Segundo o pesquisador da Universidade Federal de Juiz de Fora, o principal desafio dos movimentos que atuam no metaverso "é a elaboração de novas formas de condutas estéticas, éticas e políticas com valores universais"
Antes de a ideia de "metaverso" entrar na linguagem corrente, o ambiente virtual e tridimensional que simulava a vida real e social do ser humano por meio da interação entre avatares, o Second Life, nasceu, tornou-se um "boom" na internet e desapareceu, porque, segundo Francisco Pimenta, ele "surgiu num período em que muitas dessas tecnologias ainda estavam no início de seu desenvolvimento e por isso, dentre outros motivos, não prosperou".
Mas hoje, uma década depois, em que o metaverso ganha destaque inclusive entre as crianças que vivem no ambiente virtual do game Roblox, a própria "ideia de metaverso constitui um campo complexo de possibilidades, realizações concretas e pensamentos tecnológicos. Em termos científicos, abrange diversas áreas, em especial, é claro, a computação e várias de suas subáreas, entre elas a Realidade Virtual, que cria mundos à parte, e a Realidade Aumentada, que se integra e recria nosso ambiente cotidiano", explica o pesquisador.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail ao Instituto Humanitas Unisinos - IHU, Francisco Pimenta esclarece que o metaverso é um "conceito extremamente rico que pode ser abordado de diferentes perspectivas". Ele o analisa a partir das obras do lógico norte-americano Charles Peirce e assegura que "a tendência de os processos de representação sígnica reproduzirem, cada vez mais, o mundo natural e criarem universos imersivos híbridos com os ambientes vividos é um movimento irreversível".
Assim como o metaverso pode potencializar a construção de uma cidadania coletiva, a própria busca da cidadania pode ser impactada pelo desenvolvimento tecnológico. "Esta nova base técnica permite a superação dos meios tradicionais de expressão sígnica que, por sua própria constituição lógica, conduzem a produtos, incluindo os de massa, que reproduzem processos mentais meramente classificatórios e hierarquizantes, os quais estimulam particularidades grupais e individualistas. (...) Na verdade, a defesa de particularidades é incompatível com o respeito a valores universais. Nesse sentido, a radicalização de posturas grupais e individualistas tem levado muitas vezes a movimentos de caráter neofascista, inclusive de tendências ditas de esquerda". E adverte: "O desafio que se coloca, de fato, aos movimentos de promoção da cidadania é a elaboração de novas formas de condutas estéticas, éticas e políticas com valores universais. Isso inclui a denúncia e superação da atual cultura de massas, que impõe seus valores particulares a todo o planeta, em direção ao respeito à autonomia de outros modos de criação sígnica. Para isso contamos, agora, com essas tecnologias".
Francisco Pimenta (Foto: Arquivo pessoal)
Francisco Pimenta é graduado em Comunicação Social pela Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF, mestre e doutor em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP. Foi jornalista dos Diários Associados, Revista Manchete, Agência Estado, Jornal da Tarde (OESP) e tradutor. É professor titular e tutor do Grupo PET/SESu da Faculdade de Comunicação da UFJF, onde foi o coordenador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação. Atua no PPGCom na área de Semiótica e Epistemologia da Comunicação, pesquisando ambientes imersivos e redes sociais como bases para a disseminação de mudanças no pensamento e nos processos comunicacionais.
IHU - Dez anos atrás, o Second Life foi apresentado como uma grande inovação, que nos possibilitava viver num mundo virtual. Hoje em dia, não se fala mais nele, mas, sim, em metaverso, de modo geral. Quais são as particularidades do metaverso?
Francisco Pimenta - Essa ideia de metaverso constitui, hoje, um campo complexo de possibilidades, realizações concretas e pensamentos tecnológicos. Em termos científicos, abrange diversas áreas, em especial, é claro, a computação e várias de suas subáreas, entre elas a Realidade Virtual, que cria mundos à parte, e a Realidade Aumentada, que se integra e recria nosso ambiente cotidiano. Portanto, é um conceito extremamente rico que pode ser abordado de diferentes perspectivas. Do nosso ponto de vista, é algo interessante como processo comunicacional, mais propriamente, sígnico, pois, na nossa concepção, baseada nas obras do lógico norte-americano Charles Sanders Peirce, não há comunicação sem signos.
Dessa perspectiva, o metaverso é um claro exemplo da contínua evolução dos processos semióticos, ou semioses, em associação com o crescimento da área da eletrônica e, daí, da computação. Esses processos vêm evoluindo principalmente a partir da invenção do transístor e, mais tarde, dos circuitos integrados, os chips, que permitiram a miniaturização dos equipamentos, seu barateamento e disseminação. A representação dos objetos pelos meios técnicos avança, então, velozmente, facilitada, ainda, pela digitalização, que possibilitou que as antigas mídias analógicas fossem progressivamente integradas. O Second Life surgiu num período em que muitas dessas tecnologias ainda estavam no início de seu desenvolvimento e por isso, dentre outros motivos, não prosperou. Mas a tendência de os processos de representação sígnica reproduzirem, cada vez mais, o mundo natural e criarem universos imersivos híbridos com os ambientes vividos é um movimento irreversível.
IHU - Que aproximações existem entre os metaversos e as redes sociais?
Francisco Pimenta - Na realidade, eles constituem um fenômeno único e as redes sociais são apenas um dos aspectos atuais da ideia mais geral de metaverso. Como a comunicação por meio de signos é a base sobre a qual se desenvolvem, a semiótica é uma esfera privilegiada para compreender melhor essas relações. É interessante notar que todas essas metáforas giram em torno da proposta de ampliar nossa semiosfera, ou seja, o ambiente sígnico no qual estamos imersos. E expandir nosso universo em metaversos, por meio de vínculos, redes, que amplificam nossa noção de sociedade, é o mesmo processo expansivo que caracteriza a semiose, por meio do contínuo e irrefreável desenvolvimento de signos a partir de outros signos. É a aldeia global de McLuhan propiciando a progressiva interação entre mentes, sejam elas ocidentais, orientais, humanas, animais ou maquínicas. As distâncias físicas permanecem, mas os pensamentos se movem sem barreiras, a não ser aquelas impostas por interesses particulares, de caráter pessoal ou grupal, econômicos ou políticos.
IHU - Hoje, o metaverso mais difundido é o game Roblox, conhecido especialmente pelas crianças. Qual é a especificidade dele e suas implicações, considerando que essas crianças, que logo serão adultos, cresceram neste universo?
Francisco Pimenta - Face ao crescimento da semiosfera pela expansão dos processos sígnicos digitais, naturalmente todas as faixas etárias participam desse processo, que a todos atinge. Seria preciso a realização de pesquisas bastante complexas, envolvendo diversas áreas, para avaliar esses impactos na faixa infantil, os quais, certamente, não serão inócuos. Basta fazer um paralelo com as significativas mudanças causadas nesse público pela introdução da televisão em larga escala, um suporte comparativamente muito mais simples, para termos uma ideia do que essa tecnologia pode gerar.
Por meio da semiótica, podemos prever que essas alterações afetarão desde as esferas perceptivas, sensórias, passando pela ampliação do universo conhecido por esses usuários infantis, implicando em outros modos de ver o mundo, até os impactos em suas capacidades interpretativas, suas competências, sendo bastante provável que as próximas gerações adquiram, crescentemente, uma maior capacidade crítica em relação ao seu próprio uso dessas tecnologias. Nunca é demais lembrar a já histórica relação entre jogos eletrônicos e as esferas da educação e do treinamento, gerando desenvolvimentos que já estão sendo explorados por empresas e pelo setor público e que, certamente, consistirão num campo de alta relevância social e econômica nas próximas décadas.
IHU - Em 2011, o senhor publicou um artigo no qual analisava o possível desenvolvimento de um movimento pela cidadania nos ambientes virtuais. Como esse movimento se desenvolveu na última década?
Francisco Pimenta - Estávamos, naquele período, em um momento com boas perspectivas para o avanço da democracia no Brasil, após nova eleição presidencial em contexto social bastante politizado, porém sem ameaças autoritárias de nenhum tipo. Esses bons sinais também surgiam em diversos países, em meio à chamada Primavera Árabe, de oposição a ditaduras, e ao movimento Occupy Wall Street nos Estados Unidos, contra as desigualdades sociais e o crescente poder de empresas, entre elas as do Vale do Silício, tudo isso na esteira dos movimentos antiglobalização que caracterizaram a primeira década do século. Como resultado de nossas pesquisas, estávamos bastante entusiasmados com a construção coletiva de uma plataforma aberta, sobre a base constituída pelo Second Life, intitulada Open Simulator, considerando-a um indicativo de que os metaversos também seguiriam nesse sentido de construção da cidadania.
Talvez em consequência desses avanços democráticos, e em reação a eles, o que se vê, em seguida, é a disseminação de iniciativas autoritárias que, a nosso ver, visam, entre outros fins, exatamente bloquear esses movimentos coletivos sob a alegação de que atuam contra a liberdade individual e de grupos conservadores. Outro ponto de reação se disseminou com base na defesa dos costumes tradicionais em oposição ao já crescente movimento do identitarismo. Assim como havia acontecido na década anterior em relação ao nascente ciberativismo antiglobalização, que também pesquisamos durante alguns anos, essas respostas conservadoras, apoiadas por empresas, governos e diversas instituições a eles relacionadas, aos poucos, foram mudando o cenário que, hoje, se vê bastante agravado pelo retorno da extrema direita e do fascismo.
A busca da cidadania nos ambientes digitais, portanto, também se viu impactada por esses desenvolvimentos. Atuou, ainda, contra a disseminação dessas plataformas, suas próprias limitações técnicas, na medida em que os metaversos demandam grande capacidade computacional e a significativa disponibilidade de recursos exigida para isso não é o que caracteriza a luta pelos direitos sociais. Ao contrário, esses meios foram apropriados pelo grande capital e pelas próprias empresas que se desenvolveram na esfera digital, criando um novo contexto social, político e econômico que as favorecem e ampliam sua influência por meio da manipulação dos algoritmos e do big data, como ocorreu recentemente por meio do microdirecionamento de dados pessoais nas eleições do Brexit, do ex-presidente Trump e, no Brasil, com Bolsonaro.
IHU - Uma das correntes filosóficas em que o senhor se apoia para analisar o metaverso é o pragmatismo de Charles Peirce. Quais são as contribuições do pragmatismo nesse sentido?
Francisco Pimenta - O pragmaticismo de Peirce é uma teoria do conhecimento baseada na semiótica e na ideia de que os processos sígnicos ocorrem amplamente na natureza e não apenas na esfera humana. Portanto, conforme dizia esse autor, nós é que estamos no pensamento, na lógica do universo, e não o pensamento está em nós. Essa perspectiva nos coloca num fluxo lógico que é autônomo em relação ao que pensemos sobre ele e que é regido por uma razoabilidade de caráter ecológico. Ou seja, nossas diretrizes não devem ser grupais ou determinadas por uma determinada cultura, e, sim, cada vez mais universais à medida que vamos superando as limitações humanas de percebê-las. Isso favorece a visão dos fenômenos sociais como processos coletivos nos quais a participação de variadas mentes interpretadoras favorece a aproximação com essa “razão”, ou lógica, do universo.
Há alguns anos, quando analisamos os metaversos com base nesse pensamento, lançamos a hipótese de que a multiplicidade de tipos de signos que os compõem, já em sua constituição formal, por suas características multicódigos, seria mais harmônica com o modo como percebemos o mundo com nossos sentidos, favorecendo, então, a disseminação das mensagens, entre elas aquelas voltadas para a construção da cidadania. Verificamos, então, que a experiência comunicativa, de fato, tornava-se muito mais imersiva com a utilização de recursos da Realidade Virtual, que potencializava a visão espacial, a interação com objetos e outros usuários, permitindo som ambiente e movimentação em tempo real, entre outros meios de se promover uma maior “sensação de realidade”. Outro fator importante nesse sentido é a interação de múltiplos usuários por meio de representações gráficas tridimensionais, ou “avatares”, ampliando a sensação de interferência nesses ambientes.
Tais interações por meio de avatares com capacidade vocal se movimentando em espaços tridimensionais, predominantemente construídos pelos próprios usuários, constituem uma experiência sensível bastante diferente das trocas de mensagens escritas, permitindo a expressão de emoções e sentimentos com características de acaso, espontaneidade, imediaticidade e imprecisão. Constatamos, ainda, que as oportunidades de exposição a situações inesperadas, a contatos não programados e, daí, à necessidade de alterar, a cada momento, atitudes e interações sociais colaboravam para o desenvolvimento de novos modos de perceber o ambiente.
