17 Junho 2015
“A negociação do G-7 é importante, mas não resolve o principal problema, que são as emissões que serão emitidas nas próximas décadas”, adverte o coordenador de Mudanças Climáticas e Energia do WWF-Brasil.
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A reunião do G-7, que culminou no anúncio de que os países mais desenvolvidos do mundo têm interesses em reduzir as emissões de efeito estufa e banir as fontes de energia poluentes até 2100, tem sido vista como positiva por ONGs e ambientalistas. Contudo, há uma lacuna a ser preenchida até 2020, a qual não foi abordada no encontro do G-7, diz André Nahur na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por telefone.
Segundo ele, a mensagem política da reunião do G-7 é “fundamental, principalmente neste ano em que será realizada a Convenção do Clima, em Paris”. Entretanto, pontua, “se considerarmos que os investimentos em estabilização da economia, investimentos em alternativas, em energias mais limpas, são investimentos que precisam ser feitos agora, o anúncio do G-7 é bastante importante, mas ao mesmo tempo ele peca em não assumir compromissos de curto prazo”. Na avaliação do coordenador de Mudanças Climáticas e Energia do WWF-Brasil, é preciso “um compromisso dos países, principalmente do G-7, para começar a fazer algo a partir deste ano, assim que tivermos o resultado da Conferência do Clima”.
Nahur enfatiza ainda que caso a China não se comprometa com as possíveis metas a serem assumidas pelos países do G-7, que sugerem banir as fontes fósseis até 2100, “corre-se o risco de acontecer o que aconteceu com o Protocolo de Kyoto. Vários países assinaram o Protocolo de Kyoto, mas os Estados Unidos e a China não participaram do acordo, de modo que não se atingiu a meta que foi colocada. Pelo contrário, na última década emitimos mais que na década de 1990. Desse modo, esse momento é fundamental para nos conscientizarmos de que a responsabilidade comum, porém diferenciada, é uma responsabilidade de todos, é uma premissa básica da Convenção do Clima”.
André Nahur comenta ainda a contribuição do Brasil nas emissões de gases de efeito estufa, e informa que o país já está entre os sete maiores emissores do mundo. Ele adverte que se o país continuar aderindo à termoeletricidade na matriz energética, as emissões podem se intensificar nos próximos anos. “Se o governo brasileiro continuar investindo e achando que termoelétricas são uma saída para a vulnerabilidade das hidrelétricas às mudanças climáticas, continuaremos indo nesse caminho, e é muito perigoso continuar achando que as termoelétricas são uma solução”, conclui.
André Nahur é graduado em Ciências Biológicas, Ecologia e Comportamento Ambiental pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC-Minas, mestre em Gestão de Biodiversidade e Ecologia pela Universidade de Barcelona e em Gestão Econômica do Meio Ambiente pela Universidade de Brasília – UnB; cursou MBA em Gestão de Projetos Ambientais e Sociais pelo Ibmec Business School. Atualmente é coordenador de Mudanças Climáticas e Energia do WWF-Brasil.
Confira a entrevista.
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IHU On-Line - Como avalia o encontro do G-7, que propôs banir o uso de petróleo, gás natural e carvão até 2100? Qual é o peso político dessa reunião?
André Nahur - Consideramos a mensagem política da reunião do G7 fundamental, principalmente neste ano em que será realizada a Convenção do Clima, em Paris, na qual se tem a expectativa de elaborar o Acordo Climático que será válido depois de 2020. Então, essa mensagem chega em um momento muito oportuno para dar esse indicador de que os principais líderes mundiais estão interessados e têm o compromisso de tentar reduzir e descarbonizar a economia a longo prazo.
IHU On-Line - Que impacto essa notícia tem seis meses antes da COP-21? Como ela deve impactar na tentativa de se fazer um novo acordo climático para conter o aquecimento global? O impacto pode ser positivo ou negativo, no sentido que o G-7 joga a decisão de reduzir as emissões para 2100?
André Nahur – Uma das questões relevantes que colocamos é que este anúncio dos líderes do G7 foi importante, e sim, ele é fundamental, mas vivemos num cenário de urgência climática, porque o mundo caminha para um aumento médio da temperatura de 4ºC, enquanto os níveis seguros que foram colocados pelo IPCC são de 2ºC. Então, assumir uma meta de longo prazo no sentido de reduzir as emissões de 40% a 70% até 2050 ainda é um universo muito longo.
Hoje em dia, dentro das negociações de clima, há um caminho de negociações que se chama de o “Caminho de Negociação Dois”, que discute exatamente como reduzir as emissões nesse período de lacuna até 2020, porque, quando nós discutimos emissões, é importante ressaltar que essas emissões que estamos emitindo agora permanecem na atmosfera por um longo período. Então, as nossas atitudes hoje irão repercutir nos próximos 20, 30 anos.
Da mesma maneira, se considerarmos que os investimentos em estabilização da economia, investimentos em alternativas, energias mais limpas, são investimentos que precisam ser feitos agora, o anúncio do G-7 é bastante importante, mas ao mesmo tempo ele peca em não assumir compromissos de curto prazo.
O que ressaltamos é que, além dessa meta até 2050, que é fundamental, precisamos de um compromisso dos países, principalmente do G-7, para começar a fazer algo a partir deste ano, assim que tivermos o resultado da Conferência do Clima, no sentido de reduzir investimentos em carbono intensivo, em combustíveis fósseis como um todo, e começar a investir em questões relacionadas a energias alternativas renováveis, como solar, eólica e biomassa.
IHU On-Line - Pode-se dizer que o anúncio do G-7 foi importante, mas está sendo visto com muito entusiasmo?
André Nahur – Creio que sim. A decisão do G-7 é muito importante, mas tem de ir muito além dessas metas de longo prazo, porque o importante é começar a implementar medidas agora. Então, os compromissos têm que ser atuais, têm que ser para hoje. A negociação do G-7 é importante, mas não resolve o principal problema, que são as emissões que serão emitidas nas próximas décadas.
IHU On-Line - A China não faz parte do G-7. Qual é o peso de o país se opor à decisão do G-7 de algum modo? Como o anúncio do G-7 recoloca a discussão do princípio de responsabilidades compartilhadas, porém diferenciadas, que será feita na COP-21?
André Nahur – Da mesma maneira que é importante ter uma declaração do G-7 no sentido de ter essa redução de emissões, considerando que fazem parte do G-7 o Japão, a União Europeia, os Estados Unidos, que são os maiores emissores do mundo, se não tiver a participação da China nesse acordo, ou seja, se a China não estiver alinhada no sentido de também tentar chegar a esse cenário, corre-se o risco de acontecer o que aconteceu, por exemplo, com o Protocolo de Kyoto. Vários países assinaram o Protocolo de Kyoto, mas os Estados Unidos e a China não participaram do acordo, de modo que não se atingiu a meta que foi colocada. Pelo contrário, na última década emitimos mais que na década de 1990. Desse modo, esse momento é fundamental para nos conscientizarmos de que a responsabilidade comum, porém diferenciada, é uma responsabilidade de todos, é uma premissa básica da Convenção do Clima.
Acredito que a partir de agora as responsabilidades das operações de clima e a obrigação dos países de terem metas de redução e de reduzirem as suas emissões deverão ser compartilhadas. É necessário considerar que todos os países hoje em dia, ainda mais considerando a China — que é o maior emissor de gás de efeito estufa atualmente —, precisam ter um comprometimento sério. Por isso verifica-se a importância de haver essa articulação política e essa mensagem política do G-7, colocando todos como participantes nesse esforço global de tentar combater as mudanças climáticas e garantir um futuro de segurança climática para o mundo.
"O Brasil, hoje em dia, é um dos sete maiores emissores de gás de efeito estufa no mundo" |
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IHU On-Line - Como essa notícia do G-7 repercutiu no Brasil e qual tende a ser o papel do Brasil na COP-21?
André Nahur – O Brasil, hoje em dia, é um dos sete maiores emissores de gás de efeito estufa no mundo. Apesar de as emissões do país não chegarem nem perto das emissões da China e dos Estados Unidos, o Brasil é muito importante no contexto de negociação. O governo, quando recebe ou fica sabendo de uma declaração como a do G-7, imagino que também se sinta um pouco pressionado a também colocar alguma meta efetiva.
Então, mês que vem a Dilma fará uma visita aos Estados Unidos para ter conversas bilaterais com Obama, e a pauta de clima é uma das pautas importantes. No próximo mês também, no final de julho, o Brasil receberá a visita de uma delegação de alto nível da Alemanha. Esses momentos são importantes porque, em todas essas negociações bilaterais, é possível haver uma pressão por parte desses países no sentido de pedir que o Brasil se comprometa com uma meta efetiva de redução de emissões. Então, esses acordos e negociações bilaterais são fundamentais para chegarmos a um acordo efetivo em Paris.
IHU On-Line - O Brasil ainda não apresentou suas metas?
André Nahur – Não. O Brasil começou um processo de construção, de coleta e de contribuições da sociedade civil no ano passado, para então elaborar as metas. O prazo para entrega dessa contribuição, tendo em vista a COP-21, é começo de outubro, mas o governo brasileiro ainda não apresentou a data de quando entregará suas metas e provavelmente ainda deve demorar um pouco, em torno de uns três meses, pelo que estamos imaginando.
IHU On-Line - Conforme sua observação, o Brasil é um dos maiores emissores mundiais. No entanto, nas últimas Convenções do Clima, o país tem informado a redução de emissões por conta da redução do desmatamento. Quais são os setores que atualmente contribuem para as emissões de gases de efeito estufa?
André Nahur – O perfil de emissão do Brasil mudou muito na última década. A partir de 2005 praticamente 80% das emissões de gás de efeito estufa eram de florestas. Houve uma redução de desmatamento muito grande, principalmente na Amazônia, e atualmente as emissões de energia, agropecuária e florestas estão praticamente empatadas.
Realmente desde 2005 o Brasil reduziu muito suas emissões no setor de floresta, mas analisamos esse dado com cautela, porque as emissões de outros setores, como os de energia e agropecuária, estão crescendo muito. Isso mostra uma mudança de emissões no país que pode levar a um futuro com grandes emissões, principalmente no setor de energia, que é o que acontece com países europeus. Com a entrada das termoelétricas, nos últimos anos, na matriz energética brasileira, as emissões podem se intensificar cada vez mais. O Brasil fez bastante, mas temos de ter muito claro que não é porque já fizemos ações nos últimos anos que temos que parar de fazê-las. Precisamos ver que foi feito, mas a partir de agora é superimportante criar alternativas. O Brasil ainda peca na questão de investimento em alternativas de energia, como a solar. A energia eólica aumentou, mas a solar ainda tem uma contribuição pífia, embora tenha uma contribuição muito grande para apoiar o país nesse desenvolvimento de baixo carbono.
Para se ter uma ideia, as emissões dos setores de energia, por exemplo, na última década, mais que dobraram, aumentaram quase 130%. Esse é um setor que precisa ter uma preocupação, porque os investimentos feitos agora pelo governo brasileiro irão repercutir nos próximos 20 anos. Então, se o governo brasileiro continuar investindo e achando que termoelétricas são uma saída para a vulnerabilidade das hidrelétricas às mudanças climáticas, continuaremos indo nesse caminho, e é muito perigoso continuar achando que as termoelétricas são uma solução.
IHU On-Line - A partir desse anúncio do G-7, o que deverá ser feito na prática daqui para frente?
André Nahur – Fala-se de um compromisso muito grande; especialmente na Convenção de Clima espera-se um compromisso dos países, mas na prática temos visto poucos resultados. Há um comprometimento de vários países de, com intuito financeiro, lançarem o Fundo Verde Climático (Green Climate Fund), mas, apesar de toda essa intenção, poucos países já colocaram recursos para que o projeto seja viabilizado. Então, acredito que agora, mais do que nunca, vivemos um momento em que temos de fixar esses compromissos e começar a colocá-los em prática. Precisamos, sim, dos compromissos e precisamos dos compromissos com uma clareza de como eles serão implementados; não podemos mais esperar. Efeitos climáticos estão acontecendo em todo o mundo: pessoas morrendo de calor na Índia, efeitos climáticos de redução da quantidade hídrica no Brasil, que também estão associados a menor número de terra, etc. Então precisamos começar a ver que desenvolvimento, meio ambiente e mudanças climáticas estão todos conectados e temos que tratar deles como sendo um só.
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"As emissões dos setores de energia, por exemplo, na última década, mais que dobraram, aumentaram quase 130%" |
IHU On-Line - O mundo já tem condições de abandonar as fontes de energia poluentes? Seria possível colocar a proposta do G-7 em prática em um espaço de tempo menor do que 2100?
André Nahur – Temos um desafio muito grande por conta de um crescimento exponencial da população, e também por conta da ascensão de classes econômicas de maior poder aquisitivo, que geram mais consumo e geram uma demanda maior por áreas. Nesse sentido, consumimos muitos recursos naturais para a produção de toda essa infraestrutura que temos de manter.
Hoje em dia, a energia ainda continua sendo um dos grandes desafios do mundo e, quando falo de energia, não me refiro só à energia elétrica, mas também ao transporte. Quando consideramos a energia nesses dois aspectos, é importante dizer que já temos alternativas e soluções para substituir as energias fósseis pelas renováveis. Atualmente temos várias tecnologias que estão sendo aprimoradas como, por exemplo, para transporte, a criação de carros solares, células de hidrogênio, que nos próximos anos já estarão operativos. A energia solar descentralizada hoje em dia também é muito forte e será muito utilizada em várias áreas do planeta. Por exemplo, alguns estudos mostram que se pegássemos 0,03% da área do Brasil e colocássemos painéis solares, nós conseguiríamos suprir toda demanda de energia do país. Se pegássemos só a questão da energia descentralizada e usássemos também a área disponível de telhado para colocar painéis solares, teríamos o potencial de gerar, sim, 2,3 vezes mais energia do que a demanda residencial atual.
Os caminhos para o futuro de baixo carbono e baixo impacto ambiental já estão presentes. Temos de pensar que já vivemos no século XXI, que temos novos desafios e que precisamos ver esses novos desafios como oportunidade. Precisamos agora começar a implementar isso e não criar resistências, porque o mundo como um todo e principalmente os principais tomadores de decisão ainda resistem a essas novas tecnologias, mas elas têm de ser consideradas nesse futuro novo que nós temos que trilhar.
IHU On-Line – Quais as expectativas para a elaboração de um novo acordo na COP-21? Quais deverão ser os pontos mais difíceis de negociação?
André Nahur – Um ponto que é muito importante, e esse é um tema que não está muito nos holofotes, até porque há poucos avanços nesse sentido, é a questão da lacuna até 2020. O caminho de negociação que discute o cenário até 2020 é fundamental e temos poucos avanços, considerando que essa questão da lacuna pré-2020, dentro da negociação da COP-21, é muito crucial hoje em dia.
A questão de financiamento, de mecanismos para implementação de redução de emissões, de mitigação e a questão de adaptação também, para nós, são temas fundamentais, porque atualmente o mundo já precisa se adaptar. Esses são os principais temas que serão os mais complicados e esperamos que haja um resultado efetivo acerca deles.
Por Patricia Fachin
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Anúncio do G-7 não resolve lacuna climática que tem de ser resolvida até 2020. Entrevista especial com André Nahur - Instituto Humanitas Unisinos - IHU