01 Abril 2014
Porém, a veloz resignação de Jango à sua própria queda meses depois poupou os brasileiros de verem tropas americanas desembarcando em território nacional - uma ideia que soava tão escandalosa que os próprios americanos relutavam em abraçar, indicam os arquivos da época. Qual a sua história?
A reportagem é de Pablo Uchoa, publicada por BBC Brasil, 28-03-2014.
A possibilidade estava na manga caso houvesse "uma clara evidência de intervenção do bloco soviético ou de Cuba do outro lado", precisou o então embaixador americano no Brasil, Lincoln Gordon, em um plano de contingência discutido com o Departamento de Estado em dezembro de 1963 e obtido pelo historiador Carlos Fico, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
A hipótese de uma ação armada também foi assunto de conversa entre Gordon e Kennedy em Washington em outubro de 1963, segundo uma gravação revelada pelo jornalista Elio Gaspari na reedição de A Ditadura Envergonhada.
Segundo o registro, o então presidente perguntou ao embaixador se a situação no Brasil estava "indo para onde deveria", ou se era "aconselhável que façamos uma intervenção militar".
'Nova Cuba'
As desconfianças de Kennedy em relação a Jango se exacerbaram entre fins de 1962 e fins de 1963, período em que os Estados Unidos se preocupavam em "evitar uma nova Cuba na América Latina".
Evitar que o Brasil de Jango "deslizasse" para o comunismo virou um "mantra" em Washington, disse à BBC Brasil o historiador Peter Kornbluh, da organização National Security Archives, que pressiona pela desclassificação de documentos históricos do governo americano.
O "ápice" da relação Kennedy-Jango fora durante a crise dos mísseis, em outubro de 1962, quando a inteligência americana revelou que a União Soviética estava posicionando mísseis na ilha comunista de Cuba.
Versão da família de Jango
A pedido de Kennedy, Goulart enviou um emissário à ilha comunista para servir de intermediário secreto entre Havana e Washington, segundo um detalhado estudo de James Hershberg, historiador da Universidade George Washington.
O emissário brasileiro, general Albino Silva, chegou em Havana quando o líder soviético Nikita Kruschev já anunciara a retirada dos mísseis de Cuba.
Mas o episódio é interpretado na historiografia como sinal do "benefício da dúvida" que Kennedy estendia a Goulart. Porém, no fim, serviu para reforçar as desconfianças do norte do continente.
Hershberg diz que a Casa Branca achou que Jango "virava a casaca" em temas importantes conforme sua conveniência.
Kornbluh explica que a Casa Branca não gostou da recusa de Jango em se se alinhar aos Estados Unidos em um voto contra Cuba na Organização dos Estados Americanos (OEA) por ter aceitado esses mísseis.
Em vez disso, Jango defendera uma zona livre de armas nucleares na América Latina. "No final, Kennedy se convence de que, se Goulart não estava com eles, estava contra eles", disse o historiador.
Operação Brother Sam
O líder brasileiro seria deposto apenas meses antes da reunião da OEA em julho de 1964 que expulsou Cuba e resultou no seu isolamento do hemisfério.
Entre a crise dos mísseis e o golpe de 64, as relações Estados Unidos-Brasil "se deterioraram acentuadamente", escreve Hershberg, com Kennedy segredando a um visitante que a situação no Brasil lhe preocupava "mais que Cuba".
Arquivos digitalizados pela biblioteca JFK mostram que, cinco dias antes do assassinato de Kennedy, em novembro de 1963, o embaixador Lincoln Gordon recomendava ao presidente que não incluísse o Brasil em um giro por países latino-americanos que faria no início de 1964.
Gordon mencionava o baixo comprometimento de Goulart com o esforço regional de integração de Kennedy, a Aliança para o Progresso, e sua aversão a investimentos estrangeiros.
A antipatia do embaixador - que identificava tendências peronistas e ditatoriais em Goulart, apesar de ser questionado pelo Departamento de Estado em ocasiões - é bem documentada.
Hoje os historiadores também sabem que a chamada operação Brother Sam - o envio de uma força naval composta de petroleiros, destróieres e o prestigioso porta-aviões USS Forrestal para a costa brasileira - foi planejada durante o governo Kennedy e executada no período de seu sucessor, Lyndon B. Johnson.
A frota levaria combustíveis, armamentos e gases para controle de multidão para reforçar o arsenal das forças anti-Goulart.
'Cara de legitimidade'
Durante anos, o regime militar brasileiro e o governo americano sustentaram a versão de que os Estados Unidos apenas reconheceram um golpe "made in Brazil", sem interferência dos grande vizinho do norte. Quando a operação Brother Sam veio à tona, Gordon afirmou que se tratava apenas de demonstração de força.
Porém, no plano de contingência obtido pelo professor Carlos Fico, o embaixador previra que os Estados Unidos poderiam apoiar os conspiradores "de forma encoberta ou mesmo aberta, particularmente (apoio) logístico (gasolina, óleos e lubrificantes, alimentos, armas e munição)".
"A ideia era fazer uma espécie de ponte aérea entre o porta-aviões e uma região de São Paulo para a entrega dessas munições e armas. Como é que iriam fazer isso essa entrega sem desembarcar?", questiona o professor. "Seria impossível."
Ao mesmo tempo, os documentos indicam que o embaixador americano se preocupava com a "cara de legitimidade" que permitiria ao governo americano reconhecer o novo regime no Brasil.
Em um telegrama enviado na tarde de 31 de março, por exemplo - disponível nos Arquivos Nacionais americanos -, Lincoln Gordon informa o Departamento de Estado sobre "movimentos militares em Minas Gerais totalmente apoiados pelo governador Magalhães Pinto".
"Tomei ação de repassar aos principais governadores a mensagem sobre (a) importância vital (de) cores de legimitidade", afirma o embaixador.
"Meus intermediários estão se informando sobre como (o) grupo de governadores propõe lidar com (a) questão crítica (do) manto de legitimidade e (a) posição enquanto defensores da constituição (...) se não houver apoio do Congresso."
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Kennedy cogitou ação militar contra Goulart - Instituto Humanitas Unisinos - IHU