14 Janeiro 2015
Cinco anos após o terremoto que provocou mais de 230 mil mortes e devastou a capital, a reconstrução do Haiti está ameaçada pela instabilidade política. A segunda-feira (12), data de aniversário do terremoto, também marcou um novo ponto de virada na crise. O mandato do Parlamento, cujos membros não puderam ser renovados devido a um atraso de três anos na organização das eleições, chegou ao fim.
A reportagem é de Jean-Michel Caroit, publicada pelo jornal Le Monde e reproduzida pelo portal UOL, 13-01-2015.
As manifestações antigovernamentais provocaram a demissão do primeiro-ministro, Laurent Lamothe, em dezembro de 2014. Seu sucessor designado, Evans Paul, ainda não assumiu o cargo, por falta de consenso entre o Executivo e o Parlamento. A oposição radical anunciou que continuará com a mobilização pela saída do presidente, Michel Martelly, acusado de corrupção e nepotismo, e pela organização de novas eleições.
Nesse clima de confronto e vácuo de poder, a organização das cerimônias de aniversário do terremoto passou para segundo plano. O Memorial de 12 de janeiro ainda não foi concluído em Titanyen, uma zona desolada ao norte da capital onde dezenas de milhares de corpos foram enterrados às pressas nos dias após o terremoto. Os amontoados de entulho sumiram, mas nem o palácio presidencial, nem a catedral, nem nenhum outro prédio emblemático da capital foi reconstruído.
60 mil remoções forçadas
"Muito foi realizado, mas ainda há bastante trabalho a ser feito", clamou o papa Francisco na abertura de uma conferência que ele convocou no sábado (10) em Roma, "para manter a atenção em um país que ainda está sofrendo consequências dessa catástrofe".
Cinco anos após o desastre que destruiu ou danificou mais de 300 mil construções, jogou mais de 1,5 milhão de pessoas nas ruas e provocou danos avaliados em US$ 7,8 bilhões (quase R$ 21 bilhões, ou seja, 121% do PIB de 2009), a reconstrução não chegou no nível esperado. A palavra de ordem "reconstruir melhor", repetida pelo ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton quando ele foi o enviado especial da ONU para o Haiti, permanece em sua maior parte um desejo irrealizável.
Segundo Harry Adam, que dirige a unidade pública de construção de moradias, ainda há pouco menos de 70 mil desabrigados nos acampamentos improvisados. "Infelizmente, o interesse da comunidade internacional diminuiu, embora ainda haja dezenas de milhares de pessoas sem abrigo e vivendo na miséria", lamenta Chiara Liguori, responsável pela Anistia Internacional para o Caribe.
A ONG acaba de publicar um relatório denunciando as remoções forçadas de mais de 60 mil pessoas que haviam se refugiado nos acampamentos improvisados após o terremoto. As condições de vida nos 123 acampamentos que subsistem estão cada vez mais difíceis: um terço dos habitantes não tem acesso a latrinas e um aumento nos casos de cólera foi constatado nos últimos meses. A epidemia matou 8.000 haitianos.
Menos de 20% das soluções de realojamento propostas podem ser consideradas permanentes. Foram gastos US$ 500 milhões, ou seja, grande parte dos fundos de ajuda para a moradia, na construção de 114 mil "T-shelters", que são abrigos provisórios concebidos para durar de três a cinco anos. Seu custo unitário estimado em US$ 1.500 subiu para US$ 4.226 e muitos deles estão em estado deplorável. "Os programas temporários partem de uma boa intenção, mas eles são ineficazes", observa Chiara Liguori.
Para esvaziar os acampamentos, um programa de subsídio de aluguéis foi criado com financiamentos internacionais. Mas o "auxílio-aluguel" de US$ 500 pago aos deslocados que aceitassem deixar os acampamentos e que supostamente cobriria um ano de aluguel foi considerado insuficiente por muitos deles. Sobretudo porque ao final de alguns meses eles ainda não haviam conseguido encontrar emprego ou uma fonte de renda, nesse país onde o índice de desemprego ultrapassa os 40% e onde 6 dos 10 milhões de habitantes vivem com menos de US$ 2,40 por dia. O problema fundiário, marcado pela ausência de registro e títulos de propriedade, e a falta de coordenação entre os vários participantes – entre eles, quase dez mil ONGs pouco após o terremoto – entravaram o processo de realojamento.
"Eficácia menor que o previsto da ajuda"
Vários projetos fracassaram. Inaugurado em 2011 pelo presidente Martelly e Bill Clinton, o complexo Zorange está abandonado. A infraestrutura não foi construída e as casinhas nunca foram terminadas. O mesmo foi constatado em Morne-à-Cabrit, ao norte de Porto Príncipe. Esse projeto de 3.000 moradias sociais, financiado com US$ 44 milhões pela PetroCaribe, o fundo de cooperação venezuelano, foi inaugurado em maio de 2013. Sem serviços, de acesso muito difícil, sem empregos nas proximidades e com aluguéis muito elevados, esse projeto é um fracasso. A maior parte das moradias, abandonadas, foram vandalizadas.
Cerca de cinquenta países e organizações internacionais prometeram US$ 12,4 bilhões em ajuda humanitária e de desenvolvimento, e em anulação da dívida após o terremoto. De acordo com a última contagem das Nações Unidas, 80% desses fundos foram pagos. Segundo uma avaliação recente do círculo de reflexão americano Center for Economic and Policy Research, os grandes beneficiários da ajuda dos Estados Unidos não foram o governo ou as empresas haitianas, mas sim empresas americanas bem relacionadas com Washington.
Em um raro documento autocrítico publicado no dia 4 de dezembro de 2014, o Fundo Monetário Internacional reconhece que o crescimento esperado da reconstrução não aconteceu. Além da "baixa capacidade de absorção do frágil Estado" haitiano, o FMI constata "a eficácia menor que o previsto da ajuda".
Diante da "fadiga" e das dificuldades econômicas dos tradicionais financiadores do Haiti, a Venezuela se tornou nos últimos anos uma das principais doadoras da república caribenha através de seu programa PetroCaribe, pelo qual fornece produtos petroleiros com condições preferenciais.
"A difícil situação macroeconômica na Venezuela" poderia provocar a suspensão desse programa e agravar ainda mais a crise haitiana", teme o FMI.
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A impossível reconstrução do Haiti - Instituto Humanitas Unisinos - IHU