15 Outubro 2015
"Os homossexuais fazem parte do corpo de Cristo que é a Igreja", afirma o mestre em Educação, brasileiro, Luiz Ramires Neto. Doutorando em Sociologia da Educação na USP, ele é um dos pilares do Grupo de Ação Pastoral da Diversidade de São Paulo, no Brasil.
A reportagem é de Jean-Claude Gerez, publicada no sítio Cath.ch, 03-10-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Para Ramires Neto, a relutância da Igreja Católica a aceitar os homossexuais vem mais da hierarquia do que dos simples fiéis.
Eis a entrevista.
Como você descobriu o Grupo de Ação Pastoral da Diversidade?
Há alguns anos, eu fiquei sabendo de um padre inglês que vivia em São Paulo e que celebrava a missa para um grupo de fiéis, cuja característica era de serem homossexuais. Eu fui a uma celebração e gostei muito do Pe. James. Então, decidi fazer parte desse grupo.
Eu sempre tive uma relação muito forte com a Igreja Católica, principalmente graças aos meus pais. Quando eu era adolescente, eu tomei consciência dos meus desejos homossexuais. A maneira que eu encontrei para lutar contra esse desejo foi o de não exercer a sexualidade. Eu disse a mim mesmo que isso seria possível se eu me tornasse padre e fizesse o voto de castidade. Mas depois eu optei pelos estudos de filosofia em uma pública e secular. E, em pouco tempo, em vez de me tornar padre, acabei me afastando da Igreja por causa da sexualidade.
Por que é tão importante hoje uma pastoral da diversidade no Brasil?
O importante é que nós conseguimos reunir um grupo de pessoas que passaram mais ou menos pelas mesmas experiências. Nós somos homossexuais, temos fé, vivemos uma espiritualidade muito profunda, mas não nos sentimos acolhidos nas paróquias em que vivemos. No entanto, não queremos nos transformar em um gueto frequentado apenas por gays. Pessoalmente, eu participo ativamente das atividades da minha paróquia e, duas vezes por mês, vou aos encontros do grupo de pastoral, durante os quais abordamos temas de ordem teológica e celebramos a missa.
Qual é a situação dos católicos homossexuais no Brasil em relação à Igreja?
Primeiro, um ponto importante: a homossexualidade é um assunto que, na teologia, é definido como "de terceira ordem". Ninguém, por ser homossexual, pensa em pôr em discussão os dogmas principais da fé: Deus é a Trindade, Jesus é o Filho de Deus que veio ao mundo e ressuscitou. A questão da sexualidade, de fato, é uma minoria, mesmo que, nos últimos anos, tornou-se um impedimento.
Hoje em dia, a posição da Igreja é que ser homossexual não é um pecado, mas sim a prática de atos homossexuais. Esses atos são considerados como "desordenados". Essa posição da Igreja está em conflito hoje com a ciência, principalmente as ciências humanas, que consideram a homossexualidade como uma variação legítima do desejo sexual humano. Portanto, é necessário um debate aprofundado para que possamos compreender melhor a questão da sexualidade no ser humano.
A Igreja não condena os homossexuais, mas apenas os atos homossexuais?
Exatamente! Mas se você condena alguém pelos seus atos mais íntimos, que correspondem aos seus desejos, às suas necessidades mais pessoais, é um problema. É como que dizer: "Você pode existir, mas não pode respirar!", porque o exercício da sexualidade é fundamental. Sabemos disso desde Freud.
O Brasil é um país avançado em termos de reconhecimento dos direitos dos homossexuais. No entanto, a Igreja é lenta no reconhecimento do lugar dos homossexuais no seu interior. Como você explica isso?
A sociedade brasileira não é tão aberta quanto parece. Se conquistamos direitos, são conquistas de ordem jurídica. Ainda existe muito conservadorismo, particularmente nos setores ligados ao fundamentalismo religioso. Paradoxalmente, existe no Brasil uma comunidade católica que não segue necessariamente ao pé da letra as posições da hierarquia católica. Por exemplo, a hierarquia proíbe o uso do preservativo, mas estudos mostram que 80% dos católicos consideram o uso dos preservativos como positivo.
Portanto, o comportamento da população, mesmo que católica, não segue exatamente o que a hierarquia diz. De fato, dentro da comunidade católica, há uma maior aceitação dos fiéis homossexuais e uma maior resistência por parte dos bispos e dos cardeais. E é justamente esse espaço onde nos dispomos a trabalhar. Para mostrar que os homossexuais são iguais às outras pessoas e que não há grandes diferenças, além do desejo sexual.
Você falava da hierarquia católica. Pois bem, o Papa Francisco, no retorno da Jornada Mundial da Juventude em 2013, no Rio de Janeiro, fez declarações importantes. Mudou alguma coisa para os católicos brasileiros?
Sim, as coisas mudaram, particularmente o clima. Antes, não se falava desse assunto, ou então era mantido na reserva. Hoje em dia, é um assunto sobre o qual podemos falar abertamente, justamente porque o Papa Francisco fez uma declaração de acolhida. Entretanto, não devemos nos enganar ao pensar que a declaração do papa sozinha mudou a doutrina católica, porque isso não é verdade. Ainda é preciso muito debate para avançar.
O que falta hoje para intensificar o diálogo entre a Igreja e os homossexuais?
Eu acho que falta um espírito de abertura por parte dos diversos setores da Igreja. Principalmente dentro da alta hierarquia. É muito bom que possa existir uma acolhida pastoral, mas queremos ver uma mudança na doutrina.
E o exemplo que eu dou de bom frado é o seguinte: na Idade Média, era fundamental para a Igreja defender o fato de que o homem estava no centro da Criação, e que a Terra era o centro do universo. Quando os cientistas provaram que a Terra girava em torno do Sol, a Igreja levou muito tempo para aceitar essa verdade científica. Mas o homem não perdeu a sua importância na Criação. Ele continua sendo uma criatura feita à imagem de Deus, mas não no centro do universo, porque o centro do universo é Deus, e não a Terra.
De certa forma, o homossexual é um pouco o Galileu do nosso tempo. A Igreja diz, por exemplo, que o casamento heterossexual é o centro da vida familiar. Mas nós dizemos que ele não é o centro, porque a sexualidade muda, se transforma, evolui.
Qual é o principal desafio que se apresenta para a Igreja sobre o tema dos homossexuais?
O grande desafio é o de poder intensificar o debate. Que esse debate possa existir na base da Igreja, porque é nesse nível que as coisas estão se movendo. Desse ponto de vista, eu também acho que as coisas já estão se movendo, porque eu tenho a sensação de que há uma grande receptividade por parte dos fiéis católicos em relação aos homossexuais, que são perfeitamente aceitos na liturgia, na catequese na vida comunitária das paróquias. Às vezes, há um pouco de medo de saber o que os outros vão dizer, e às vezes um padre ou um bispo se sente constrangido ao tratar desse tema. De fato, o grande desafio para os homossexuais é dar prova de paciência para continuar diálogo, para mostrar à Igreja que nós existimos e que não vamos ir embora, porque fazemos do corpo de Cristo que é a Igreja.
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"Somos gays e somos Igreja": a experiência brasileira da pastoral da diversidade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU