22 Julho 2007
O setor metal-mecânico da região de Caxias do Sul iniciou, no mês passado, uma campanha ousada: uma campanha salarial, em que a principal reivindicação é a redução da jornada de trabalho sem redução salarial, com um reajuste salarial de 12%. Segundo a assembléia, ocorrida em 23 de junho, a campanha é pela valorização do trabalho, com a ampliação dos direitos dos trabalhadores. Para discutir o assunto, a IHU On-Line entrevistou, por telefone, Assis Melo, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Caxias do Sul.
Assis Melo fala da importância dessa discussão, de como esta campanha foi preparada e da disposição dos trabalhadores na luta por esta pauta. “A categoria tem se mostrado muito disposta a participar”, afirma. Ele conta ainda sobre as mobilizações contra a emenda 3 na constituição trabalhista e da solidariedade da categoria para com os trabalhadores do setor calçadista.
Assis Flávio da Silva Melo trabalha no setor metalúrgico desde os anos 1980. Participou da greve dos metalúrgicos de 1985, e, em 1987, passou a fazer parte da direção do Sindicato dos Metalúrgicos de Caxias do Sul, cidade onde sempre atuou. Casado e pai de dois filhos, Assis Melo é funcionário da empresa Marcopolo há mais de 20 anos. Atualmente, é vice-presidente do Partido Comunista do Brasil de Caxias do Sul.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - O sindicato dos trabalhadores metalúrgicos de Caxias do Sul e região está em campanha salarial. Como vocês prepararam essa campanha?
Assis Melo – A campanha salarial normalmente segue um certo ritual: é preciso publicá-la em edital e propor a convocação de uma assembléia para aprovar sua pauta. Depois disso, esta é enviada ao patronal, e é dado o início ao processo de negociação. A nova data-base é primeiro de junho. Então, a base é igual, e depois são promovidas discussões: a campanha é feita com assembléias; são realizadas mobilizações em portas de fábrica; há uma confecção de materiais etc.
IHU On-Line - Os trabalhadores têm mostrado disposição para lutar por essa nova pauta?
Assis Melo – Na verdade, nossa categoria tem uma tradição de mobilização, especialmente de assembléias feitas em portas de fábricas, na qual os trabalhadores param em torno de uma ou duas horas. Então, nesses patamares, a categoria tem se mostrado muito disposta a participar. As últimas mobilizações têm sido feitas contra a emenda 3. Com isso, a categoria foi às ruas e fizemos grandes passeatas.
IHU On-Line – No que consiste a Emenda 3?
Assis Melo – A emenda trata especialmente da mudança da forma de contratação do trabalhador. Ela passa a considerar o seguinte: o trabalhador pode ser contratado como se fosse empresa, ou seja, não mais pela CLT, não mais com carteira assinada, sem todos os direitos oriundos de uma carteira de trabalho, tais como férias, aposentadoria, 13° salário etc. Isso é um risco que o trabalhador passa a correr a partir da vigoração da emenda. Por isso, os trabalhadores mostraram-se contrários a ela.
IHU On-Line - O sindicato tem afirmado que o momento é favorável para avanços na conquista de direitos. Pode relatar como é esse momento?
Assis Melo – Nós temos vários aspectos. O primeiro deles é que existe um espaço maior de democracia, ou seja, é um momento melhor para os trabalhadores se manifestarem, se mobilizarem e buscarem conquistas. A outra questão é que existe uma possibilidade de crescimento no país. Um dos sinais desse movimento é o PAC. Há investimentos oriundos do governo e do poder público, e o Estado está tomando conta da economia. Isso dá sinais de crescimento para a economia não só na nossa região, mas em todo o País.
Nós vemos o setor automotivo como um dos que mais bate recordes de produção, mês a mês, e a indústria de Caxias do Sul produz para ele. Então, nós precisamos ter essa visão do momento, ou seja, já que vivemos um período de crescimento é importante que este seja distribuído, garantindo benefícios à sociedade como um todo. Por isso, estamos discutindo esta questão: em razão do crescimento da indústria em nossa região. Em nossa pauta, ainda colocamos a questão da redução da jornada de trabalho, exatamente por causa da elevação da produtividade e do trabalho com os avanços tecnológicos e científicos. Isso também precisa servir em beneficio da sociedade e não apenas do capital e da exploração.
IHU On-Line - Na campanha salarial do sindicato, uma das principais reivindicações é a redução da jornada de trabalho. Como a proposta está sendo negociada?
Assis Melo – Essa questão da redução da jornada de trabalho tem tido bastante ênfase em nossas discussões e manifestações. Assim, para negociarmos, estamos buscando argumentos para que o assunto não seja discutido apenas com os patrões, mas como toda a sociedade, em especial os trabalhadores. Nós achamos importante que isso evolua, mas sabemos das dificuldades e da complexidade que esse assunto apresenta.
Agora, no entanto, é um momento em que os trabalhadores têm que decidir se querem ou não a redução da jornada de trabalho, sem redução do salário. Nós acreditamos que podemos evoluir no debate sobre este tema, até termos a certeza concreta de que ele possa ser atendido.
IHU On-Line - Em época de desestruturação do mercado de trabalho, essa não é uma pauta ousada?
Assis Melo – Acho que os trabalhadores devem ter a consciência de que não há mudança sem um movimento realmente concreto. Se a pauta é ousada, também dialoga com a realidade atual dos trabalhadores. Há crescimento da indústria? Há. Há crescimento da produtividade? Há. Há desemprego? Há. É com esses questionamentos que vamos resolver a questão da redução da jornada de trabalho para gerar mais empregos, melhores condições de vida para os trabalhadores etc. Então, precisamos fazer esse debate, se não nunca poderemos mudar. A pauta está colocada sob um ponto de vista ousado, mas nós não estamos falando nada que não esteja embasado numa realidade e numa possibilidade concreta.
IHU On-Line - Caxias do Sul é o principal pólo metal-mecânico do Rio Grande do Sul. Qual é a característica das empresas que estão na região hoje?
Assis Melo – Hoje, a grande maioria das empresas é de constituição internacional. Por exemplo, a Marcopolo é a maior fabricante de carrocerias do mundo; a Randon faz agora parte de um complexo industrial da região e é uma das principais empresas no setor a nível internacional também; a Tramontina é a principal empresa de cutelaria no mundo; e assim também são outras empresas. Então, na verdade, o parque industrial de Caxias do Sul e região é exportador de material com valor agregado. As empresas aqui têm esse status de empresa multinacional. Desse modo, é necessário que as condições de trabalho e salarial também tenham o status que a mão-de-obra de Caxias possui. É por isso que precisamos levar adiante esse debate.
IHU On-Line - Em Caxias do Sul, os trabalhadores lutam para ampliar os seus direitos, enquanto na região do Vale do Sinos os trabalhadores lutam para não perder os seus empregos. Como, nessa difícil situação, fica a solidariedade de classe?
Assis Melo – A questão da solidariedade tem que existir por parte dos trabalhadores. O setor do calçado está passando por uma crise, à medida que o governo do País não está preocupado com o mercado interno nem em reduzir a questão da carga tributária etc. Entendemos que se nós tivermos melhores condições de salário no setor metalúrgico, provavelmente os trabalhadores terão melhores condições de comprar calçado, por exemplo.
No entanto, as indústrias produtoras de calçados têm um olhar voltado mais para o mercado interno, mas, diante da crise, devem se preocupar em vender seus produtos para o nosso País, para o nosso povo. Desse modo, talvez as dificuldades do setor sejam resolvidas. E, ainda, se nós reduzirmos a jornada de trabalho, provavelmente os trabalhadores que, infelizmente, perderam o trabalho no setor de calçado, possam ser recontratados no setor de metalurgia. Uma coisa leva a outra.
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A ousadia de um Sindicato. Entrevista com Assis Melo, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Caxias do Sul - Instituto Humanitas Unisinos - IHU