28 Outubro 2015
"Eu lamento que a tradição tenha sofrido um tal revés no fim do século XIX e início do século XX. Os sínodos funcionavam de um jeito sadio e sem restrições, como um procedimento normal, como um órgão integrante da governança da Igreja. É sempre difícil reintroduzir algo que foi interrompido e que, agora, parece como uma inovação", afirma John W. O’Malley, S.J., padre jesuíta americano e historiador, é professor de Teologia na Universidade de Georgetown. É doutor em História pela Universidade de Harvard.
A entrevista é de Sean Salai, publicada por America, 21-10-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Entre seus livros, destacamos “The First Jesuits” (Harvard University Press, 1993; a tradução brasileira pode ser conferida na Editora Unisinos), “What Happened at Vatican II” (Harvard, 2008) e “The Jesuits: A History from Ignatius to the Present” (Rowman & Littlefield, 2014). Ele recentemente escreveu o livro “Catholic History for Today’s Church: How Our Past Illuminates Our Present” (Rowman & Littlefield, 2015).
Eis a entrevista.
Com o Sínodo sobre a família atualmente se encontrando em Roma, e com os recentes sínodos diocesanos nos EUA, parece haver um interesse renovado entre as pessoas a esta prática da vida católica. O senhor pode nos dizer o que significa a palavra “sínodo” e de onde ela vem?
Na linguagem tradicional da Igreja, “sínodo” é sinônimo de concílio. Synodos é simplesmente a palavra grega para a palavra Latina concilium. Até 1965, estas palavras eram empregadas de maneira intercambiável. Por exemplo, o Concílio de Trento falava de si como “este sínodo sagrado”. A compilação oficial dos documentos pertinentes ao Vaticano II intitula-se “atas sinodais” (Acta Synodalia).
O que é um sínodo conforme atualmente o compreendemos na prática católica?
Em 1965, assim que a quarta sessão do Vaticano II estava para começar, o Papa Paulo VI criou o Sínodo dos Bispos. Ele introduziu uma nova definição de sínodo em que estipulou ser este um organismo estritamente consultivo para o papa, enquanto que os sínodos anteriores eram concílios, que não são assembleias consultivas, mas organismos onde decisões são tomadas. Os muitos sínodos/concílios presididos por São Carlos Borromeu no século XVI são um bom exemplo de como os sínodos tradicionalmente funcionavam.
Na Igreja Católica hoje, temos sínodos tanto locais (diocesanos) convocados pelos bispos bem como Sínodo dos Bispos, convocados pelo papa. Como funcionam os sínodos em cada uma destas formas?
Antes de 1965, todos os sínodos/concílios tomavam decisões, seja em nível diocesano, provincial, seja em nível nacional. Eles faziam isso, evidentemente, em comunhão com a Santa Sé, mas tomavam as suas decisões por si próprios. As decisões, é claro, se aplicavam somente à diocese ou outras unidades eclesiásticas tais como uma província. Desde o decreto de Paulo VI em 1965, o Sínodo dos Bispos vem atuando estritamente como um organismo consultivo do papa. Os sínodos locais desde 1965 vêm tomando as suas próprias decisões, mas sempre sob uma revisão estrita da Santa Sé.
No Sínodo sobre a família, o Papa Francisco recentemente introduziu algumas mudanças metodológicas. O que o senhor pode nos dizer sobre estes novos procedimentos?
O Papa Francisco introduziu duas grandes mudanças. A primeira foi o questionário que ele pediu aos bispos enviarem aos leigos antes do Sínodo, para que as suas preocupações fossem levadas em consideração. A segunda foi a liberdade de falar sobre qualquer tópico que os bispos achassem pertinentes ao debate, sem haver um conjunto determinado de conclusões.
Recentemente tivemos alguns sínodos diocesanos nos EUA bem como os encontros do Sínodo dos Bispos. O que estes dois tipos diferentes de sínodo têm em comum?
O que eles têm em comum é um processo que atrai tanto o clero quanto os leigos.
Embora o Sínodo dos Bispos continue sendo um organismo consultivo importante em ajudar os papas a comandar a Igreja, algumas reportagens recentes na imprensa parecem ter exagerado o poder do atual Sínodo sobre a família, quase igualando-o em importância ao Concílio Vaticano II em certo sentido. Mas, na atual prática da Igreja, um sínodo é um processo de discernimento que é mais pastoral do que doutrinal em sua natureza. O senhor pode esclarecer o que um Sínodo dos Bispos faz?
Hoje, o Sínodo dos Bispos sob o comando do Papa Francisco está ajudando o magistério papal a tomar decisões. Se a imprensa imagina que o atual sínodo equivale ao Vaticano II, ela está completamente equivocada.
Desde o Vaticano II, os papas têm consultado o Sínodo dos Bispos de diferentes maneiras. Por exemplo: o Papa João Paulo II convocou um sínodo que conduziu ao catecismo da Igreja Católica como uma resposta pastoral ao que os bispos percebiam como uma necessidade universal de normas mais claras do ensino religioso na era pós-conciliar. Na qualidade de arcebispo, o próprio Papa Francisco assumiu um papel de liderança num dos sínodos convocado pelo Papa Bento XVI. Com base em seu trabalho até agora, o que o senhor acha que vai sair do atual Sínodo sobre a família?
Quem poderá dizer? Ele [o Sínodo 2015] ainda está em curso. Eu suspeito que haverá poucas soluções novas para velhos problemas, o que significa que muitas pessoas ficarão desapontadas. Mas o resultado mais importante, penso eu, será duplo: em primeiro lugar, as questões que antes eram tabus poderão, agora, ser debatidas e, em segundo lugar, uma nova forma de “sinodalidade” irá começar – isso quer dizer, um revigoramento dos sínodos locais e outras formas de tomadas de decisão em nível local.
Nos primeiros séculos do cristianismo, os sínodos locais desempenhavam um grande papel no desenvolvimento da unidade disciplinar e de credo em temas básicos como cristologia e Trindade. Qual a origem dos sínodos na história da Igreja Católica?
O fundamento bíblico para os sínodos é o relato de São Lucas do assim-chamado Concílio de Jerusalém (Atos 15). Já no século II, os bispos tinham realizado pelos menos 50 sínodos em diferentes partes do Império Romano – na Palestina, no norte da África, na Gália, Itália, etc. Assim que o cristianismo foi oficialmente tolerado pelo imperador Constantino no início do século IV, os sínodos/concílios aumentaram em número e em importância, tomando decisões tanto disciplinares quanto doutrinais.
Qual era propósito original dos sínodos e como eles se desenvolveram ao longo do tempo naquilo que são atualmente?
A finalidade imediata dos sínodos era a de lidar com os problemas no nível local ou mais amplo, e a de tomar decisões que, esperava-se, melhorariam a situação. Os tempos mudam e surgem novos problemas e oportunidades.
Quais são alguns dos mais significativos sínodos na história da Igreja e por quê?
Irei excluir os “sínodos ecumênicos” tais como o de Trento e o Vaticano II. Entre os sínodos locais, aqueles no norte da África, no início do século V, que condenaram a heresia conhecida como pelagianismo, são especialmente importantes porque mostram que as decisões destes organismos locais eram tomadas como decisões definitivas em matéria de doutrina.
Como historiador, quais são as principais tendências que o senhor observa na experiência da Igreja Católica junto aos sínodos no decorrer dos séculos?
Vejo três principais períodos nesse sentido. O primeiro se estende desde do século II a 1870, quando o Concílio Vaticano I definiu a primazia e a infalibilidade papal. Estas definições iniciaram o segundo período porque agiram como um abafador sobre os sínodos. Embora os sínodos não desapareceram no todo, os seus números e sua importância diminuíram drasticamente. Cresceu a ideia de que Roma poderia – e deveria – dar conta de todas as dúvidas. O terceiro período se iniciou quando Paulo VI instituiu o Sínodo dos Bispos, o qual redefiniu a palavra sínodo para significar um organismo consultivo, não um organismo tomador de decisões. (Talvez, com o Papa Francisco, um quarto período está a caminho, com um fortalecimento de diferentes órgãos de tomada de decisões locais. Mas isso é pura especulação de minha parte.)
O que “sinodalidade” significa para o senhor?
Sinodalidade significa um modo de governança. É o oposto de monarquia, o governo de uma pessoa só. Sinodalidade quer dizer um modo de governança no qual os leigos e o clero, sob a liderança do bispo local ou de um grupo de bispos, debatem sobre assuntos importantes e chegam a decisões concernentes a eles. Na Igreja Católica, a Santa Sé tem a palavra final nas disputas doutrinais e disciplinares. Esta função é uma parte integral da sinodalidade.
Se o senhor pudesse nomear um santo padroeiro dos sínodos, quem escolheria e por quê?
Acho que escolheria São Carlos Borromeu, cujos sínodos em Milão, no século XVI, foram tão importantes que vieram a ser tomados como a melhor interpretação e implementação do Concílio de Trento.
Se pudesse dizer algo ao Papa Francisco sobre os sínodos, o que seria?
Eu diria duas coisas. A primeira seria: “Incentive os sínodos”. A Santa Sé precisa estar em contato mais efetivo com as necessidades locais e com os problemas reais que desafiam tanto o clero como os leigos em suas vidas diárias. Em seguida, dir-lhe-ia: “Lembre que os sínodos são uma força centrífuga em potência”. A Santa Sé precisa tomar medidas para garantir que os sínodos contribuam para a unidade da Igreja.
Na qualidade de jesuíta tal como Francisco, o senhor vem de uma tradição espiritual especial, originada no discernimento orante da vontade de Deus. Como os participantes do sínodo se engajaram em um tal discernimento?
Os sínodos são “celebrados”. Essa não é só uma palavra bonita. Ela indica que os sínodos são eventos religiosos. No Vaticano II, por exemplo, diariamente começava-se com a celebração da missa e com a entronização do livro dos Evangelhos. Isto não é, todavia, bem o que se quer dizer por discernimento na tradição dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio. Eu acho que o Papa Francisco está tentando fazer uso desta tradição no atual sínodo, mas muitos dos bispos não estão familiarizados com a forma como o discernimento inaciano funciona.
Quais pesares o senhor tem com a história passada dos sínodos?
Eu lamento que a tradição tenha sofrido um tal revés no fim do século XIX e início do século XX. Os sínodos funcionavam de um jeito sadio e sem restrições, como um procedimento normal, como um órgão integrante da governança da Igreja. É sempre difícil reintroduzir algo que foi interrompido e que, agora, parece como uma inovação.
Quais as esperanças que tem para com o futuro dos sínodos?
Espero que eles aumentem em número e em efetividade, e que contribuam, de uma forma notável, para a saúde da Igreja e para a santidade de seus membros.
Qual a sua passagem favorita das Escrituras e por quê?
A parábola que convencionalmente é chamada de a Parábola do Filho Pródigo. Alguns a chamam de a Parábola do Pai que Perdoa. Mas, é claro, o pai não perdoa o filho. Ele, em vez disso, beija-o e ordena-lhe o mais fino vestuário. O amor por seu filho o faz esquecer quaisquer coisas ruins que este tenha feito. O filho estava perdido e, agora, foi encontrado. Eis como o pai pensa. Perdão é um sentimento muito pequeno para este pai, que não tem nenhum outro sentimento por seu filho senão o amor.
O que o senhor quer que as pessoas tirem para si a partir de sua própria vida e obra?
Bem, esta pergunta me faz parecer pretencioso. O que posso dizer é que tudo o que tenho escrito sobre o passado, escrevi de alguma forma para lançar luz sobre o presente e, assim, ajudar a Igreja e a cada um de nós a tomar melhores decisões. Por meio do estudo da história, podemos ter uma ideia de quem somos e de como podemos percorrer o melhor caminhão. O passado não nos diz o que fazer, mas o estudo do passado põe-nos numa posição em que podemos tomar melhores decisões para o presente e para o futuro.
O que o senhor pensa sobre a alocução que o Papa Francisco fez ao Sínodo dos Bispos sobre a família no sábado, dia 17 de outubro?
Acho que este é um dos discursos mais importantes do papa. Ele apresenta, de forma sucinta, a sua visão de como a Igreja deve funcionar, ou seja: “caminhar junto”. Esta expressão – típica do dom de Francisco em colocar ideias complexas em palavras simples, pé no chão – é uma reformulação da ideia do Vaticano II, da Igreja como Povo de Deus, expressão que Francisco emprega em sua fala. Ele ressalta a escuta como o dever de todos nós: escutar com a mente e o coração abertos. Eis um dever de cada um de nós, começando no nível local com o clero e os leigos, e então no nível dos bispos e, finalmente, no nível do próprio Bispo de Roma. Somente após uma boa escuta é que boas decisões podem ser tomadas.
Trata-se de um processo dinâmico, com a sinodalidade como instrumento. O Papa Francisco cita as palavras poderosas de São João Crisóstomo: “Igreja e sínodo são sinônimos”. Ele próprio diz: “O Sínodo dos Bispos é somente a mais evidente manifestação de um dinamismo de comunhão que inspira todas as decisões eclesiais”. Ele diz estar convencido de que, em uma “Igreja sinodal”, o exercício do primado petrino poderá receber uma maior luz.
Algo a acrescentar?
Que o Senhor abençoe o Papa Francisco!
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Como os Sínodos funcionam: 21 perguntas para John W. O’Malley, SJ - Instituto Humanitas Unisinos - IHU