27 Junho 2007
Enquanto alguns afirmam que o segundo mandato de Lula será mais desenvolvimentista, outros ressaltam que neste período ressurgirá a crise histórica da dominação burguesa no Brasil. O economista Luiz Filgueiras, que foi entrevistado pela IHU On-Line através do correio eletrônico, acredita que “a economia brasileira continuará tendo um desempenho melhor, agora reforçado por um pouco mais de investimento”. No relato que segue, Luiz descreve a herança neoliberal presente no Governo Lula, estabelecendo uma ligação do atual governo do anterior. Além disso, analisa o desenvolvimento da economia no primeiro período de Lula como presidente e comenta, ainda, suas posições sobre o problema previdenciário brasileiro.
Graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal da Bahia, Luiz Antonio Mattos Filgueiras concluiu, na mesma universidade, o mestrado em Economia. Durante o doutorado em Ciências Econômicas, realizado na Unicamp, Filgueiras pesquisou propostas de política econômica para a agricultura brasileira. Atualmente, realiza o pós-doutorado pela Université de Paris XIII, na França, e leciona no curso de Ciências Econômicas da UFBA, onde também desenvolve pesquisas no Departamento de Economia Aplicada. Filgueiras é autor de História do Plano Real (São Paulo: Editora Boitempo, 2000).
Leia a entrevista.
IHU On-Line - O que, ainda hoje, temos da herança neoliberal que começou no Governo Collor?
Luiz Filgueiras - A Era Neoliberal no Brasil, iniciada nos anos 1990 com o Governo Collor, se caracteriza pela ocorrência de três processos simultâneos e complementares: a reestruturação produtiva, a globalização e a implementação das políticas liberais. Esses processos implicaram em grandes transformações estruturais na sociedade e na economia brasileira, que passaram a demarcar, desde então, o campo da disputa política e a subordinar as políticas econômicas vigentes atualmente no país. Assim, pelo menos cinco grandes mudanças podem ser observadas, como conseqüência desses processos:
1- Nas relações capital/trabalho, a reestruturação produtiva (tendo por acicate a abertura comercial e financeira da economia) produziu, com a introdução de novas tecnologias de base microeletrônica e de novas formas de organização do processo de trabalho (modelo japonês), um terremoto no mundo do trabalho. Resumidamente: as inovações tecnológicas e organizacionais, associadas a baixas taxas de crescimento econômico, provocaram uma grande elevação nas taxas de desemprego estrutural e uma enorme precarização do trabalho e das relações trabalhistas, implicando no enfraquecimento acelerado dos sindicatos e das demais organizações dos trabalhadores. Em suma, a correlação de forças nessa relação, já estruturalmente assimétrica em detrimento do trabalho, sofreu uma forte alteração a favor do capital.
2- Nas relações inter-capitalistas, as privatizações e a abertura comercial-financeira da economia implicaram em impactos diferenciados nas diversas frações do capital, acarretando um processo de concentração-centralização de capitais; a desnacionalização de diversos segmentos; a financeirização generalizada, com o deslocamento do capital estritamente produtivo pelo capital financeiro (na forma institucional dos grandes grupos econômico-financeiros); e, mais recentemente, o fortalecimento dos segmentos produtivo-financeiros associados ao agronegócio.
3- No âmbito internacional, a abertura comercial - utilizada como instrumento de combate à inflação - e a sobrevalorização do real implicaram na ausência de políticas comerciais, industriais e tecnológicas, numa inserção passiva do país na nova (des)ordem mundial. O resultado tem sido a desorganização de cadeias produtivas e o reforço dos segmentos produtivos intensivos em recursos naturais, de baixo valor agregado e de baixa e média-baixa intensidade tecnológica. Com isso, assiste-se a um processo de desindustrialização e reprimarização relativos, que se expressa diretamente no conteúdo da pauta de exportação do país e no crescimento desses segmentos no valor da produção industrial.
4- Na esfera do Estado, as reformas liberais (do Estado e da Previdência) e as privatizações redefiniram as suas funções e a sua capacidade de intervenção nas esferas econômica e social. O crescimento da vulnerabilidade externa, decorrente da abertura comercial-financeira, contaminou o Estado, fragilizando-o financeiramente, e restringiu a sua capacidade de intervenção na economia e de implementação de políticas econômicas soberanas.
5- Por fim, no plano político, se constituiu um novo bloco de poder dominante, sob a hegemonia do capital financeiro (no sentido amplo) e do grande capital exportador; este último incorporado ao núcleo do bloco de poder após a crise cambial de janeiro de 1999, quando do início do segundo Governo FHC. O domínio acachapante do capital financeiro no núcleo do bloco dominante teve que ser relativizado: não basta a geração de elevados superávits fiscais primários para se garantir da remuneração do capital financeiro; é imprescindível, também, a geração de divisas através da obtenção de elevados superávits comerciais.
Em suma, vive-se hoje sob a vigência de um novo modelo econômico, que pode ser denominado de liberal-periférico, e que é expressão de um novo bloco de poder dominante. Essa realidade, produto da Era Liberal, não foi, nem de longe, arranhada pelo Governo Lula e sua política econômico-social. Muito pelo contrário: as alianças políticas feitas por esse governo, bem como a sua base de sustentação política, vêm consolidando os interesses desse bloco e legitimando o novo modelo e suas políticas econômicas - que ao final do segundo Governo FHC pareciam, então, estar em estado terminal. Portanto, a questão não é o que ainda se tem hoje da herança neoliberal, mas sim compreender que se vive, atualmente, o momento mais forte do modelo liberal periférico no Brasil e de sua expressão política, em função de certas circunstâncias internacionais favoráveis e da legitimação política dada ao mesmo pela atuação do Governo Lula.
IHU On-Line – Quais são os principais pontos de diferença da economia brasileira no governo Lula e no governo FHC?
Luiz Filgueiras - Os dois Governos FHC (1995-1998 e 1999-2002) e os dois Governos Lula (2003-2006 e 2007) têm em comum a vigência de um mesmo modelo econômico: o Modelo Liberal Periférico. A construção desse modelo foi resultado de um longo processo, iniciado no Governo Collor, aprofundado no primeiro Governo FHC, ajustado a partir do Segundo Governo FHC e consolidado no Governo Lula. No entanto, as políticas macroeconômicas adotadas ao longo desse período (1990/2006) não foram exatamente sempre as mesmas – apesar de permanecerem alguns aspectos fundamentais, que dão uma linha de continuação, como a abertura comercial-financeira, as privatizações e a (des)regulação das relações capital-trabalho.
Depois do Governo Collor e seu fracasso no combate à inflação, com o inusitado “seqüestro” dos ativos financeiros, assistiu-se à implementação de mais um Plano de estabilização: o Plano Real. Da mesma forma que o Plano Collor, mas diferentemente dos Planos heterodoxos dos anos 1980 (Cruzado, Bresser e Verão), o Plano Real foi muito mais do que uma estratégia de combate à inflação. Na realidade, ele se constituiu na ponta do iceberg do aprofundamento do modelo liberal periférico, cuja constituição havia sido iniciada no Governo Collor (nesse aspecto fundamental, o Governo Collor foi bem-sucedido em seus objetivos). Combinando a abertura comercial-financeira com a valorização da moeda nacional (o real), o Plano Real conseguiu derrubar, e manter sob controle, a inflação. Ao mesmo tempo, acelerou o processo de privatizações e as reformas neoliberais (da Previdência Social e do Estado) e, por meio de medidas provisórias e legislação ordinária, flexibilizou as relações trabalhistas. Em suma, utilizou elementos conjunturais e estruturais para, ao mesmo tempo, domar a inflação e aprofundar o novo modelo econômico.
Mas o Plano Real, e sua política macroeconômica, provocaram uma grande instabilidade macroeconômica - manifestada em crescentes déficits da conta de transações correntes do balanço de pagamentos e na elevação da dívida externa, no crescimento da dívida pública, em taxas reduzidas (e até negativas) de crescimento do PIB e na elevação das taxas de desemprego. Em suma, provocaram vulnerabilidade externa do país, fragilidade financeira do setor público e piora das condições sociais trabalhistas (esta última a partir de 1996). A impossibilidade de se sustentar a política econômica adotada (uma combinação de abertura comercial-financeira com câmbio valorizado) ficou evidente nas crises do México (1995), da Ásia (1997) e da Rússia (1998). No entanto, precisou acontecer a crise cambial brasileira de janeiro de 1999, para que houvesse uma mudança na política macroeconômica sem, contudo, alterar as características fundamentais do modelo.
Assim, no início do segundo Governo FHC adotou-se uma nova política macroeconômica: 1- o sistema de bandas, que caracterizava a política cambial e administrava um câmbio sobrevalorizado, foi substituído, após uma grande desvalorização cambial, pelo regime de câmbio flutuante; 2- o controle da inflação, que era feito com base na âncora cambial, passou a ser realizado com base na política de metas de inflação; e 3- a política fiscal, que se expressava em pequenos superávits, ou déficits primários, foi substituída por metas elevadas de superávits (acima de 3,25% do PIB).
Como resultado da desvalorização cambial, a balança comercial começou, aos poucos, a se recuperar; os déficits comerciais se reduziram e, a partir de 2001, surgiu o primeiro superávit. No entanto, a vulnerabilidade externa, embora tenha se reduzido conjunturalmente em 2000, continuou elevada e voltou a se explicitar em mais duas crises cambiais (em 2001, com a crise da Argentina e, em 2002, ano eleitoral, com nova fuga de capitais do Brasil). A inflação, que ameaçou fugir ao controle em 1999, voltou a se reduzir em 2000 e 2001, para, em seguida, com a nova crise cambial de 2002, voltar a se acelerar. As taxas de crescimento foram mais pífias, ainda que no primeiro governo e as taxas de desemprego tenham voltado a bater recordes. Por fim, a dívida pública continuou a crescer, de forma absoluta e como proporção do PIB, apesar dos elevados superávits primários destinados ao pagamento dos rendimentos do capital financeiro. Em suma, a vulnerabilidade externa do país e a fragilidade financeira do setor público continuaram a caracterizar a dinâmica da economia brasileira.
Por fim, o Governo Lula, em que pese a história do PT e do próprio Lula, manteve a mesma política econômica do segundo Governo FHC: regime de câmbio flutuante, metas de inflação e elevados superávits fiscais primários - sob o argumento da existência de uma “herança maldita”, vinda do governo anterior, que impossibilitava a imediata mudança dessa política. Segundo a versão de então, primeiro haveria de se recuperar a confiança internacional do país (leia-se confiança do capital financeiro) e, só aí, no segundo momento, se adotaria uma nova política econômica. Como é evidente, esse discurso se transformou, aos poucos, na defesa da política ortodoxa e do próprio modelo liberal periférico, sendo mantidos até hoje, e mesmo reforçados pelo Governo Lula. O melhor desempenho econômico durante este último criou as condições para sua manutenção e legitimação.
IHU On-Line - Como o senhor avalia o desenvolvimento da economia brasileira no primeiro mandato de Lula?
Luiz Filgueiras - A análise da economia no primeiro Governo Lula deve, necessariamente, partir da seguinte questão: o que explica que, com a manutenção do mesmo modelo de desenvolvimento e da mesma política econômica, a economia brasileira tenha tido um desempenho macroeconômico mais favorável - ainda que bastante modesto, tanto em comparação ao seu próprio desempenho histórico quanto em comparação, no mesmo período (2003-2006), a outros países periféricos?
A meu ver, só há a seguinte resposta: a existência, a partir de 2003, de uma conjuntura internacional excepcionalmente favorável, tanto do ponto de vista comercial quanto no que se refere aos fluxos de capitais. Nos últimos quatro (ou cinco) anos, a economia mundial, puxada pelos Estados Unidos e pela China, vem apresentando taxas de crescimento nunca vistas anteriormente. Isto tem produzido um ambiente altamente favorável às exportações dos países em geral e às dos periféricos em particular, com equilíbrio de seus respectivos balanços de pagamentos, o acúmulo de reservas, a redução de suas respectivas dívidas e vulnerabilidade externas, as maiores taxas de crescimento e uma elevação no nível de emprego. Este é o segredo do “sucesso” do modelo liberal periférico e de sua política econômica no Brasil. Um “sucesso” conjuntural, frágil, que está reforçando todas as taras do modelo: inserção externa passiva e manutenção da vulnerabilidade externa estrutural da economia, aumento absoluto e, como proporção do PIB da dívida pública interna, elevada concentração de renda, além do reforço da hegemonia do capital financeiro e exportador. Enfim, não há a menor possibilidade de creditar esse “sucesso” a uma nova política econômica adotada pelo Governo Lula.
Esse quadro se completa com a aplicação da mesma política social do Governo FHC, mas com muito maior competência: trata-se, evidentemente, da política (liberal) social focalizada - uma espécie de contra-face do ajuste fiscal -, bem ao gosto do FMI e do Banco mundial, denominada de Bolsa Família, estruturado a partir da junção de três outros programas já existentes no governo anterior (Bolsa Escola, Vale Alimentação e Vale Gás) e o cartão alimentação do Programa Fome Zero. Na verdade, um programa assistencialista, manipulado politicamente (tem a cara pessoal do Lula, possibilitando um novo tipo, regressivo, de populismo) e que apenas funcionaliza a pobreza (na feliz expressão do sociólogo Francisco de Oliveira). O interessante é que as verdadeiras políticas sociais (de Estado e não de governo) não têm a mesma visibilidade, apesar de serem muito mais eficientes e não fisiológicas, vinculadas à previdência e à Assistência Social (a aposentadoria rural, o Benefício de Prestação Continuada).
Em síntese, a combinação do Modelo Liberal Periférico com a política focalizada é, de um lado, a evidência cabal da renúncia do Governo Lula em acabar com a pobreza e, de outro, a busca da anulação do conflito político e de legitimação do bloco de poder dominante vigente. E não adianta dizer que isso (o Bolsa Família), embora insuficiente, é melhor do que nada - como se não houvesse alternativa ao Programa Bolsa Família. É perfeitamente possível fazer uma política social melhor, num país que pagou, só em 2006, R$ 150 bilhões de juros ao capital financeiro. É só transformar este mesmo programa em um direito universal (renda mínima) inscrito na Constituição e vincular seus pagamentos ao salário mínimo. Mas aí precisa-se optar por outro caminho político, que enfrente o bloco de poder, questione o modelo econômico e implemente uma outra política econômica. Evidentemente, Lula não trilhou esse caminho no seu primeiro mandato e nem o perseguirá, muito menos, no seu segundo mandato.
IHU On-Line - O senhor pode fazer uma comparação do desenvolvimento da economia no primeiro mandato e no segundo?
Luiz Filgueiras - No segundo mandato - supondo, o que é, razoavelmente, provável, que o ambiente internacional continuará favorável -, a economia brasileira continuará tendo um desempenho melhor; agora reforçado por um pouco mais de gasto (investimento) por parte do Estado. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), essencialmente um programa de investimento em infra-estrutura, não entra em contradição com o modelo liberal periférico; ao contrário, é uma necessidade do modelo, tendo em vista o crescimento das exportações e seus efeitos multiplicadores no mercado interno. E mais: ele reforça as características concentradoras do modelo e a inserção internacional passiva do país (pelo tipo de obras que propõe). O fato de trazer o Estado para uma atuação mais forte na esfera econômica não se constitui, por si só, em uma guinada da política econômica nem um questionamento às características essenciais do modelo. Aliás, o (neo)liberalismo, concretamente praticado nunca foi a ausência ou fraqueza do Estado; ao contrário, onde foi aplicado necessitou de Estado forte e atuante, até mesmo no âmbito econômico: o exemplo do Chile, a primeira experiência neoliberal no mundo, é paradigmático.
Em resumo, a tendência, no segundo mandato de Lula, é a de fortalecimento do atual bloco de poder dominante e de manutenção da mesma política macroeconômica: câmbio flutuante (apesar de intervenções pontuais do Banco Central), elevado superávits fiscais primários (apesar de uma pequena redução como proporção do PIB) e metas de inflação (apesar da continuação, lenta e gradual, da taxa de juros). Do ponto de vista político, o cenário é o de fortalecimento do “lulismo”, acima dos partidos políticos, com Lula aumentando a sua autonomia em relação ao PT.
IHU On-Line - Qual seria o modelo econômico ideal que deveria ser adotado pelo Brasil?
Luiz Filgueiras - Em economia e política, como de resto em todas as dimensões da vida, as questões relevantes nunca se referem ao que é ideal, mas sim ao que é, de fato, necessário; e, se é necessário, é possível. O Modelo Liberal Periférico para “dar certo” não necessita de uma melhor distribuição de renda, não necessita extinguir a pobreza, não necessita de uma produção tecnológica nacional e uma inserção ativa do país na economia internacional. Mas, em sentido contrário, uma melhor distribuição de renda, a extinção da pobreza, o desenvolvimento de tecnologia nacional e a inserção soberana do país na economia internacional necessitam do fim desse modelo. Por isso, o enfrentamento político com o atual bloco de poder dominante é condição essencial, irrevogável, para a busca e a construção de outro modelo de desenvolvimento e outra política econômica. Em suma, o único caminho é o da constituição de uma contra-hegemonia e a construção de uma nova hegemonia política que se expresse em outro modelo de desenvolvimento.
IHU On-Line - Há algum país da América Latina que o Brasil possa utilizar como exemplo no que diz respeito à política econômica?
Luiz Filgueiras - A política econômica adotada em cada país, em cada momento histórico específico, é sempre a expressão de um conjunto de circunstâncias políticas e econômicas, sendo determinada pelo modelo de desenvolvimento prevalecente e o bloco de poder dominante vigente. Portanto, não se podendo descontextualizá-las, não se pode utilizá-las como se fossem ferramentas disponíveis em uma caixa. As experiências internacionais são importantes, menos pela possibilidade de copiá-las e mais como instrumento de reflexão para elaboração de políticas adequadas à implantação de um projeto alternativo ao Modelo Liberal Periférico.
IHU On-Line - O Plano Real ainda é vantajoso para o país? Por quê?
Luiz Filgueiras - O Plano Real é datado historicamente. Ele foi uma estratégia exitosa de combate à inflação e aprofundamento do Modelo Liberal Periférico. A rigor, ele durou até a crise cambial de janeiro de 1999, quando foi extinta a “âncora cambial”. Ele fez parte da estratégia de construção desse modelo no Brasil, mas não se confunde com o modelo nem com as políticas macroeconômicas adotadas a partir de 1999 e vigentes até hoje.
IHU On-Line - Quais são suas posições em relação ao problema previdenciário brasileiro?
Luiz Filgueiras - Não há problema previdenciário no Brasil. A Constituição de 1988 criou a Seguridade Social (previdência, assistência e saúde) como direito da cidadania (universal) e o Orçamento da Seguridade Social (com fontes devidamente especificadas) separado do Orçamento Geral da União. O suposto problema (um déficit ou “rombo”) é criado a partir da separação dos três segmentos da seguridade social, o que possibilita individualizar a Previdência e resumir sua fonte de financiamento às contribuições dos trabalhadores e das empresas (incidentes sobre a folha salarial). Adicionalmente, na mesma operação - esta não apenas contábil como a anterior -, desviam-se os recursos, previstos (FINSOCIAL, CPMF etc.) para financiar o conjunto da seguridade, para pagar os juros do capital financeiro. O mecanismo que possibilita isso é o instrumento conhecido como DRU (Desvinculação das Receitas da União), cuja origem se encontra na 1ª fase do Plano Real (o chamado ajuste fiscal, anunciado em dezembro de 1993) e que tomava, então, o nome de Fundo Social de Emergência (FSE), mas que não era nem uma coisa nem outra. Mais tarde, mudou-se o nome para Fundo de Estabilização Fiscal (FEF) e, por último, DRU.
Desse modo, são essas duas operações que transformam a Previdência Social em uma instituição deficitária, quando, de fato, a mesma é, ainda hoje, superavitária. Portanto, mais uma vez aqui, há o confronto entre os interesses do bloco de poder dominante, em particular o capital financeiro (em sentido amplo), e os interesses dos trabalhadores em geral. O mesmo ocorre quando se trata dos direitos trabalhistas. Diga-se de passagem, não é nem um pouco descartável a possibilidade do segundo Governo Lula, sob pressão do bloco de poder vigente, voltar à carga com novas reformas liberais (a trabalhista e outra previdenciária), particularmente se houver, de fato, melhor desempenho da economia, ausência ou redução de escândalos políticos de natureza moral e crescimento da popularidade de Lula. A conferir.
De outro lado, futuros problemas de envelhecimento da população, e mesmo de redução, que já acontece, do quociente da relação ativos/inativos, podem e devem ser enfrentados da seguinte maneira: através do combate à sonegação, da redução ou extinção das isenções, de uma política de emprego e de uma estratégia de inclusão de mais da metade da população economicamente ativa que se encontra fora do sistema.
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"Não há problema previdenciário no Brasil". Entrevista especial com Luiz Filgueiras - Instituto Humanitas Unisinos - IHU