04 Novembro 2014
“Acho que o grande norte para o segundo mandato é a renovação e o aprofundamento do caráter social da estratégia de desenvolvimento esboçada nos últimos anos, indo além do aumento do poder de compra individual”, aposta o economista.
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É “inadequado apontar continuidades” na política econômica adotada do governo Dilma em comparação com as medidas seguidas no governo Fernando Henrique Cardoso, especialmente quando se trata de um “plano mais estrutural”, diz André M. Biancarelli à IHU On-Line.
A criticada “herança do governo FHC”, apontada por diversos economistas ao longo dos últimos 12 anos, é entendida por Biancarelli como “similaridades”, as quais “dizem respeito muito mais às estratégias macroeconômicas de curto prazo, ao manejo conjuntural das políticas monetária, fiscal e cambial, do que à estratégia de desenvolvimento”.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, Biancarelli pontua que para o segundo mandato da presidente é “óbvio que algum ajuste de curto prazo se faz necessário, mas o desafio é não comprometer a estratégia de longo prazo que vem sendo implementada – que, repita-se, conjuga ganhos sociais com oportunidades econômicas”. Para ele, também é “óbvio” que a crise internacional de 2008 ainda exercerá impacto sobre a economia brasileira.
“Só um discurso eleitoral bastante limitado para negar a importância dos constrangimentos externos atualmente vividos pela economia brasileira. O desenrolar da crise, tantas vezes nos últimos anos dada como encerrada por afoitos observadores da economia global, segue sendo decisivo para as possibilidades do Brasil”.
Ao especular sobre os possíveis nomes para assumir o Ministério da Fazenda, Biancarelli é categórico: “Independente dos atributos pessoais e das opiniões dos personagens aventados nesta temporada de especulações, eu considero que seria simbolicamente muito ruim o segundo governo Dilma iniciar-se com um Ministro da Fazenda oriundo do sistema financeiro”. E acrescenta: “Espero que as ações do governo não se restrinjam às políticas macroeconômicas (monetária, fiscal e cambial), pois elas, sozinhas, não configuram uma estratégia de desenvolvimento”.
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André M. Biancarelli é graduado, mestre e doutor em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp, onde leciona e é diretor do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica - Cecon.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como o senhor avalia o resultado das eleições presidenciais? Do ponto de vista econômico, qual é o significado da reeleição da presidente Dilma?
André M. Biancarelli - As eleições foram muito disputadas desde o princípio até os últimos minutos da apuração. Uma série de reviravoltas ocorreu e, pelo menos desde junho de 2013, deixaram o cenário em aberto. Aliás, do ponto de vista econômico, a incerteza sobre o cenário eleitoral com os efeitos das manifestações de rua naquele momento contribuiu decisivamente, na minha opinião, para a postergação de alguns investimentos e a piora na conjuntura.
Mas, pensando no desfecho do pleito, não se deve exagerar o significado do resultado afinal muito apertado: os movimentos da última semana do segundo turno apontavam para uma diferença muito maior, que deve ter sido estreitada nas últimas horas pelos efeitos da inacreditável capa da revista Veja e sua repercussão por outros órgãos de imprensa. Mesmo não tendo atingido seu objetivo, esta manobra e seus resultados não podem ser esquecidos.
Do ponto de vista econômico, prefiro ficar com um significado mais permanente da reeleição: uma estratégia que enfrenta dificuldades conjunturais, mas que segue popular pela capacidade de incorporar à cidadania e ao mercado de consumo contingentes antes excluídos. E a rejeição à estratégia liberal representada pelo principal partido de oposição.
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“A principal lição do período Lula-Dilma, que precisa agora ser reforçada e renovada, é a de que as melhoras sociais são poderoso mecanismo de investimentos e crescimento econômico” |
IHU On-Line - Ao longo dos últimos anos, muitos economistas reiteraram a semelhança e inclusive a continuidade das políticas econômicas adotadas nos governos do PT com a dos governos FHC. Contudo, durante o período eleitoral, economistas que se identificam com os partidos apontaram diferenças entre elas, e outros afirmaram que não há diferenças, ressaltando, porém, que com a vitória do PSDB a política econômica seria um desastre por conta dos seus impactos sociais. Como o senhor avaliou as discussões a esse respeito durante o período eleitoral? É possível apontar aspectos que diferenciam as políticas de ambos os partidos? Quais são eles?
André M. Biancarelli - Há diferenças sim, até porque se não houvesse não teríamos assistido a um inédito consenso contrário, entre os economistas do chamado “mercado”, em relação à candidatura Dilma. As similaridades – que novamente se insinuam nesta semana pós-eleição, com tais setores derrotados pretendendo pautar as prioridades econômicas do novo governo – dizem respeito muito mais aos instrumentos macroeconômicos de curto prazo, ao manejo conjuntural das políticas monetária, fiscal e cambial, do que à estratégia de desenvolvimento. Neste plano mais estrutural, considero inadequado apontar continuidades. O que de fato há, desde o primeiro governo Lula, é um lento processo de reconstrução das formas de intervenção estatal na economia, com a inclusão social como objetivo estratégico. Isto é frontalmente contrário ao que predominava no Brasil até 2002, e esta era a disputa mais importante na eleição.
