15 Julho 2007
O desafio da reforma política (Rio de Janeiro: Editora Mauad, 2007) é o mais recente livro de Cristian Klein, doutorando em Ciências Políticas pela Iuperj. Na obra, resultado de seu mestrado, Cristian discute temas como o voto obrigatório e o financiamento de campanhas. Em entrevista à IHU On-Line, por telefone, o autor abordou questões como sistemas majoritário e proporcional, instrumentos legais e instituições da política brasileira, reeleição e organização partidária. Para Cristian, “a corrupção tem mais relação com certa cultura política e com a falta de fiscalização do que realmente com uma desorganização partidária”.
Cristian Klein é graduado em Comunicação Social-Jornalismo pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro. O mestrado, assim como o doutorado, foi realizado em Ciências Sociais no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quais são, a partir da sua pesquisa, os grandes desafios para uma verdadeira reforma política no Brasil?
Cristian Klein – Acho que o primeiro desafio é um bom diagnóstico de quais são os problemas, as relações de causalidade. É preciso, por isso, estabelecer relações para entender o que exatamente é a causa e o que é o efeito. Nós temos uma discussão, por exemplo, sobre que corrupção norteia a reforma política e, no entanto, os estudos de livros mostram que isso é inconclusivo. Alguns conseguem associar um determinado sistema, por exemplo, o majoritário (1), como o que há mais corrupção dentre outros sistemas. Isso dentro das famílias de sistemas eleitorais. Quando você parte para os subtipos de sistemas eleitorais dentro dos sistemas proporcionais (2), por exemplo, alguns acham que o sistema de lista fechada é mais propício à corrupção, enquanto outros dizem que isso acontece em sistemas de lista aberta, e daí por diante. Então, eu apontei esses elementos no meu trabalho, pois precisamos encontrar o diagnóstico correto. Acho, inclusive, que esse é o primeiro passo para uma verdadeira reforma política no Brasil.
IHU On-Line – Grande parte dos instrumentos legais e institucionais são muito antigos. Este é um grande problema para a política brasileira?
Cristian Klein – Eu acredito que não. Isso porque o sistema atual eleitoral que utilizamos no Brasil também é utilizado em países que são plenamente democráticos, como a Finlândia (3), o país europeu que mais claramente tem um sistema parecido com o Brasil. Nós realmente estamos num grande grupo de países que adotam sistema de lista aberta, mas isso também não é um problema.
Muitos autores consideram o sistema da Irlanda como um dos melhores do mundo, mas é só a Irlanda que o utiliza. O número de países que adotam um determinado sistema não quer dizer muita coisa. Enfim, não há relação entre um sistema mais ou menos democrático. O que temos são sistemas que enfatizam determinadas características. Por exemplo, o sistema majoritário é considerado um sistema que concentra mais nos partidos. Nele, há mais tendência ao bipartidarismo (4). Enquanto isso, nos sistemas proporcionais, como é o caso do sistema brasileiro e da maioria das democracias, o pluripartidarismo (5) é favorecido.
Acontece que tudo depende do que você considera melhor para a democracia. Os defensores do majoritário enfatizam a governabilidade. Como o sistema tende a ter menos partidos, isso favoreceria ao governo de um partido único, por exemplo. Já os defensores do sistema enfatizam a questão da representatividade, em que grupos da sociedade estejam representados por partidos.
IHU On-Line – O voto obrigatório vai contra uma democracia plena?
Cristian Klein – Parece-me que as punições são tão pequenas, além de ser possível justificar, portanto não vejo tanto problema em relação ao voto obrigatório. Eu acho que é uma forma de incentivar a cidadania num país que tem baixo nível de educação, de trazer grande camada da população para o debate público. Eu acho que o Brasil ainda não está nesse estágio de escolher. É uma visão ainda pessimista, mas que vemos isso em outros países, ou seja, o voto obrigatório não é uma anomalia.
IHU On-Line – Qual é sua análise no que diz respeito ao financiamento de campanhas?
Cristian Klein – Eu acho que o financiamento de campanha foi um mote, uma força motriz nessa tentativa de reforma política de aprovar a lista fechada, que acabou sendo derrotada. Porque o financiamento público de campanha só seria justificável com o voto no partido apenas e não em candidatos individuais. O que seria muito questionável é se fosse criado um fundo enorme, quase um imposto eleitoral de sete reais por eleitor. Esse montante não poderia ir para candidatos individuais, até porque você teria dificuldade de fiscalizar tanta conta de campanhas de tantos candidatos individuais. Por isso se pensou que uma saída seria o voto em lista fechada. Há dois discursos básicos para a defesa da lista fechada: o de que reforçaria os partidos (que é o que eu questiono no livro), e o de que, do ponto de vista otimista, os partidos seriam mais consistentes, mais programáticos, mais ideológicos, porque as pessoas votariam apenas em partidos.
A outra justificativa é o financiamento público, que seria bem-vindo na opinião de muitos deputados. Acompanhando os discursos na câmara, principalmente nos dias em que isso foi votado, os deputados mostravam as grandes dificuldades que têm hoje de arrecadar recursos para suas campanhas. Isso é comum em outros países, nos Estados Unidos principalmente, e é um ônus que se paga. Hoje, você já tem um financiamento parcialmente público. Porque existe o horário eleitoral, que não é gratuito. As TVs e rádios têm uma isenção fiscal do governo a partir do momento em que elas disponibilizam seu horário para veiculação de propaganda política de partido e de campanha. A tentativa, depois da derrota da lista fechada, de aprovar, assim mesmo, o financiamento público de campanha com o atual sistema, foi muito criticado e acho que isso foi abandonado porque traria o pior dos mundos.
IHU On-Line – Dentro dessa reforma política, o que deve ser questionado e debatido em relação à reeleição?
Cristian Klein – A respeito da reeleição, ainda é muito cedo para nós avaliarmos as suas conseqüências. Eu acho que ela deve permanecer, porque a discussão a seu respeito sempre vem de maneira casuística no contexto político brasileiro; é sempre a oposição que nunca quer a reeleição. Enfim, você troca os atores de lugar e cada um defende, na sua vez como oposição, o fim da reeleição, imputando ao governo o uso da máquina administrativa. Antes da reeleição, se criticava que nada tinha continuidade. Entravam e saíam governos distintos e não se tinha uma continuidade de políticas públicas.
Então, a reeleição é uma forma de se manter uma política pública que tem dado certo. Se isso acontece, o eleitor aprova, caso contrário não. É uma eleição plebicitária, mas que assim seja, pois implica a questão de se aprovar ou não a administração que vigora em determinado momento. Não vejo problemas nisso, pois acho que isso tem muita relação com os interesses dos atores políticos, à medida que a reeleição mexe um pouco com a estrutura que chamamos de “estrutura de oportunidades” e, de algum modo, se fecha um pouco os canais. Se você corta a reeleição, um determinado cargo sempre terá uma rotatividade, havendo mais vagas, o que é, em tese, um mercado maior de oportunidade para os políticos. No entanto, eu não vejo com bons olhos essa tentativa de acabar com a reeleição.
IHU On-Line – A desorganização partidária favorece a corrupção? Por quê?
Cristian Klein – É difícil. Como falei antes, a corrupção tem mais a ver com uma certa cultura política, com uma falta de fiscalização, do que realmente com uma desorganização partidária. Uma organização partidária muito bem organizada pode ser muito corrupta também. Então, isso não é uma garantia. Existem sistemas que têm sido chamados, ultimamente, de sistemas partidários de cartéis, de muito organizados, de poucos partidos, com financiamento público de campanha. A Espanha, por exemplo, é um modelo clássico de partidocracia que é muito criticado, porque não deixa que outros atores entrem, criando-se uma espécie de barreira de entrada a novas figuras. Não que não seja um atributo desejável e favorável, mas um sistema muito rígido, no limite, com poucos partidos e pouca possibilidade desafiante a esses partidos, também pode ocasionar níveis de corrupção.
IHU On-Line – Você fala que quem governa, na verdade, são os partidos e não as pessoas eleitas. Como isso pode ser repensado numa nova análise da política atual?
Cristian Klein – O argumento básico, extraído de muitos estudos, principalmente do trabalho clássico da Argelina Figueiredo, que foi minha orientadora, e de Fernando Limões, feito há 12 anos, analisando as rotações nominais na Câmara, é o de que os deputados, ao contrário do que se imaginava, votam de acordo com o partido, isto é, pelo menos nove em cada dez seguem as orientações dos seus líderes partidários. No trabalho, eles mostram qual é o mecanismo causal que seria responsável por essa disciplina partidária, o que não é de se esperar, porque o que os estudos previam, até então, era que o sistema eleitoral, por suas características supostamente muito individualistas também, teria um impacto na arena legislativa em que os deputados, uma vez eleitos, também atuariam de modo individualista. Só que tem uma outra variável importante a ser analisada, que abrange as regras do processo decisório. Esse trabalho da Argelina e do Fernando mostra que a razão para a disciplina partidária são as regras internas do legislativo, no qual os deputados precisam se organizar em partido para poder fazer frente diante o poder do executivo. Então, essa é uma forma. Individualmente, eles jamais teriam forças para ameaçar o executivo. Essa é uma das razões para a organização em grupos disciplinados.
Notas:
(1) O Sistema majoritário é aquele pelo qual se considera eleito o candidato que obtiver a maioria (absoluta ou relativa) dos votos em determinada circunscrição eleitoral. No Brasil, o sistema majoritário por maioria absoluta (segundo turno eventual) é utilizado para a escolha do Presidente e Vice-Presidente da República, do Governador e Vice-Governador de Estado e do Prefeito e Vice-Prefeito Municipal, e o sistema majoritário por maioria simples (um só turno) é utilizado para a escolha de Senadores Federais (e juiz de paz).
(2) O Sistema Proporcional é aquele pelo qual o número de cargos eletivos é distribuído em proporção ao interesse político pelas correntes partidárias manifestadas pelo povo. Por esse sistema, as vagas são distribuídas de acordo (proporcionalmente) com a votação geral que o partido obteve. Por se tratar de distribuição de vagas, implica utilização apenas no sistema de listas, no qual há vários candidatos por partido político. No Brasil, o sistema proporcional é utilizado para a escolha dos Deputados Federais, dos Deputados Estaduais e dos Vereadores.
(3) A Finlândia foi considerada, pelo relatório da organização Transparência Nacional, um país com nível zero em relação à corrupção.
(4) O bipartidarismo é uma situação política em que apenas dois partidos dividem o poder, ou constitucionalmente ou de fato, sucedendo-se em vitórias eleitorais em que um deles conquista o governo do país e o outro ocupa o segundo lugar nas preferências de voto, passando a ser a oposição oficial e institucionalizada.
(5) Pluripartidarismo é o sistema, próprio dos regimes democráticos, no qual a lei admite a participação nos pleitos de vários partidos políticos.
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Reforma política: desafios e perspectivas. Entrevista especial com Cristian Klein - Instituto Humanitas Unisinos - IHU