11 Setembro 2015
Crianças e adolescentes estão entre as principais vítimas dos efeitos nocivos dos agrotóxicos no Brasil. Um estudo do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP), com base em dados do Ministério da Saúde e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), mostra que entre 2007 e 2014 foram notificadas em todo o país 2.150 intoxicações somente na faixa etária entre 0 e 14 anos de idade. O dado, porém, não reflete o real, já que de cada 50 casos de intoxicação por agrotóxicos, apenas um é notificado no serviço de saúde.
Protesto no Rio de Janeiro no Dia Internacional da Luta Contra os Agrotóxicos, em 03 de dezembro de 2014
A reportagem é de Cida de Oliveira, publicada por Rede Brasil Atual, 09-09-2015.
Os dados, inéditos, foram apresentados pela professora Larissa Mies Bombardi, do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP) durante o seminário “Impactos dos Agrotóxicos na Vida e no Trabalho”, realizado no dia 02 de setembro na Câmara dos Vereadores de São Paulo.
Promovido pela Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida e pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, entre outros parceiros que lutam pelo banimento dos agrotóxicos e das sementes transgênicas no Brasil, o evento integra a programação da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), que está divulgando a atualização de seu Dossiê Impactos dos Agrotóxicos na Saúde.
Estudiosa do tema, a professora conta que só entre 1999 e 2009 o Sistema Nacional de Informações Toxicológicas (Sinitox), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), mostra que foram registradas 62 mil intoxicações por agrotóxicos no país.
"São 5.600 intoxicações por ano, 15,5 por dia, uma a cada 90 minutos. Nesse período houve 25 mil tentativas de suicídio com uso de agrotóxico. O dado é alarmante, representando 2.300 casos por ano. São seis por dia”, afirma Larissa, reforçando para o fato que o dado pode ser 50 vezes maior.
Para o presidente do Consórcio de Segurança Alimentar do Sudoeste Paulista e dirigente da Federação da Agricultura Familiar de São Paulo, José Vicente Felizardo, as crianças sempre estiveram expostas a esses produtos no campo, principalmente na plantação de tomates, que predomina em sua região. Ele conta que até o ano 2000 a contaminação na faixa etária entre 5 e 14 anos ocorria durante o trabalho, quando essas crianças manuseavam agrotóxicos, "temperando a calda" – fazendo a diluição. "Eram comuns mortes de crianças", conta.
Segundo ele, as denúncias não surtiam efeito. Até que em 2000 uma criança de 5 anos morreu depois de beber agrotóxico. "Ela estava na roça com a mãe. Bebeu agrotóxico. Conseguimos mobilizar a imprensa, mostrando as embalagens. Desde então, a coisa começou a caminhar."
No entanto, pouca coisa mudou. Segundo Felizardo, crianças pequenas ainda são levadas às roças de tomate pelas mães. "Elas ficam dormindo na sombra enquanto a mãe trabalha. E na hora de pulverizar, a criança é pulverizada junto. Por isso, os números não surpreendem.”
Os agrotóxicos afetam também a saúde dos mais velhos. Conforme Felizardo, nos acampamentos de tomate é comum os trabalhadores, ainda adolescentes, desenvolverem depressão e alcoolismo. "Não são raras as tentativas de suicídio, todas sem registro. Na região de Jaú, se a gente vir as pessoas que estão fazendo tratamento de câncer, a maioria está exposta aos agrotóxicos", conta Felizardo.
O dirigente chama ainda a atenção para o assédio da indústria de agrotóxicos. Em sua região há poucos técnicos. "Se reunir todos os agrônomos do poder público, temos em torno de 40 técnicos para assistência técnica. Uma empresa na cidade vizinha tem, sozinha, 36 agrônomos, cada um com um carro, que vai a cada propriedade vendendo os agrotóxicos. E a cada 15 dias fazem palestra, fazem churrasco e [oferecem] bebida e chamam os agricultores para fazer propaganda. É muito diferente a atenção. É desleal."
Protesto no Rio de Janeiro no Dia Internacional da Luta Contra os Agrotóxicos, em 03 de dezembro de 2014
Desde 2009, o Brasil lidera o consumo mundial desses produtos, utilizando sobre suas lavouras um quinto de todo o agrotóxico produzido no mundo. Tamanho consumo está colocando em risco a vida e saúde dos camponeses, trabalhadores rurais e seus familiares, em contato direto com o produto, e a população da cidade, que consome alimentos contaminados por agrotóxicos.
Cancerígeno, glifosato não é detectado por testes da Anvisa em alimentos
Em março passado, a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (Iarc), vinculada à Organização Mundial da Saúde (OMS), classificou o glifosato, presente em herbicidas como o Roundup – um dos mais utilizados no mundo – como cancerígenos prováveis para seres humanos.
"Porém, a presença do veneno não é avaliada pela Anvisa em seu monitoramento de agrotóxicos nos alimentos", alerta a professora da Universidade Estadual do Rio do Janeiro (Uerj) e pesquisa da Fiocruz Karen Friedrich, que está entre os 44 autores do Dossiê da Abrasco.
De acordo com a Anvisa, as amostras dos alimentos são encaminhadas aos laboratórios, cuja análise é realizada pelo método analítico de “multirresíduos”. O método rápido, utilizado em outros países, analisa simultaneamente diferentes ingredientes ativos de agrotóxicos em uma mesma amostra.
Porém, esse método não se aplica à análise de alguns ingredientes ativos, como o glifosato, o 24D e o etefon, entre outros, que demandam metodologias específicas e onerosas. Considerando o cenário atual relativo à larga utilização do glifosato e de reavaliação deste ingrediente ativo, a Anvisa está trabalhando para pesquisar o glifosato em algumas culturas agrícolas a partir de 2016, principalmente nas transgênicas e nas culturas em que ocorre o uso como dessecante antes da colheita.
Segundo Karen, isso é grave, já que os alimentos podem conter doses elevadas da substância. "Se não há limite de segurança, ou seja, o agrotóxico é nocivo à saúde em qualquer quantidade, imagine em grandes doses." Segundo a própria Anvisa, 70% dos alimentos consumidos hoje no Brasil têm agrotóxicos, alguns deles com quantidades bem acima do tolerado.
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Mais de 2 mil crianças e adolescentes sofreram intoxicação por agrotóxicos no Brasil nos últimos sete anos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU