Por: André | 01 Julho 2015
Pode parecer catastrófico, mas depois das palavras e dos escritos de Jorge Riechmann (Madri, 1962), percebe-se nele, sobretudo, um otimismo de que muitos não são capazes: o de imaginar uma solidariedade comum, uma “autoconstrução coletiva” – nas palavras do poeta e ativista – que acabe de uma vez por todas com o sistema capitalista, antes que este acabe consumindo a todos.
Fonte: http://bit.ly/1R1GC2y |
Professor de Filosofia Moral da Universidade Autônoma, militante da Ecologista em Ação e da Esquerda Anticapitalista e membro do Conselho Cidadão do Podemos em Madri, Riechmann (foto) analisou, através de uma extensa bibliografia (seu último ensaio é Autoconstrução, pela Editora Catarata), as aberrações de um modelo que consome e vive sem limites em um planeta que morre a um ritmo acelerado.
Durante os dias 26, 27 e 28 de junho, Riechmann participou, junto com outros representantes de movimentos sociais, pesquisadores, ativistas e políticos de diversos países, do 2º Encontro Alternativas frente aos desafios ecossociais, que aconteceu em Madri, para conjugar o enfoque social e ecológico e buscar respostas conjuntas para combater as crises, desde a crise econômica até a crise de valores, padecidas pela sociedade atual.
A entrevista é de Lucía Villa e publicada por Público, 25-06-2015. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.
Qual é a proposta do ecossocialismo?
Eu defendo, há tempos, que não podemos pensar em uma sociedade que seja realmente sustentável e que siga sendo capitalista. Se queremos sociedades que sejam duradouras, não há forma de esquivar a questão do sistema e das rupturas anticapitalistas. Temos que nos fixar mais em algo que, embora já estivesse presente em O Capital, de Marx, não teve muita importância nas tentativas históricas de avançar no socialismo: a ideia de que as forças produtivas são, ao mesmo tempo e indissociavelmente, forças destrutivas. E essa parte destrutiva foi crescendo em relação à parte produtiva à medida que as sociedades foram se desenvolvendo.
Eu penso que uma questão central do nosso tempo é o choque das sociedades industriais com os limites biofísicos do planeta. Segundo os cálculos da pegada ecológica do conjunto da humanidade, estamos vivendo como se tivéssemos à nossa disposição um planeta e meio. É uma situação aberrante que só é possível manter durante algum tempo. Estamos vivendo, literalmente, como se não houvesse amanhã... e isso é altamente problemático. E o que diz o ecossocialismo é que a principal força que está por trás desse choque contra os limites biofísicos do planeta é a dinâmica autoexpansiva do capital.
E como se contorna um sistema, o capitalista, que não é apenas político ou econômico, mas também cultural e de valores, que está impregnado em todos?
Eu acredito que é uma dimensão muito importante que foi inclusive ganhando peso devido aos processos culturais das últimas décadas. É verdade que cada sociedade produz os objetos de que necessita, ou os objetos congruentes com essa ordem social. Isso, de fato, é um processo circular. As pessoas são produzidas pela sociedade, a sociedade produz sujeitos e os sujeitos reproduzem, produzem e mudam a sociedade. É um circuito de realimentação. Mas o novo – que é extremamente terrível na situação em que nos encontramos – é que, à medida que a versão neoliberal do capitalismo se consolidou, este entra muito mais profundamente na constituição da subjetividade. Há uma frase, destas imortais, dita pela Margaret Thatcher, que diz mais ou menos o seguinte: “A economia na realidade não importa tanto; na realidade, onde jogamos tudo é na alma humana”. Isso Margaret Thatcher e outros teóricos do neoliberalismo tinham muito claro.
E o que foi tendo lugar é um processo no qual essa dinâmica de expansão da sociedade mercantil foi se introduzindo cada vez mais nas pessoas. Então, claro, pensar nestes termos nos dá a ideia da dificuldade desta questão, mas você não pode pensar que seu adversário seja algo exterior a ser enfrentado, assim, nitidamente delimitado, mas que foi incorporado; faz parte do que você também é. Uma imagem um pouco humorística que usei algumas vezes para tentar explicar isso é esse personagem das fábulas centro-europeias, que é o Barão de Münchhausen. Em um dos lances célebres de sua vida, Münchhausen, andando a cavalo, cai num pântano e começa a afundar na areia movediça. E para sair ocorreu-lhe a brilhante ideia de puxar pelo seu próprio cabelo, e assim consegue sair do pântano. O que nos cabe fazer é algo parecido com isso. Eu creio que devemos pensar isso a partir da autoconstrução coletiva.
