Segundo a pesquisadora, o problema é construído como um mal coletivamente sentido, mas individualmente abordado
Todo mundo já deve ter ao menos passado os olhos em reportagens que dizem que o estresse é o mal do século – aliás, reportagens nesse sentido que têm se proliferado em tempos de pandemia. A pesquisadora Bruna Bakker resolveu mergulhar nesse discurso e desvelar o que há por trás dessa ideia de estresse como mal-estar contemporâneo. Passando pelas concepções da biopolítica, não demora para Bruna perceber que a preocupação com estresse enquanto mal social tem relação direta com a forma como atrapalha a produtividade do ser humano moderno. “A ideia de se administrar, controlar, gerir o estresse, portanto, é um argumento importante para que as pessoas persistam em viver nesse limiar da produtividade e da exaustão”, observa, na entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line.
Assim, vigilância e produtividade parecem se constituir como uma dobradinha potente nesses tempos modernos. “Constituir-se como esse corpo produtivo que está sempre se monitorando para não esgarçar, não adoecer, não se tornar ‘inútil’, ‘improdutivo’. A resiliência, portanto, surge como uma qualidade imprescindível, um atributo que permite que aquele corpo e aquele sujeito continuem ‘estressáveis’ e não tendam para a doença ou para a improdutividade”, analisa.
Bruna ainda constata como é curioso que, “embora o estresse seja apresentado como algo passível de gestão pessoal, ele é também apontado, frequentemente, como um mal-estar global e de dimensões epidêmicas”. Ou seja, é um problema do indivíduo que tem de ser reparado para não impactar o coletivo. “Sendo assim, a força do conceito de estresse reside no aparente paradoxo que promove: ser um mal coletivamente sentido, mas individualmente abordado”, completa. Mas o problema é que o estresse é gerado pelo modo de vida no coletivo, e tentar resolver no individual pode levar a movimentos espirais sem saída. “O conceito de estresse, portanto, justifica o culto à performance, a precarização do trabalho, a cooptação do tempo de vida para produção e consumo”, conclui.
Bruna Bakker (Foto: Arquvo pessoal)
Bruna Werneck de Andrade Bakker é doutora e mestre em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Possui graduação em Comunicação Social (Rádio e TV) pela mesma instituição e, desde 2012, trabalha com animação digital para TV e cinema. Atualmente, participa do Núcleo de Estudos de Mídia, Emoções e Sociabilidade - Nemes, da Escola de Comunicação da UFRJ. Desenvolve pesquisa na área de Comunicação, especialmente nos temas de mídia, subjetividade, cultura, empreendedorismo, cinema e audiovisual.
IHU On-Line – O estresse é um mal-estar contemporâneo? Quais são os indicativos disso?
Bruna Bakker – O conceito de estresse é bastante versátil e, portanto, é difícil defini-lo. Hoje em dia, falamos com naturalidade sobre uma rotina estressante, qualificamos pessoas como estressadas e, com frequência, vemos o estresse surgir como fator de risco para a saúde, podendo estar associado desde a perda de cabelos e o surgimento de espinhas a graves doenças cardíacas. Em função desse caráter multifacetado do conceito, argumentei na tese que ele vem sendo construído ao longo do tempo como uma espécie de “mal-estar contemporâneo”, ou seja, como um termo capaz de dar contorno a uma difusa sensação de cansaço e de desgaste no cotidiano das pessoas [1].
Meu objetivo com a pesquisa, portanto, não foi revelar se o estresse é ou não é um mal-estar contemporâneo, com o intuito de constatar alguma verdade sobre ele. Procurei observar de que maneiras a sua constante presença nos discursos midiáticos e na linguagem médico-científica dos últimos cinquenta anos o alçou à condição de uma “epidemia global” do século XXI, conforme declarou a Organização Mundial da Saúde - OMS nos anos 2000. Atualmente vivemos sob novos registros tecnológicos, regimes de sociabilidade e relações de trabalho que afetam nossa subjetividade, nossos modos de ser e estar no mundo. Estamos submetidos a fluxos intermitentes de trabalho, esgarçamos diariamente a nossa atenção quando nos conectamos aos mais diversos aparatos digitais, e somos instados a buscar a alta performance tanto nas atividades profissionais, na vida sexual ou, até mesmo, na prática (supostamente amadora) de atividades físicas regulares, cada vez mais orientadas para a superação dos limites físicos dos sujeitos.
E, sendo assim, ao que exatamente estamos nos referindo quando definimos as nossas experiências cotidianas, profissionais, urbanas, familiares, a partir do termo estresse? De que modos, e em que medida, os usos e as significações contemporâneas do estresse apontam para novas relações com as noções de tempo, de trabalho, de saúde, de ideais de sucesso, de produtividade, de qualidade de vida? O que pude concluir com esta pesquisa é que o estresse, quando adquire contornos de um difuso “mal-estar”, torna-se uma medida individual do limite físico e emocional que cada um é capaz de suportar, fomentando a resiliência como um valor e atribuindo aos sujeitos a responsabilidade de reduzir os efeitos do estresse sobre seus corpos.
É comum observar em reportagens sobre gestão do estresse a utilização de um repertório visual capaz de traduzir a sensação de tensão, pressão e peso. Com frequência, imagens de cordas quase rompendo, copos transbordando, rostos enrubescidos de raiva, panelas de pressão na iminência de explodir ilustram as matérias. O corpo estressado aparenta ser aquele que chegou ao seu limite.
Em uma das reportagens que analisei no início dos anos 2000, esse imaginário da resiliência como forma de administrar o estresse é pensado de modo interessante. Em entrevista à Veja sobre a implementação de programas de controle de estresse nas empresas brasileiras da época, a psicóloga Marilda Lipp reflete sobre as dificuldades de se mensurar os níveis de estresse dos funcionários, uma vez que não seria fácil reconhecer “quando o mero cansaço vira risco de doença ocupacional” [2]. Segundo ela, a fronteira entre a produtividade ideal e o esforço excessivo pode ser comparada à afinação de uma corda de violão: “nem tão frouxa que não possa produzir som; nem tão tensionada a ponto de se romper” [3].
Esta analogia parece traduzir de modo bastante claro a dinâmica de gestão do estresse a que somos convidados. Como algo passível de ser administrado e controlado, o estresse surge como uma poderosa ferramenta discursiva de integração dos sujeitos ao status quo, naturalizando as fontes de tensão que os atormentam sem, contudo, problematizá-las.
IHU On-Line – Como o estresse tem sido tratado na mídia, de modo geral? O modo como o estresse é abordado na mídia é condizente com o modo como é tratado na medicina?
Bruna Bakker – De uma maneira geral, pode-se dizer que o estresse tem sido considerado na mídia como um “fator de risco” à saúde e à qualidade de vida, sendo frequentemente associado aos hábitos e condições da chamada “vida moderna”. Vale observar, porém, que este tipo de abordagem ao estresse apresentou significativas mudanças ao longo dos anos. Surgiram novas acepções sobre quais condições da vida moderna são capazes de promover o estresse e as próprias noções de “risco” e de “saúde” adquiriram outros contornos.
No meu recorte de pesquisa, voltado mais especificamente para a revista Veja de 1968 a 2018, observei que tanto reportagens quanto propagandas sobre o estresse estavam alinhadas ao saber médico de cada época, geralmente respaldadas por pesquisas científicas de universidades estrangeiras ou de empresas farmacêuticas.
Frequentemente envoltas por uma aura de novidade, as descobertas da medicina e das ciências, quando são reportadas pelos meios de comunicação, tendem a chancelar os seus resultados como verdades. Nesses casos, caberia ao jornalista o papel de encontrar a linguagem mais apropriada para traduzir as descobertas médicas para as pessoas comuns. Embora a acuidade científica das notícias seja considerada importante, em alguns casos, dependendo dos hábitos e dos comportamentos ditos “de risco” (bem como as consequências que eles poderiam gerar à saúde da população), admitem-se “deformações” no discurso médico para incentivar ou desencorajar determinadas condutas (VAZ et al., 2007, p. 149).
É facultado ao jornalismo científico, portanto, traduzir o termo “fator de risco” como causa, atribuindo a ele uma perspectiva de causalidade e não de probabilidade. Desse modo, as revistas semanais de informação, como a Veja, ao atribuírem para si mesmas a função de traduzir os resultados das pesquisas e inovações científicas ao público leigo, assumem um papel biopolítico relevante para estimular e orientar determinadas condutas em prol da saúde individual, da longevidade, da felicidade etc. (SAINT CLAIR, 2012; VAZ et al., 2007).
Na passagem dos anos 1990 aos 2000, observa-se o aumento não só do número de menções ao estresse e de reportagens dedicadas ao termo, mas também a emergência de novas preocupações sobre a saúde e o bem-estar das pessoas. Embora ainda seja utilizado na condição de “fator de risco”, o estresse passa a ser apresentado como um “mal em si mesmo”, como um entrave para a qualidade de vida. Aliás, é justamente neste período que a Organização Mundial da Saúde adere ao conceito de “qualidade de vida” como um modo de mensurar o bem-estar de uma determinada população em diversos níveis: físico, psicológico, social etc.
No cenário contemporâneo, portanto, os males do estresse não se restringem a ameaçar a saúde dos sujeitos (como uma das possíveis causas de adoecimento futuro do corpo), mas principalmente a sua capacidade de produtividade, de tornar o corpo ineficiente, incapaz de atender com competência às demandas diárias relacionadas ao trabalho, à família, à vida social e sexual etc. Esta mudança acompanha também o próprio discurso médico sobre saúde e bem-estar. De acordo com a configuração biopolítica atual, por exemplo, estar saudável não significa apenas estar livre de doenças, mas também adotar as medidas necessárias para evitar os riscos que podem ocasionar futuras enfermidades, conduzindo o dia a dia de modo a fortalecer o corpo e até mesmo aumentar suas capacidades físicas, por exemplo. (ROSE, 2013; SIBILIA e JORGE, 2016).
Nesse sentido, há que se considerar que os enunciados sobre estresse na mídia são atravessados pelo saber biomédico. Por se tratar de um conceito científico e que, amiúde, está alicerçado pelos estudos da medicina, das neurociências, da psicologia cognitiva, entre outros, o “estresse” produz efeitos de verdade capazes de influenciar a relação que os sujeitos estabelecem com seus corpos e avaliam suas condutas e estilos de vida. Dessa forma, o estresse pode ser situado nesse limiar entre o corpo produtivo (capaz de atender às exigências de alto desempenho) e o corpo saudável (aquele que tem êxito em se prevenir de potenciais doenças). O termo, portanto, não é uma doença em si; mas um prenúncio para alguma enfermidade futura e que, devido a tal probabilidade, deve ser combatido, amenizado, gerenciado.
IHU On-Line – De que formas o conceito de estresse passou a ser articulado como um mal-estar contemporâneo na mídia, segundo sua pesquisa de análise dos discursos sobre estresse na revista Veja entre 1968 e 2018?
Bruna Bakker – Pode-se dizer que o estresse foi aos poucos ganhando espaço na mídia de massa brasileira. Quando menciono esse caráter de “mal-estar contemporâneo” do estresse me refiro a uma polivalência que foi sendo gradualmente atribuída a ele. De 1968 até a década de 1980, constatei a prevalência de um discurso médico que atribuía ao estresse a condição de fator de risco à saúde. Avaliei tanto as reportagens sobre o assunto quanto propagandas de toda sorte de produtos. Neste material, o estresse surgia como um dos elementos potencialmente nocivos à saúde, dentro de um paradigma de corpo saudável como aquele que está livre de doenças e que consegue se prevenir de enfermidades futuras.
O risco que o estresse oferecia estava, sobretudo, voltado para os cardiopatas, em sua maioria homens, brancos, de perfil executivo e de idade mais avançada. Especialmente nos textos publicitários, observei os apelos para que este público específico encontrasse tempo em suas atribuladas rotinas para cuidar mais das coronárias; rejuvenescesse a aparência e revitalizasse o ânimo; ou, ainda, atentasse para a suscetibilidade de sua saúde, incentivando a adesão a algum plano hospitalar ou seguro de vida adequado para não deixar os filhos e a esposa desamparados no caso de alguma fatalidade.
Na década de 1990, a figura masculina continua com uma espécie de monopólio sobre o estresse na revista Veja. Os riscos que ele oferece à saúde se tornam menos letais, uma vez que a ênfase nos infartos e nas doenças cardíacas diminui, e passam a estar relacionados ao bem-estar físico e subjetivo dos homens como uma causa associada à disfunção erétil, à perda de libido e, até mesmo, à queda da produção de esperma. Na edição especial “Homem”, publicada em 1996, o estresse surge como uma ameaça à virilidade masculina, como uma das consequências do “nocaute do macho” (como anunciou Veja em uma de suas reportagens de capa), da sensação de que este perde seu espaço e é instado a reposicionar-se frente às mudanças na sociedade, especialmente, em decorrência da emancipação feminina.
Em fins do século XX, as matérias de Veja passaram a abranger outros atores sociais e o estresse adquire maior diversidade como um risco aos ideais de qualidade de vida. O termo passa a ser apresentado como um mal em si mesmo, capaz de afetar a autoestima, a aparência, a vitalidade, o bom-humor, a capacidade de socialização, as perspectivas de sucesso profissional ou o convívio familiar.
Surgem categorias como a de estresse feminino para dar contornos a aflições supostamente exclusivas das mulheres (como conciliar os cuidados com o lar, com o trabalho, os filhos, o cônjuge e, ainda assim, manter-se bela e jovem) ou a de estresse juvenil, alegadamente causada por angústias caras à puberdade, além de um punhado de síndromes, como a de burnout. Tais rotulações contribuem para que certas experiências sejam classificadas como normais ou anormais, excessivas ou insuficientes, produtivas ou improdutivas, para determinada classe, gênero ou idade, de acordo com a moral vigente.
Em minhas análises, pude observar que os agentes estressores elencados por Veja deixavam transparecer o perfil do público-alvo da revista: pessoas de classe média e alta, habitantes das grandes cidades brasileiras. Questões que ficam latentes nas preocupações com o excesso de tarefas extraclasse dos filhos ou as sugestões sobre como lidar com a crise do mercado de trabalho formal, enfatizando as dificuldades da alta competitividade por cargos e salários, a redução das férias ou o que fazer depois de se aposentar. Essas são vivências que não se estendem a boa parte da população do país, que subsiste com atividades informais ou autônomas e que, talvez, não se surpreenda com a precarização do pleno emprego. Apesar de tais inquietações serem caras a um determinado segmento social, elas contribuem para formar os enunciados midiáticos sobre o estresse que são difundidos socialmente.
IHU On-Line – Como essas matérias repercutem sobre os leitores e formam sua concepção e entendimento de estresse? Quais são as fontes de tensão do estresse que são naturalizadas por nós hoje?
Bruna Bakker – A versatilidade do conceito de estresse contribui para reforçar, justificar e, por vezes, naturalizar determinadas condutas, relações de trabalho e papéis de gênero ainda vigentes na sociedade. Ao atribuir a determinadas aflições a palavra estresse – uma condição bioquímica que é associada a mal-estares mais tangíveis (dores, patologias cardíacas e gástricas, calvície, dentre outros) –, orienta-se o sujeito a buscar formas individuais de lidar com as tensões diárias.
A legitimidade dos agentes estressores ocorre quando há respaldo moral para o sofrimento de categorias sociais bem delimitadas: “a mulher” angustiada por não atender a todas as demandas domésticas e profissionais; “o funcionário” que, sob constante ameaça de perder o emprego (uma vez que o mercado é “naturalmente competitivo e voraz”), aflige-se por se ausentar nas férias, ou até mesmo “o aposentado”, que não se sente útil e produtivo com o “tempo sobrando” que possui. Questões que, com frequência, são acompanhadas do savoir-faire da revista, sempre ancorada por pesquisas científicas ou por livros do filão da autoajuda (às vezes com a convergência de ambos).
No entanto, ao mesmo tempo que existe certa segmentação social do estresse, há também questões que parecem atuar de modo mais abrangente nos discursos midiáticos sobre o assunto. Na tese, procurei refletir sobre a vigência da ideia de produtividade como um valor que está para além das relações econômicas e laborais. Oriunda do vocabulário da economia, produtividade significa a utilização eficiente dos recursos produtivos, tendo em vista alcançar a máxima produção na menor unidade de tempo e com os menores custos. Ou seja, “fazer mais com menos”, lema que vigora com toda a pujança e imprecisão que os termos “mais” e “menos” possuem, permanecendo indefinido o que se deseja aumentar ou diminuir em termos de quantidade e qualidade.
A premissa de que as dinâmicas e racionalidades empresariais se espraiam para setores da vida pessoal e social já foi amplamente abordada por diversos conceitos e autores, como culto da performance (EHRENBERG, 2010), sociedade do desempenho (HAN, 2015) e, sobretudo, os estudos de Foucault sobre governamentalidade neoliberal e a teoria da escola de Chicago sobre capital humano (FOUCAULT, 2008). Expressões como “otimização”, “gestão” e “recursos” são utilizadas para descrever os modos de se relacionar com o tempo, com a família, com as emoções, com os afazeres cotidianos mais prosaicos. Sobretudo a partir da virada do milênio nos discursos midiáticos sobre estresse, boa parte das tensões e aflições estão fundamentadas nas dificuldades de otimização do tempo, da má utilização dos recursos emocionais ou ainda na incapacidade de gestão da vida afetiva, profissional, sexual etc. Falar sobre estresse, portanto, é falar também sobre a lógica da produtividade.
A gestão produtiva do tempo surge como uma recorrente estratégia para domar o estresse cotidiano e para trazer qualidade à vida, às relações e ao desempenho profissional. Esses discursos sobre estresse demandam sujeitos resilientes, capazes de se adaptar aos insistentes convites para “ser mais”: mais competente, mais musculosa(o), mais focada(o), mais pai ou mãe... Um corpo estressado, portanto, está próximo de romper-se, mas ainda não o fez; à beira de adoecer, mas ainda é apenas um fator de risco; a ponto de inflamar-se de raiva ou ódio, mas ainda oscila num vasto espectro emocional – que não descamba nem para a apatia e nem para emoções mais coléricas. Um corpo, portanto, que está no seu limite. A ideia de se administrar, controlar, gerir o estresse, portanto, é um argumento importante para que as pessoas persistam em viver nesse limiar da produtividade e da exaustão. Constituir-se como esse corpo produtivo que está sempre se monitorando para não esgarçar, não adoecer, não se tornar “inútil”, “improdutivo”. A resiliência, portanto, surge como uma qualidade imprescindível, um atributo que permite que aquele corpo e aquele sujeito continuem “estressáveis” e não tendam para a doença ou para a improdutividade.
IHU On-Line – Uma das suas conclusões é a de que o estresse é noticiado como algo passível de ser administrado e controlado e, portanto, não são problematizadas as formas de tensão que o geram. Por que, na sua avaliação, isso ocorre?
Bruna Bakker – Embora o estresse seja apresentado como algo passível de gestão pessoal, ele é também apontado, frequentemente, como um mal-estar global e de dimensões epidêmicas. Tais enunciados, portanto, não refutam os “estressantes” modelos de vida atuais; ao contrário, parecem adquirir maior sustentação justamente quando confirmam tal panorama. Quanto mais adverso o cenário, maior parece ser o “desafio” a se enfrentar. O que nas reportagens que analisei poderia soar como uma denúncia, ainda que tímida, aos constrangimentos de nossa “sociedade de controle”, de nosso “culto à performance” ou das mazelas de nossa autoexploração e nosso iminente cansaço (conforme argumentaram autores como Gilles Deleuze, Michel Foucault, Alain Ehrenberg e Byung Chul-Han em seus precisos diagnósticos sobre o tempo presente), geralmente serve de estímulos à crença no poder individual e no pensamento positivo, fomentando o triunfo do sujeito autônomo neoliberal, algo bastante usual nos discursos da autoajuda que circulam nos veículos midiáticos (CASTELLANO, 2014; FREIRE FILHO, 2011).
Sendo assim, a força do conceito de estresse reside no aparente paradoxo que promove: ser um mal coletivamente sentido, mas individualmente abordado. É no corpo de cada um que os limites da exaustão são forçados, sempre orientados pela resiliência como uma qualidade e a produtividade como um valor. Fazer mais para quê? Para quem? E com que objetivos? Essas perguntas aparentemente não estão presentes nos canais midiáticos. Na maioria das vezes, o enfoque dos meios de comunicação recai sobre a dimensão bioquímica do estresse e as suas múltiplas consequências no organismo. O problema não é o estresse em si, diz com frequência a revista, mas quando ele se torna “crônico”, quando intoxica o organismo, quando é excesso... quando impossibilita voltar à forma original e inviabiliza o retorno à homeostase.
O conceito de estresse, portanto, justifica o culto à performance, a precarização do trabalho, a cooptação do tempo de vida para produção e consumo (para a consolidação do capital humano ou da função social de consumidor). É neste sentido, portanto, como uma justificativa retórica para a nossa constante sensação de cansaço e de fracasso em alcançar as expectativas sociais de desempenho e de sucesso, que o estresse se estabelece como um “mal-estar contemporâneo” que está à espreita de todos nós.
[1] Por ser uma expressão de significativa trajetória filosófica, com particular proeminência na obra de Freud “O mal-estar na civilização”, gostaria de ressaltar que não há aqui a pretensão de discorrer sobre os variados significados do termo no universo acadêmico. Meu intuito ao utilizá-la na tese foi, portanto, o de sublinhar a variedade de situações e de sensações desagradáveis a que o estresse está relacionado e, em grande medida, a maneira pela qual ele contrasta com a ideia de bem-estar.
[2] VEJA. O estrago do stress. Ed. 1708, 11/07/2001, p. 116.
[3] Idem, ibidem.
CASTELLANO, M. Sobre vencedores e fracassados: a cultura da autoajuda e o imaginário do sucesso. (Doutorado em Comunicação e Cultura), Escola de Comunicação Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2014.
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