21 Outubro 2015
"Dom Valdeci fez valer o lema do evento – “tire as sandálias! O lugar onde estás é chão sagrado” (Êx 3) – ao afirmar suas raízes quilombolas, numa noite/madrugada/manhã em que a autoridade episcopal e cada romeiro e romeira ali presentes foram também indígenas, ribeirinhos, quebradeiras de coco, trabalhadores e trabalhadoras rurais", escreve Zema Ribeiro, blogueiro, em artigo publicado por ZemaRibeiro.org, 19-10-2015.
Eis o artigo.
Um dos momentos mais marcantes da 12ª. Romaria da Terra e das Águas do Maranhão, em Chapadinha/MA, dias 17 e 18 de outubro, se deu quando Dom Valdeci, bispo diocesano de Brejo, virou um coreiro, tocando tambor de crioula durante a apresentação do Movimento Quilombola do Maranhão (Moquibom) – à esquerda na foto, Murilo Santos também capta o momento.
Contrariando o sábio padre Antonio Vieira, ainda atualíssimo em se tratando de Maranhão, aquele homem não fez aquilo por vaidade. Impera ali, em seu gesto de grande carga simbólica, o reconhecimento da Igreja Católica – e dos homens e mulheres que a fazem – como morada de Deus e dos homens e mulheres que são – ou deveriam ser – sua real razão de existir.
Dom Valdeci (C), o “bispo quilombola”, em seu nobilíssimo gesto. Fotosca: Zema Ribeiro
Dom Valdeci fez valer o lema do evento – “tire as sandálias! O lugar onde estás é chão sagrado” (Êx 3) – ao afirmar suas raízes quilombolas, numa noite/madrugada/manhã em que a autoridade episcopal e cada romeiro e romeira ali presentes foram também indígenas, ribeirinhos, quebradeiras de coco, trabalhadores e trabalhadoras rurais.
Seu gesto, nobilíssimo, dialoga diretamente com o ar progressista que a Igreja Católica começa a respirar sob o papado de Dom Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco.
O tema da Romaria, “território livre para o bem viver dos povos”, incorpora o grito dos mesmos e o rufar dos tambores, especialmente o tocado por um bispo negro, soma-se a este e a tantos gritos que há tempos não querem calar.
O coroataense José Valdeci Santos Mendes, 54, o “bispo quilombola”, ainda se aventurou depois, a acompanhar a cantora Lena Machado, em toadas clássicas do repertório do Maranhão, como Engenho de flores (Josias Sobrinho), Bela mocidade (Donato Alves) e Lua cheia (Godão e Bulcão), além de juntar-se ao coro de mais de 10 mil vozes que entoou Oração latina (Cesar Teixeira), hino autêntico do povo maranhense, sempre em busca de melhores dias.
Uma toada bastante conhecida no registro de Mestre Felipe sofreu alterações na letra, adaptada à realidade das comunidades quilombolas congregadas no Moquibom. O título, que é também seu refrão, traduziu o gestou de Dom Valdeci, que a seu modo nos dizia: “Maranhão sou eu!”. Amém!
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