Também com base no pragmaticismo e na semiótica, acreditávamos que os metaversos possibilitavam a adoção de atitudes voltadas para processos comunicacionais de caráter coletivo, globalizado e instantâneo, promovendo, portanto, as pautas voltadas para a cidadania. Essa ampliação da esfera das interações existenciais foi verificada no Second Life, destacando-se, naquele período, a introdução da comunicação por voz que, além de facilitar e dar naturalidade ao processo de comunicação, acrescentava qualidades próprias da oralidade, como a intensidade, o tom, o timbre, as pausas e o ritmo. Constatamos, também, que a construção de relacionamentos num ambiente 3D, no qual avatares representam os usuários em variados aspectos, incluindo signos gestuais, favorecem a alteridade e o conflito, impelindo-os a novas atitudes com maior concretude existencial, gerando conexões bastante significativas com aquele ambiente e, portanto, conduzindo a interações ricas e diversificadas.
IHU - Que concepção de "cidadania" existe no metaverso?
Francisco Pimenta - De acordo com as pesquisas que realizamos naquele período, sobre uma possível emergência de ações relacionadas aos valores da cidadania nos metaversos e seus ambientes digitais tridimensionais e interativos, concluímos que as limitações técnicas decorrentes das altas taxas de transferência de dados restringiam a capacidade de representação de ambientes e de interações entre grupos e pessoas. Outras limitações do próprio suporte constatadas foram relativas à baixa funcionalidade do menu do Second Life destinado a comandar gestos como rir, acenar, dançar e se irritar, que conduziam a uma expressão de emoções ainda muito apoiada em signos visuais codificados, os “emoticons”, e não nos recursos tridimensionais característicos dos metaversos.
Caso os usuários adotassem a ferramenta de áudio, verificava-se um atraso nas falas, além de se perder a possibilidade do uso de programas de tradução, disponíveis nas mensagens de texto. Com isso, muitas vezes os usuários desistiam dos recursos mais avançados e reduzia-se toda a complexidade do mundo virtual a um chat textual. Além disso, verificamos um certo apego a estéticas, ações e pensamentos particularistas. Em alguns casos, as ações eram contaminadas por uma ética com características fechadas e de cúpula, em especial decisões sobre quem podia fazer parte do grupo ou de como agir em determinada área.
Por outro lado, as características abertas, polifônicas e universais dos símbolos e demais aspectos existentes em alguns ambientes, assim como propostas e ações, mostraram a compreensão desses importantes fatores das transformações cognitivas que caracterizam os atuais processos comunicacionais em rede digital e, daí, da importância do estímulo a esses aspectos. Um dos grupos estudados, o Aire, por exemplo, buscava inserir os usuários no movimento ecológico internacional, e daí, em seus padrões de pensamento em transformação, voltados para o ambientalismo e a preservação do planeta. Assim, a preocupação demonstrada pelos grupos analisados com a veiculação de valores universais muitas vezes conduzia seus proponentes a processos comunicativos com características colaborativas e cidadãs.
IHU - Mark Zuckerberg declarou que é possível pensar o metaverso como "o sucessor da internet móvel". Como o senhor compreende essa declaração? O que significa ver o metaverso como o futuro ou sucessor da internet?
Francisco Pimenta - A grande transformação que se espera seja realizada pelos metaversos está relacionada à imersão das mentes interpretadoras dos signos assim veiculados numa semiosfera híbrida entre o mundo virtual e os fenômenos que ocorrem fora dele em nossa vida cotidiana. Nesse sentido, faz parte de um processo que já vem ocorrendo há algumas décadas, de evolução da dominância do código verbal para sistemas multicódigos. Até muito recentemente, o meio de comunicação amplamente hegemônico de nossa espécie era o código verbal, falado e escrito, mas isso está mudando rapidamente com as possibilidades criadas pelo código binário do digital que permite integrar imagens, sons e a tatilidade, por meio de teclados sensíveis ao toque, ou de vibrações, entre outros, a essas instâncias do verbal.
Tais representações ampliadas propiciam processos perceptivos crescentemente sinestésicos, articulando diversos sentidos, ao reproduzirem múltiplas qualidades, tipos e padrões dos objetos a serem interpretados. De acordo com o pragmaticismo, transformações desse tipo, por se desenvolverem a partir do caráter estético desses signos, favorecem os processos de mudanças de hábitos e de superação de crenças e certezas que já não correspondem à dinâmica dos fenômenos exteriores àquelas mentes interpretadoras. Nada mais indicado, portanto, do que a exposição a processos multicódigos, se a intenção é estimular a transformação das consciências, como é o caso, por exemplo, da comunicação para a cidadania.
IHU - Alguns especulam os efeitos religiosos, educacionais, políticos e democráticos do metaverso, como um espaço que poderá mudar completamente as relações humanas no âmbito religioso, da educação e da política. Como o metaverso poderá mudar ainda mais as diversas esferas da nossa vida no futuro e nossas relações sociais? O que o senhor vislumbra nesse sentido?
Francisco Pimenta - Já há muitos anos acredito, com base no pragmaticismo de Peirce, que o pensamento humano se constitui apenas como uma das partes, que conseguimos reconhecer, dos universos de regularidades que, de fato, presidem os fenômenos nos quais estamos imersos, e que muitas concepções importantes que fundamentam análises de caráter semiótico ainda estão presas ao verbal e, talvez, até mesmo ao antropocentrismo construído a partir da Renascença. Para enfrentar os desafios impostos pelo novo ambiente é preciso conceber os processos sígnicos de uma forma radicalmente nova.
Nessa perspectiva, os conceitos ligados aos metaversos, como os de Realidade Virtual e Realidade Aumentada, entre outros, que servem como bases para estes processos, são, em sua própria constituição, fenômenos sustentados em regularidades externas ao homem, da esfera da tecnologia eletrônica, e, como tais, não podem ser vistos como um mero acréscimo às linguagens arbitrárias, construídas culturalmente, de caráter verbal. Assim, para o desenvolvimento de suas potencialidades, exigem-se formas originais de organização sígnica.
Embora se desenvolva por meio da interação do verbal, incluindo sua própria iconização por meio da tipologia, a animações, sons e imagens, entre outros signos, metaversos apresentam características absolutamente originais, como a interatividade e a criação de espaços virtuais híbridos com os existenciais, que os projetam numa perspectiva muito mais ampla e analógica aos eventos que percebemos sem intermediação técnica. Mais do que isso, essas tecnologias caminham no sentido da elaboração de processos sígnicos complexos e autônomos em relação a culturas humanas de caráter particular.
Esta nova base técnica permite a superação dos meios tradicionais de expressão sígnica que, por sua própria constituição lógica, conduzem a produtos, incluindo os de massa, que reproduzem processos mentais meramente classificatórios e hierarquizantes, os quais estimulam particularidades grupais e individualistas. Esta tendência se disseminou ainda mais com o sucesso teórico do estruturalismo e do pós-estruturalismo, que impôs o modelo linguístico como paradigma de análise e de produção sígnica, e, até mesmo, como instrumento revolucionário, por meio de Foucault e Derrida, entre outros.
Na verdade, a defesa de particularidades é incompatível com o respeito a valores universais. Nesse sentido, a radicalização de posturas grupais e individualistas tem levado muitas vezes a movimentos de caráter neofascista, inclusive de tendências ditas de esquerda. A afirmação do grupo, do “faschio”, tem marcado a atuação de grupos terroristas de direita nos Estados Unidos, dos movimentos anti-imigração na Europa e foi a motivação dos massacres sérvios, na antiga Iugoslávia, entre muitos outros exemplos. Atualmente, movimentos identitários devem estar atentos a essa armadilha para que não reproduzam as práticas de exclusão que denunciam.
O desafio que se coloca, de fato, aos movimentos de promoção da cidadania é a elaboração de novas formas de condutas estéticas, éticas e políticas com valores universais. Isso inclui a denúncia e superação da atual cultura de massas, que impõe seus valores particulares a todo o planeta, em direção ao respeito à autonomia de outros modos de criação sígnica. Para isso contamos, agora, com essas tecnologias, que, como espero ter mostrado acima, reúnem as condições para atuar como suporte apto a expressar a complexidade de elementos que compõem o atual ambiente.