A que nos expomos? Os cientistas falam em que já começou a sexta extinção de espécies, a primeira que seria causada pelo homem e a primeira que afetaria o homem... a sociedade não parece estar muito consciente.
Não e isso é dramático. A diferença que há entre o mundo de crenças no qual está vivendo a média das pessoas nesta sociedade e a situação objetiva tal como podemos nos referir à mesma por meio da ciência, é enorme. Somos incapazes, como sociedade, de nos responsabilizar pelo que está acontecendo e de ver o quão perto estamos de cair num abismo, cujas dimensões não conseguimos calcular. Fazem-no os pesquisadores e pesquisadoras e por isso estão lançando gritos de alarme cada vez mais desesperados há muito tempo.
Um dos generais golpistas no Brasil, na primeira dessas ditaduras que se implantaram na América Latina na década de 1960, disse: “O país se encontrava diante de um abismo e decidimos dar um passo à frente”. Nossas sociedades estão à beira de um abismo e estão avançando a toda velocidade. Não passo a passo, mas de forma motorizada, sem nos darmos conta do que isso representa.
Se tivesse que assinalar apenas três âmbitos da dimensão dessa crise ecológico-social, seriam o aquecimento climático, a crise de recursos e a extinção em massa de diversidade biológica. São três processos que estão, literalmente, nos tirando o chão debaixo dos pés. Continuar fazendo as coisas mais ou menos como estamos fazendo hoje nos levará a um ecocídio, acompanhado de um genocídio, que, se não formos capazes de mudar, destruirá, acredito, a maior parte da população humana nas próximas décadas. É disso que se está falando quando falamos de mudança climática.
Todas as esperanças para frear a mudança climática estão postas na Cúpula de Paris de dezembro deste ano. Um protocolo que substitua o de Kyoto é suficiente?
Tudo indica que, assim como as coisas estão, não será suficiente. O que convencionalmente, com uma base científica, foi estabelecido como um nível mais ou menos de segurança são os dois graus centígrados de aumento da temperatura média em relação aos níveis pré-industriais. Muitos cientistas pensam, no entanto, que não se deveria passar de 1,5 grau. No entanto, Paris é importante na medida em que possa representar uma mudança de tendência pelo menos, porque a situação agora é que estamos emitindo cada vez mais e cada vez mais rápido. Não é que estejamos em uma situação de equilíbrio, mas que as emissões seguem crescendo e cada vez mais rapidamente. E Paris pode servir como o início de uma inflexão nesse sentido. Mas eu estou convencido de que sem rupturas anticapitalistas, sem avançar claramente para outro modelo de produção e consumo, não há forma de evitar esse desfecho muito dramático.
Você é membro do Conselho Cidadão do Podemos na Comunidade de Madri. Vê os valores ecologistas representados no partido?
De maneira muito insuficiente. Não é um problema apenas do Podemos, é um problema da maioria das nossas forças políticas. Há uma coisa que há alguns anos um ativista brasileiro envolvido no Fórum Social Mundial de Porto Alegre, Chico Withaker, destacava em referência a movimentos como o 15M ou o Occupy Wall Street, que usavam o lema “somos 99%, eles são 1%”. Se pensarmos em termos ecológicos e sociais, essa distribuição não é bem assim. Chico Withaker dizia que seria preciso pensar mais em termos de 1% das pessoas que tem certa consciência do mundo real no qual vivem e que está tentando alertar os outros 98% sobre a situação dramática na qual nos encontramos para somar forças e fazer frente ao 1% restante que está no alto da pirâmide da riqueza e do poder. Mas o nível de consciência desses 98% da população não é nem de longe o que seria o desejável.
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“Continuar dessa maneira nos leva a um ecocídio que acabará com a maior parte da população em décadas”. Entrevista com Jorge Riechmann - Instituto Humanitas Unisinos - IHU