28 Julho 2015
O papa vai contra os interesses dos grandes negócios norte-americanos: o capitalismo financeiro de Wall Street, por exemplo, e o complexo industrial dependente dos combustíveis fósseis – fabricantes de automóveis, companhias petrolíferas e de geração de energia elétrica à base de carvão. Assim, ele fez alguns grandes inimigos. Mas não deve se intimidar.
Publicamos aqui o editorial da revista The Tablet, 23-07-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Duas contra-narrativas estão se desdobrando na Igreja Católica, voltadas a neutralizar alguns dos ensinamentos mais incisivos do Papa Francisco. Ele vai ir ao encontro de ambas quando visitar os Estados Unidos em setembro.
Uma delas, concernente às mudanças climáticas, ele já terá ouvido dos lábios do cardeal George Pell, o australiano que dirige a maquinaria financeira do Vaticano. Trata-se da acusação de que o papa deu um passo além do seu alcance quando assumiu, na sua recente encíclica Laudato si', que a atividade humana é uma causa significativa das prejudiciais mudanças climáticas.
Em uma entrevista ao Financial Times, o cardeal Pell disse: "A Igreja não tem nenhum mandato do Senhor para se pronunciar sobre questões científicas. Nós acreditamos na autonomia da ciência". Para o qual única resposta possível é: "Sim e não, Vossa Eminência – mas muito mais 'não' do que 'sim'".
Os cientistas podem ter certeza de que o mosquito Anopheles carrega a malária, e em todas as partes a Igreja Católica aceita o seu veredito e apoia campanhas locais para eliminá-lo. Não fazer isso seria irresponsável, embora a Igreja não reivindique perícia em epidemiologia ou entomologia. Há uma pequena chance de que os especialistas estejam errados, mas é uma chance que não vale a pena assumir.
Esse "princípio de precaução", que se aplica em ambos os casos, é um julgamento moral que a Igreja Católica é plenamente competente para fazer. O fato é que o cardeal Pell, que também não é nenhum cientista, tem afirmado repetidamente que ele não acredita nas mudanças climáticas, nem que elas sejam causadas por humanos, ou que, se o são, elas não são necessariamente prejudiciais.
A frase de que "o papa não tem nenhuma competência em questões científicas", às vezes colorida com uma referência a Galileu, tornou-se o padrão de refúgio dos católicos conservadores nos Estados Unidos, muitos dos quais também se opõem aos esforços do governo Obama de levar as mudanças climáticas a sério.
A resposta negativa à Laudato si' muitas vezes está ligada à outra conduta anti-Francisco assumida por direitistas católicos norte-americanos – de que a sua crítica feroz ao sistema econômico de livre mercado só se aplica à América Latina ou mesmo apenas à Argentina e, portanto, não diz nada sobre o que acontece em outros lugares, incluindo os Estados Unidos.
Essa é uma forma de tratar o Papa Francisco como um tolo. Eles se esquecem de que ele não é o primeiro papa que soa ser de esquerda aos seus ouvidos. Até mesmo aquele que os católicos conservadores dos Estados Unidos mais tendem a admirar, São João Paulo II, teve a sua encíclica Sollicitudo rei socialis menosprezada pelo The Wall Street Journal como "marxismo requentado". Para o seu crédito, os bispos norte-americanos, de modo geral, não caíram na armadilha de se aliar com esses críticos ideológicos do papado.
A ligação entre essas respostas à abordagem de Francisco sobre aquilo que ele chama de "nossa casa comum" e o mercado é revelada pelo teste "cui bono?". Quem se beneficia com a tentativa de desacreditar o papa dessa forma?
Em ambos os casos, os interesses servidos são aqueles dos grandes negócios norte-americanos: o capitalismo financeiro de Wall Street, por exemplo, e o complexo industrial dependente dos combustíveis fósseis – fabricantes de automóveis, companhias petrolíferas e de geração de energia elétrica à base de carvão.
O Papa Francisco fez alguns grandes inimigos. Mas ele não deve se intimidar.
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''O papa deve resistir aos ataques da direita'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU