimento capitalista industrial, autônomo e autossustentado.

O que chama a atenção é que até hoje, o "desenvolvimentismo de esquerda" não tenha conseguido se refazer do golpe, nem tenha conseguido construir uma nova base teórica que possa dar um sentido de longo prazo à suas intermináveis e inconclusivas deblaterações macroeconômicas e ao seu permanente entusiasmo pelo varejo keynesiano.