22 Abril 2015
A voz de Sônia Guajajara é suave, mas carrega a força de uma guerreira. Suas palavras são bem pronunciadas e expressam um pensamento agudo como uma flecha. Nascida em 1974 em uma aldeia na parte amazônica do estado do Maranhão, ela é hoje uma das principais lideranças indígenas do Brasil.
A entrevista é de Jaime Gesisky, publicada pelo sítio WWF Brasil, 17-04-2015.
É ela quem coordena a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), entidade que organizou esta semana em Brasília uma mobilização nacional que reuniu cerca de 1.500 representantes de diversas etnias. Eles vieram se manifestar contra aquilo que ela chama de “ataque sistemático aos direitos dos povos indígenas”.
Durante a mobilização na capital do país, Sônia Guajajara foi recebida pela vice-presidência da República, falou diretamente à presidência da Câmara, discursou no Senado e manifestou-se perante o Supremo Tribunal Federal. Simbolicamente, ela esteve frente a frente com os inimigos.
Os Três Poderes da República são hoje, em sua opinião, a principal ameaça aos direitos dos povos e territórios indígenas. No governo, há 20 decretos de homologação de Terras Indígenas parados na mesa da presidente Dilma sem nenhum motivo jurídico ou técnico que os impeça de serem assinados. Este foi o governo que menos demarcou Terras Indígenas.
No Congresso Nacional, cerca de 100 iniciativas dos parlamentares afrontam direitos indígenas. Os mais emblemáticos são o marco legal da biodiversidade, o novo Código da Mineração – que pode transformar parte dos territórios indígenas cobertos de florestas em lavras a céu aberto para a extração de minérios – e a PEC 215, que tira do Executivo e passa para o Legislativo a prerrogativa de criar Terras Indígenas, Territórios Quilombolas e Áreas Protegidas.
“É uma proposta letal e grave. Os povos indígenas estão há cinco séculos garantindo a permanência da cobertura florestal e a manutenção da água limpa e a continuidade da vida desses que estão querendo nos destruir”, afirma.
Na Suprema Corte, decisões parciais de anulação de portarias declaratórias e decretos de homologação podem considerar como marco de ocupação tradicional a data de 5 de outubro de 1988. Tal interpretação, se confirmada, irá restringir os direitos territoriais de muitos outros povos, aumentando decisões contra procedimentos de demarcação de terras e o clima de conflitos e violências contra os povos indígenas.
Para a líder Guajajara, o Estado brasileiro não sabe dialogar com a diversidade. E está articulado contra direitos consagrados na Constituição Federal. “É um ataque, e nós vamos nos defender”, diz firmemente.
Eis a entrevista.
A senhora tem dito que o Estado brasileiro não consegue dialogar com a diversidade que os povos indígenas brasileiros representam. O que isso significa na prática?
O governo, o Congresso e o Supremo [Tribunal Federal] insistem em nos considerar índios. E nós somos povos indígenas. Há uma diversidade que precisa ser respeitada, que tem um valor, e eles estão passando por cima de nossas tradições, nossos ritos, nossa cultura que é diversa. Afrontando direitos.
E como isso se manifesta na prática?
É o caso do projeto de lei da biodiversidade. Ele ruim como um todo para os povos indígenas. Ele desagradou porque o governo negociou o nosso conhecimento tradicional com as empresas. Esse conhecimento é nosso. Esse projeto de lei foi feito de encomenda pelo governo federal para atender as indústrias de medicamentos e cosméticos. Nós nunca fomos chamados para dar nossa opinião. E ainda retiraram do texto a expressão “povos indígena”, trocando por “populações indígenas”, contrariando a Constituição. O governo também parou de demarcar nossas terras. Tem 20 processos prontos para serem assinados na Presidência da República. Todos parados por decisão de governo.
Que outras ameaças a senhora considera graves aos povos indígenas?
A mais emblemática é a PEC 215, porque teve mais visibilidade. Essa Proposta de Emenda à Constituição fere a Constituição. Ela tira de órgãos como o ICMbio e a Funai a competência de criar Terras Indígenas [assim como Territórios Quilombolas e Áreas Protegidas], e entrega isso aos deputados. E sabendo que o Legislativo é contrário os interesses indígenas, nunca mais teremos demarcação de terras nesse país se ela for aprovada.
Apesar de serem as áreas de floresta mais bem conservadas, seus territórios estão em risco?
Sim. E ainda tem o novo marco legal da mineração, que quer abrir nossas terras para que as empresas venham explorar, colocando em risco nossa integridade. A gente não tem que negociar o direito do usufruto exclusivo dos povos indígenas, que a Constituição garante.
O Supremo Tribunal Federal também joga contra os indígenas?
O Supremo sempre foi nosso aliado mas tá mudando. Ele agora suspende portarias declaratórias das demarcações de Terras Indígenas. O STF deveria facilitar, mas está retrocedendo e negando direitos territoriais, indo contra a Constituição brasileira.
Vocês se consideram cercados pelo Estado?
Este é o momento mais crítico que vivemos porque os poderes [Executivo, Legislativo e Judiciário] estão combinados. É um ataque sistemático aos nossos direitos.
E como vocês irão reagir?
Continuaremos mobilizados, organizado e resistindo. Esse é o nosso jeito de assegurar nossos direito.
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“O Estado brasileiro não sabe dialogar com a diversidade” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU