O Outro de si próprio. Entrevista especial com Raul Antelo

Foto: Magrite

Por: Ricardo Machado | 26 Outubro 2019

A Antropofagia não é, propriamente, o inverso das ontologias hegemônicas, em que o ser ocupa a centralidade do mecanismo que coloca em marcha o pensamento Ocidental, tampouco sua negação. “A antropofagia admite então que a tradição ocidental existe, e assim a metafísica do ser tenta reivindicá-la como própria, como seu limite esgarçado ou como um entre-lugar que conserva a memória do dilaceramento originário. Quer reapropriar-se do melhor dessa cultura para usá-lo como arma contra o pior dela mesma, mas sempre a partir de uma inscrição ambivalente, em que o Ocidente se contemplasse a si mesmo como Outro de si próprio. Daí o arco hermenêutico ser incompleto: ele está sempre aberto”, explica Raul Antelo, em entrevista por e-mail à IHU On-Line.

Nas sociedades patriarcais, e em certo sentido edipianas por princípio, nas quais o Estado e o soberano são o centro do poder, a vingança foi substituída pelos mal-estares modernos e pós-modernos, primeiro com Freud e depois com Bauman. Contudo, na perspectiva antropofágica, a vingança é capaz de assumir um outro estatuto ontológico, tensionando as estruturas de exclusão social. “A vingança, uma das alegorias, de resto, de Benjamin, está além do mais, associada ao crédito. Mas aí a vingança modernista (material e concreta, ad hominem) vai se tornando, na sociedade de controle, uma vingança que encarna o divino (o capital) como contracara do iluminismo e, portanto, passa a ser difusa e disseminada”, descreve Antelo. “A cidade é alfa e ômega, vítima e algoz dessa liquidação da subjetividade. Se os modernos queriam ser (ser autônomos, ser livres), os contemporâneos, gradativamente compreendemos, não sem violência, querem ser-com, uma vez que essa preposição indica a pré-posição de toda posição, que assim prepara sua disposição não à forma mas à metamorfose”, complementa.

Raul Antelo (Foto: UFSC)

Raul Antelo é professor titular de literatura brasileira na Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Foi pesquisador do CNPq, Guggenheim Fellow e professor visitante nas Universidades de Yale, Duke, Texas at Austin, Maryland e Leiden, na Holanda. Presidiu a Associação Brasileira de Literatura Comparada - Abralic e recebeu o doutorado honoris causa pela Universidad Nacional de Cuyo. É autor de vários livros, dentre os quais Potências da imagem (Chapecó: Argos, 2004) e Crítica acéfala (Buenos Aires: Editora Grumo, 2008), e editou A alma encantadora das ruas de João do Rio (São Paulo: Companhia das Letras, 2008), entre outros.

 

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Qual a importância de pensar a América Latina a partir de suas próprias categorias, ultrapassando uma visão colonizada sobre si própria? Qual o papel da literatura nesse processo?

Raul Antelo – Uma das primeiras questões que saltam à vista é a de que essa hipotética identidade latino-americana, que podemos reconhecer através das signaturas literárias, é forçosamente paradoxal porque ela nunca é idêntica a si, não apenas no sentido de não ser um idiotismo, um indigenismo ou uma autoctonia. Ela não é portadora de autotelismo ou autenticidade, mas não oferece nem mesmo um universalismo (seja o catolicismo de Amoroso Lima [1] ou o cosmopolitismo letrado de Borges [2]), e nesse sentido é incapaz de relacionar-se coerentemente com o todo do universo restante. A América Latina suporta a identidade an-europeia de muitas Europas singulares, que nela habitam.

Defrontamo-nos, portanto, com uma América Latina intempestiva: uma entidade que cintila, aparece e desaparece, conforme os tempos. Boaventura de Sousa Santos [3] propôs recentemente, em "Stay Baroque"[4], um pensamento pós-abissal capaz de transcender completamente a oposição binária metropolitano/colonial, Europa/América Latina, argumentando que a força do Iluminismo europeu descansa em duas demandas incondicionais: de um lado, a procura do conhecimento científico, entendido como a única forma verdadeira de conhecimento e única fonte, aliás, de racionalidade; e, de outro, o empenho por derrotar o obscuro e enigmático, sempre julgado não-científico ou mesmo irracional. O caráter absoluto destas duas demandas obedece assim à incondicionalidade das causas que as suscitam, que, por lógica, nos conduzem a consequências incondicionalmente positivas.

Surge então o caráter sacrificial deste pensamento dos abismos que elimina, como sagrado, tudo quanto não lhe é conforme. A natureza sacrificial dessa aposta, que não ignora a ideia do capitalismo como religião (Benjamin [5], Agamben [6]), reside no fato de a tolerância e a fraternidade decorrentes da celebração da liberdade e da autonomia carregarem consigo a fatal incapacidade de distinguir coerção de servidão. Avaliadas como contrárias à liberdade e à própria autonomia, e tratadas, portanto, com impiedosa intolerância e violência, tais forças são avaliadas pelo iluminismo sacrificial europeu sem qualquer racionalidade como simples danos colaterais incontornáveis. Traça-se assim a linha abissal entre, de um lado, a luz das causas nobres e das formas iluminadas de organização social e, de outro, as profundas sombras das alternativas silenciadas e das consequências destrutivas. Pensar, pelo contrário, uma epistemologia a partir das consequências tornaria legível a experiência e possível a justiça. É o caminho, segundo Sousa Santos, de transformar as ruínas em sementes. Talvez esse raciocínio nos permita concluir que a América Latina tem sido basicamente isso, um ente de existência precária ou ambígua, suspenso entre o antes e o depois, subordinada a um roteiro (roteiros, roteiros, roteiros, pedia, antropofagicamente, Oswald de Andrade [7]), que oculta como um segredo sua beleza e seu encanto.

IHU On-Line – No caso do Brasil, o Modernismo, que tem seu mais notório evento na Semana de 1922, trouxe à baila outras formas de pensar nossa realidade?

Raul Antelo – Trouxe e não trouxe. Se escolho e congelo a contribuição de 22, corro o risco de não ver outros artistas e pensadores, anteriores ou não aderentes, que fizeram enorme contribuição. Penso em Araripe Jr. [8] mais do que em José Veríssimo [9]. Penso em Lima Barreto [10] mais do que em Cecília Meirelles [11]. Mas, de outro lado, se posso resgatar precursores ou anômalos, é porque houve uma lei, um centro, chame-se ele Macunaíma (Porto Alegre: LP&M, 2019) ou Serafim Ponte Grande (Rio de Janeiro: Editora Globo, 1990). É sabido: cada texto cria seus precursores.

IHU On-Line – Como a Antropofagia ritual, nos termos de Oswald de Andrade, configura-se também como a expressão de uma forma outra de pensamento?

Raul Antelo – A Antropofagia corresponde a um momento entre ingênuo e auspicioso de incorporar as diferenças. Hoje a autêntica antropofagia consistiria menos na devoração ritualista, do que na análise da atitude complementar, antropoemética. A sociedade de controle vomita indivíduos e problemas. São muito pesados para seu fraco organismo. Nenhum omeprazol dá conta disso.

IHU On-Line – Em seu livro Transgressão e Modernidade o senhor coloca a antropofagia como um “arco hermenêutico incompleto (...) onde se inscrevem as diferenças enfrentadas”. Do que se trata esse arco hermenêutico incompleto?

Raul Antelo – A antropofagia persegue uma ontologia nacional diferencial. Buscam a antropogênese do próprio, resgatando a contribuição intelectual da América, prévio corte do cordão umbilical à metrópole. Querem sentir-se eles mesmos, plena e integralmente, em toda parte. Apropriam-se para tanto da metafísica, porque ela oferece uma ponte, esse meta-, para além, do animal, em direção inequívoca à história humana, isto é, ocidental. Trata-se portanto de um processo muito complexo que a todo momento precisa discriminar o humano e o não humano, a vida e a morte, a natureza e a cultura. A antropofagia admite então que a tradição ocidental existe, e assim a metafísica do ser tenta reivindicá-la como própria, como seu limite esgarçado ou como um entre-lugar que conserva a memória do dilaceramento originário. Quer reapropriar-se do melhor dessa cultura para usá-lo como arma contra o pior dela mesma, mas sempre a partir de uma inscrição ambivalente, em que o Ocidente se contemplasse a si mesmo como Outro de si próprio. É a construção de uma diferença que coincide, paradoxalmente, com a busca, em seu próprio interior, de um modo de formar específico, não herdado ou transplantado. Daí o arco hermenêutico ser incompleto: ele está sempre aberto.

IHU On-Line – Relacionando dois autores importantes no contexto latino-americano, Antonio Candido e Jorge Luis Borges, do que se trata a “vingança modernista” manifesta em obras dos autores?

Raul Antelo – Candido [12] chegou a dizer, apoiado em Literatura e vida nacional (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978), de Gramsci [13], que a vingança acarretava forte confiança em si mesmo, como lógica do super-homem nietzschiano, em que a vingança pessoal funciona como quinta-essência do individualismo, pauta inapelável de conduta burguesa. A vingança, uma das alegorias, de resto, de Benjamin, está além do mais, associada ao crédito. Mas aí a vingança modernista (material e concreta, ad hominem) vai se tornando, na sociedade de controle, uma vingança que encarna o divino (o capital) como contracara do iluminismo e, portanto, passa a ser difusa e disseminada. O lawfare [14] é talvez seu melhor exemplo contemporâneo. A vingança dos dias de hoje ativa os dois sentidos de vindicare, tanto proteger como punir. Ou antes, ela é mais punitiva do que protetora. Borges costuma usá-la no primeiro sentido (como em "Una vindicación del falso Basílides" e "Una vindicación de la cabala" de Discusión, 1932). Quem aplica a vingança é o vindex, que no direito contemporâneo do lawfare fica assimilado ao iudex, quando o vindex é quem diz ao juiz a violência que foi praticada a seu cliente: vim dicere.

Nessa reconfiguração da vingança, o vindex, como já esclareciam os velhos filólogos como Ernout [15] e Meillet [16], se torna um defensor da grande família (o fine irlandês aponta à grande família, e nesse sentido o Finnegans Wake (São Paulo: Iluminuras, 2018) configura a vingança colonial do subalterno irlandês). Já no lawfare, a vingança desativa a máquina do direito romano (a presunção de inocência, a documentação por meio de provas factuais) para substituí-la por um conjunto de imagens e firmes convicções meramente ficcionais. A lei volta a seu desenho mais arcaico, a lex talionis, a lei dos talis, a lei do mesmo. A violência entra assim na esfera do jurídico capturando a potentia que fica englobada como potestas. E isso serve para os populismos latino-americanos ou o republicanismo catalão. Goya [17] sempre visionário toca nessas questões em duas gravuras de Los desastres de la guerra: "Tan bárbara la seguridad como el delito" (1815) e "La seguridad de un reo no exige tormento" (1859).

IHU On-Line – Ainda sobre Borges, no texto Uma nova refundação do tempo, ele diz: “O tempo é um rio que me arrebata, mas eu sou o rio; é um tigre que me destroça, mas eu sou o tigre; é um fogo que me consome, mas eu sou o fogo”. É possível pensarmos o debate que o autor traz nesse texto como uma espécie de perspectivismo?

Raul Antelo – Não é uma refundação do tempo, o que suporia um pai fundador, um centro, uma lei. Mas sim uma refutação dele. O tempo declina porque desaparece o centro. O incêndio de Notre Dame é sintomático. Não é que se queimou um edifício que fazia parte da cidade. Queimou-se o marco inaugural da urbs. Andar pela catedral era, em algum lugar, pisar o vidro que, por transparência, nos permitia ver as relíquias, as ruínas de Lutécia, a cidade romana. Foi a partir da igreja que cresceu a cidade. Esta frase, “o tempo é um rio que me arrebata, mas eu sou o rio; é um tigre que me destroça, mas eu sou o tigre; é um fogo que me consome, mas eu sou o fogo”, vamos ouvi-la novamente no final de Alphaville (1965) de Godard [18]. A cidade é alfa e ômega, vítima e algoz dessa liquidação da subjetividade. Se os modernos queriam ser (ser autônomos, ser livres), os contemporâneos, gradativamente compreendemos, não sem violência, querem ser-com, uma vez que essa preposição indica a pré-posição de toda posição, que assim prepara sua disposição não à forma mas à metamorfose.

 

Notas: 

[1] Alceu Amoroso Lima (1893-1983): nascido no Rio de Janeiro, crítico literário, professor, pensador, escritor e líder católico. Adotou o pseudônimo de Tristão de Ataíde. (Nota da IHU On-Line)

[2] Jorge Luis Borges (1899-1986): escritor, poeta e ensaísta argentino, mundialmente conhecido por seus contos. Sua obra se destaca por abordar temáticas como filosofia (e seus desdobramentos matemáticos), metafísica, mitologia e teologia. Sobre Borges, confira a edição 193 da IHU On-Line, de 28-8-2006, intitulada Jorge Luiz Borges. A virtude da ironia na sala de espera do mistério. (Nota da IHU On-Line)

[3] Boaventura de Sousa Santos (1940): doutor em Sociologia do Direito pela Universidade de Yale, Estados Unidos, e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, Portugal. É um dos principais intelectuais da área de ciências sociais, com mérito internacionalmente reconhecido, tendo ganho especial popularidade no Brasil, principalmente depois de ter participado nas três edições do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre. Já concedeu uma série de entrevistas ao IHU, dentre as mais recentes A difícil reinvenção da democracia frente ao fascismo social, publicada nas Notícias do Dia, disponível aqui; e O lucrativo mercado da educação e da ciência que extermina a universidade pública e democrática, publicada na IHU On-Line nº 539. (Nota da IHU On-Line)

[4] O artigo pode ser acessado em http://bit.ly/324vBp6. (Nota da IHU On-Line)

[5] Walter Benjamin (1892-1940): filósofo alemão. Foi refugiado judeu e, diante da perspectiva de ser capturado pelos nazistas, preferiu o suicídio. Associado à Escola de Frankfurt e à Teoria Crítica, foi fortemente inspirado tanto por autores marxistas, como Bertolt Brecht, como pelo místico judaico Gershom Scholem. Conhecedor profundo da língua e cultura francesas, traduziu para o alemão importantes obras como Quadros parisienses, de Charles Baudelaire, e Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust. O seu trabalho, combinando ideias aparentemente antagônicas do idealismo alemão, do materialismo dialético e do misticismo judaico, constitui um contributo original para a teoria estética. Entre as suas obras mais conhecidas, estão A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica (1936), Teses sobre o conceito de história (1940) e a monumental e inacabada Paris, capital do século XIX, enquanto A tarefa do tradutor constitui referência incontornável dos estudos literários. Sobre Benjamin, confira a entrevista Walter Benjamin e o império do instante, concedida pelo filósofo espanhol José Antonio Zamora à IHU On-Line nº 313. (Nota da IHU On-Line)

[6] Giorgio Agamben (1942): filósofo italiano. É professor da Facolta di Design e arti della IUAV (Veneza), onde ensina Estética, e do College International de Philosophie de Paris. Formado em Direito, foi professor da Universitá di Macerata, Universitá di Verona e da New York University, cargo ao qual renunciou em protesto à política do governo estadunidense. Sua produção centra-se nas relações entre filosofia, literatura, poesia e, fundamentalmente, política. Entre suas principais obras estão Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua (Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2002), A linguagem e a morte (Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2005), Infância e história: destruição da experiência e origem da história (Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2006); Estado de exceção (São Paulo: Boitempo Editorial, 2007), Estâncias – A palavra e o fantasma na cultura ocidental (Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2007) e Profanações (São Paulo: Boitempo Editorial, 2007). Em 4-9-2007, o sítio do Instituto Humanitas Unisinos - IHU publicou a entrevista Estado de exceção e biopolítica segundo Giorgio Agamben, com o filósofo Jasson da Silva Martins. A edição 236 da IHU On-Line, de 17-9-2007, publicou a entrevista Agamben e Heidegger: o âmbito originário de uma nova experiência, ética, política e direito, com o filósofo Fabrício Carlos Zanin. A edição 81 da publicação, de 27-10-2003, teve como tema de capa O Estado de exceção e a vida nua: a lei política moderna. Em 30-6-2016, o professor Castor Bartolomé Ruiz proferiu a conferência Foucault e Agamben. Implicações Ético Políticas do Cristianismo. De 16-3-2016 a 22-6-2016, Ruiz ministrou a disciplina de Pós-Graduação em Filosofia e também validada como curso de extensão através do IHU intitulada Implicações ético-políticas do cristianismo na filosofia de M. Foucault e G. Agamben. Governamentalidade, economia política, messianismo e democracia de massas, que resultou na publicação da edição 241 dos Cadernos IHU ideias, intitulado O poder pastoral, as artes de governo e o estado moderno. Em 23 e 24-5-2017, o IHU realizou o VI Colóquio Internacional IHU – Política, Economia, Teologia. Contribuições da obra de Giorgio Agamben, com base sobretudo na obra O reino e a glória. Uma genealogia teológica da economia e do governo (São Paulo: Boitempo, 2011. Tradução de: Il regno e la gloria. Per una genealogia teológica dell’ecconomia e del governo. Publicado originalmente por Neri Pozza, 2007). Saiba mais aqui. Em 2017 a revista IHU On-Line publicou a edição Giorgio Agamben e a impossibilidade de salvação da modernidade e da política moderna, nº 505. (Nota da IHU On-Line)

[7] Oswald de Andrade (1890-1954): poeta, romancista e dramaturgo. Nasceu em São Paulo e estudou na Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Oswald, Mário de Andrade, Tarsila do Amaral e Raul Bopp foram os idealizadores do Modernismo no Brasil, na década de 1920, uma visão da país radicalmente vanguardista que rompia, pela primeira vez em termos culturais, com o colonialismo cultural vigente à época. É autor de uma vasta obra, passando por críticas literárias, autoria de peças teatrais, romances e textos teóricos. Dentre sua obra, vale destacar o Manifesto da Poesia Pau-Brasil, Manifesto Antropófago e Crise da Filosofia Messiânica, textos importantes no que concerne à originalidade do pensamento nativo brasileiro e que se colocam na crítica profunda à razão ocidental hegemonizada. Após a virada antropológica, em 1979, o autor passou ocupar um papel de destaque na Antropologia brasileira. (Nota da IHU On-Line)

[8] Alencar Araripe ou Tristão Gonçalves de Alencar (1789-1825): filho da heroína Bárbara de Alencar, foi um revolucionário que participou da Revolução Pernambucana em 1817 e da Confederação do Equador em 1824. Foi brutalmente assassinado pelas forças imperiais no interior do Ceará. (Nota da IHU On-Line)

[9] José Veríssimo Dias de Matos (1857-1916): nascido em Óbidos, no Pará, foi um escritor, educador, jornalista e estudioso da literatura brasileira, membro e principal idealizador da Academia Brasileira de Letras. Ao lado de Sílvio Romero e Araripe Júnior, seus contemporâneos, foi um dos primeiros historiadores da literatura brasileira. Em sua obra História da Literatura Brasileira (1916), há uma constante preocupação em se definir um caráter tipicamente nacional dos escritores do país. (Nota da IHU On-Line)

[10] Afonso Henriques de Lima Barreto (1881-1922): mais conhecido como Lima Barreto, nasceu no Rio de Janeiro. Foi jornalista e escritor, publicou romances, sátiras, contos, crônicas e uma vasta obra em periódicos, principalmente em revistas populares ilustradas e periódicos anarquistas do início do século 20. A maior parte de sua obra foi redescoberta e publicada em livro após sua morte, por meio do esforço de Francisco de Assis Barbosa e outros pesquisadores, levando-o a ser considerado um dos mais importantes escritores brasileiros. Foi o crítico mais agudo da época da Primeira República no Brasil, rompendo com o nacionalismo ufanista e pondo a nu a roupagem republicana que manteve os privilégios de famílias aristocráticas e dos militares. Em sua obra, de temática social, privilegiou os pobres, os boêmios e os arruinados, assim como a sátira que criticava de maneira sagaz e bem-humorada os vícios e corrupções da sociedade e da política. Foi severamente criticado por alguns escritores de seu tempo por seu estilo despojado e coloquial. Seu projeto literário era escrever uma "literatura militante", apropriando-se da expressão de Eça de Queirós. Para Lima Barreto, escrever tinha finalidade de criticar o mundo circundante para despertar alternativas renovadoras dos costumes e de práticas que, na sociedade, privilegiavam certas classes sociais, indivíduos e grupos. Entre suas principais obras, destaca-se Recordações do Escrivão Isaías Caminha (1909), Triste Fim de Policarpo Quaresma (1911), Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá (1919) e, postumamente, Clara dos Anjos (1948). (Nota da IHU On-Line)

[11] Cecília Meirelles (1901-1964): foi uma jornalista, pintora, poeta e professora brasileira. Com dezoito anos de idade, em 1919, Cecília publicou seu primeiro livro de poemas, Espectros. A partir daí, Cecília começou a se aproximar de escritores como Tasso da Silveira, Andrade Muricy e, entre fevereiro e março de 1922, escreveu novos poemas para compor um novo livro. Nessa época, aconteceu a Semana de Arte Moderna, em São Paulo, liderada por Oswald de Andrade, com o qual Cecília teve pouco contato. No ano seguinte, publicou Nunca Mais... e Poema dos Poemas, pela editora Leite Ribeiro, contendo vinte e um poemas e seis sonetos de caráter simbolista e com ilustrações de seu marido, Correia Dias. Posteriormente, Cecília pediu que esse livro fosse removido de sua bibliografia. Publicou em 1924 Criança, Meu Amor, seu primeiro livro infantil, com crônicas em prosa poética para o ensino fundamental, nas quais a escritora abordou realidades que as crianças gostam, como "o imaginário, o bom conselho, o humor e a fantasia". (Nota da IHU On-Line)

[12] Antonio Candido de Mello e Souza (1918-2017): nascido no Rio de Janeiro, na infância sua família mudou-se para Poços de Caldas, em Minas Gerais. Escritor, ensaísta, sociólogo e professor universitário, era expoente da crítica literária brasileira e um dos maiores intelectuais da história do Brasil. Professor emérito da Universidade de São Paulo - USP e da Universidade Estadual Paulista - Unesp. Lecionou na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - FFLCH da USP por 50 anos (1942 a 1992). Candido foi um dos principais pensadores ligados aos estudos sobre a formação do Brasil, inaugurados nos anos 1930 e 1940 por Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior. Ingressou na Faculdade de Direito e na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP em 1939, tendo abandonado a primeira no quinto ano e se formado em Ciências Sociais em 1942. Em 1945, obteve o título de livre-docente com a tese Introdução ao Método Crítico de Sílvio Romero e, em 1954, o grau de doutor em Ciências Sociais com a tese Parceiros do Rio Bonito. Na Universidade Estadual de Campinas - Unicamp, recebeu o título de doutor honoris causa. Aposentou-se na USP em 1978, mas manteve-se como professor do curso de pós-graduação até 1992, ano em que orientou a última tese. Foi crítico da revista Clima (1941-4), juntamente com intelectuais como o crítico de cinema Paulo Emílio Salles Gomes, a ensaísta Gilda de Mello e Souza e o neurocientista Antonio Branco Lefévre. Acadêmica, a revista estabeleceu novos caminhos para a crítica paulistana. Candido também trabalhou como crítico dos jornais Folha da Manhã (1943-5) e Diário de São Paulo (1945-7). Em 1956, idealizou o Suplemento Literário, caderno de crítica que circulava no jornal O Estado de S. Paulo até 1966. Na vida política, participou da luta contra a ditadura do Estado Novo no grupo clandestino Frente de Resistência. Em 1980, participou da fundação do Partido dos Trabalhadores - PT. Em 1959, lançou sua obra mais influente, Formação da Literatura Brasileira. Outros títulos importantes que lançou são Literatura e sociedade (1965), Educação pela noite e outros ensaios (1987) e O romantismo no Brasil (2002). Sobre Candido, conferir as entrevistas “A literatura é um direito do cidadão, um usufruto peculiar”, concedida por Flávio Aguiar à IHU On-Line nº 278, de 20-10-2008, e “Antonio Candido e a crítica cultural contemporânea”, concedida por Célia Pedrosa à IHU On-Line nº 283, de 24-11-2008. (Nota da IHU On-Line)

[13] Antonio Gramsci (1891-1937): filósofo marxista, jornalista, crítico literário e político italiano. Escreveu sobre teoria política, sociologia, antropologia e linguística. Com Togliatti, criou o jornal L'Ordine Nuovo, em 1919. Secretário do Partido Comunista Italiano (1924), foi preso em 1926 e libertado em 1937, dias antes de falecer. Nos seus Cadernos do cárcere, substituiu o conceito da ditadura do proletariado pela "hegemonia" do proletariado, dando ênfase à direção intelectual e moral em detrimento do domínio do Estado. Sobre esse pensador, confira a edição 231 da IHU On-Line, de 13-8-2007, intitulada Gramsci, 70 anos depois. (Nota da IHU On-Line)

[14] Lawfare: é uma palavra-valise (formada por law, 'lei', e warfare, 'guerra'; em português, 'guerra jurídica') introduzida nos anos 1970 e que originalmente se refere a uma forma de guerra na qual a lei é usada como arma. Basicamente, seria o emprego de manobras jurídico-legais como substituto de força armada, visando alcançar determinados objetivos de política externa ou de segurança nacional. (Nota da IHU On-Line)

[15] Alfred Ernout (1879–1973): foi um filólogo francês, especializado em línguas latinas. (Nota da IHU On-Line)

[16] Paul Jules Antoine Meillet (1866–1936): foi um dos mais importantes linguistas franceses do século 20. Iniciou seus estudos na Sorbonne onde foi influenciado por Michel Bréal, Ferdinand de Saussure e membros do Anuários de Sociologia. (Nota da IHU On-Line)

[17] Franciscos José Goya y Lucientes (1746-1828): pintor espanhol cuja obra marca a transição do neoclassicismo ao romantismo. (Nota da IHU On-Line)

[18] Jean-Luc Godard (1930): cineasta franco-suíço, nascido em Paris. Reconhecido por um cinema vanguardista e polêmico, que tomou como temas e assumiu como forma, de maneira ágil, original e quase sempre provocadora, os dilemas e perplexidades do século 20. Um dos principais nomes da Nouvelle Vague, assim como Truffaut. A partir de 1952, colaborou na revista Cahiers du Cinéma e, depois de vários curta-metragens, fez em 1959 seu primeiro filme longo, À bout de souffle (Acossado), em que adotou inovações narrativas e filmou com a câmera na mão, rompendo uma regra até então inviolável. Esse filme foi um dos primeiros da Nouvelle Vague, movimento que se propunha renovar a cinematografia francesa e revalorizava a direção, reabilitando o filme dito de autor. Os filmes seguintes confirmaram Godard como um dos mais inventivos diretores da Nouvelle Vague: Vivre sa vie (1962; Viver a vida), O Desprezo (1963), Bande à part (1964), Alphaville (1965), Pierrot le fou (1965; O demônio das 11 horas), Deux ou trois choses que je sais d'elle (1966; Duas ou três coisas que eu sei dela), La Chinoise (1967; A chinesa) e Week-end (1968; Week-end à francesa). O cinema de Godard nessa fase caracteriza-se pela mobilidade da câmera, pelos demorados planos-sequências, pela montagem descontínua, pela improvisação e pela tentativa de carregar cada imagem com valores e informações contraditórios. Após o movimento de Maio de 1968, Godard criou o grupo de cinema Dziga Vertov – assim chamado em homenagem a um cineasta russo de vanguarda – e voltou-se para o cinema político. Pravda (1969) trata da invasão soviética da Tchecoslováquia; Le vent d'Est (1969; Vento do Oriente), com roteiro do líder estudantil Daniel Cohn-Bendit, desmistifica o western, e Jusqu'à la victoire (1970; Até a vitória) enfatiza a guerrilha palestina. Mais uma vez, Godard procurou inovar a estética cinematográfica com Passion (1982), reflexão sobre a pintura. Os filmes seguintes, como Prénom: Carmen (1983) e Je vous salue Marie (1984), provocaram polêmica e o último deles, irreverente em relação aos valores cristãos, esteve proibido no Brasil e em outros países. (Nota da IHU On-Line)

 

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