O fato de este projeto – com o nome que a ele se queira dar – ainda estar longe de plenamente consolidado, e ser objeto de várias insuficiências, não deveria ser motivo para confundi-lo ou diminuir sua importância.
IHU On-Line - A inflação foi um ponto bastante criticado durante a campanha eleitoral. A atual taxa de inflação é preocupante? Sim ou não e por quê? E ainda, como a atual taxa de inflação impacta na vida da população em geral, que recebe até três salários mínimos?
André M. Biancarelli - É evidente que a inflação é um problema sério, que afeta mais os mais pobres do que os que têm maior capacidade de defender sua renda e riqueza. E o patamar atual, próximo ao teto de 6,5% ao ano, é obviamente desconfortável. Deve-se, portanto, providenciar sua redução. Mas com a ressalva de que trata-se de um processo complexo, com várias causas e que está longe de qualquer situação de descontrole.
IHU On-Line - Alguns especialistas dizem que a política econômica não é decisiva num país, e que o que de fato importa são os investimentos e as políticas sociais. Como avalia esse tipo de discurso e qual é o peso da economia para que seja possível fazer investimentos sociais? É possível avaliar economia e desenvolvimento social como antagônicos?
André M. Biancarelli - A política econômica é sim muito decisiva e, na visão com a qual eu compartilho, objetivos econômicos e sociais não são antagônicos, muito pelo contrário. A principal lição do período Lula-Dilma, que precisa agora ser reforçada e renovada, é a de que as melhoras sociais são poderoso mecanismo de investimentos e crescimento econômico. Se a via da melhora nas condições de renda-consumo, que tantas mudanças positivas causou na economia brasileira ao longo dos últimos anos, parece de fato ter efeitos dinâmicos decrescentes, é hora de explorar mais outras frentes de melhora social. Entre elas, destacam-se os investimentos nos bens de consumo coletivo, ou direitos sociais, como educação, saúde, saneamento, mobilidade urbana.
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“É preciso sim, na minha opinião, refazer os canais de diálogo com o setor privado e mesmo com o mercado financeiro” |
IHU On-Line - Que avaliação faz da política econômica adotada pela equipe econômica de Dilma em seu atual governo? Que mudanças serão necessárias na política econômica brasileira daqui para frente e por quais razões? Quais devem ser os principais desafios econômicos da presidente Dilma nos próximos quatro anos?
André M. Biancarelli - Acho que, em relação ao governo Lula, as principais mudanças foram a aposta na redução das taxas de juros, na desoneração e outros incentivos tributários para setores industriais, e no programa de concessões na área de infraestrutura. Enquanto o último teve problemas e atrasou para deslanchar, os dois primeiros revelaram uma crença talvez exagerada nas condições de oferta para incentivar o gasto do setor privado. E descuidaram do setor público enquanto agente importante da demanda agregada na economia.
Para o segundo mandato, parece óbvio que algum ajuste de curto prazo se faz necessário, mas o desafio é não comprometer a estratégia de longo prazo que vem sendo implementada – que, repita-se, conjuga ganhos sociais com oportunidades econômicas. Em outras palavras, uma eventual contração fiscal e monetária no início do governo deve evitar ao máximo comprometer as possibilidades de crescimento de um economia que, apesar dos bons indicadores do mercado de trabalho, já se encontra em um baixo nível de atividade.
IHU On-Line - A crise econômica de 2008 ainda exerce e exercerá influência na política econômica brasileira daqui para frente?
André M. Biancarelli - Isso é óbvio, e só um discurso eleitoral bastante limitado para negar a importância dos constrangimentos externos atualmente vividos pela economia brasileira. O desenrolar da crise, tantas vezes nos últimos anos dada como encerrada por afoitos observadores da economia global, segue sendo decisivo para as possibilidades do Brasil. Menos mal que ainda temos o mercado doméstico como arma estratégica, e oxalá sigamos preservando-o.
IHU On-Line - Como avalia os possíveis nomes indicados para ocupar o Ministério da Fazenda, entre eles o do banqueiro Luiz Carlos Trabuco, presidente executivo do Bradesco, e Aloizio Mercadante, atual Ministro da Casa Civil? Que contribuições ambos teriam a dar na condução da política econômica?
André M. Biancarelli - Independente dos atributos pessoais e das opiniões dos personagens aventados nesta temporada de especulações, eu considero que seria simbolicamente negativo o segundo governo Dilma iniciar-se com um Ministro da Fazenda representando o sistema financeiro. O “cerco” à política econômica e, mais do que isso, ao governo Dilma como um todo, por parte deste setor nos últimos anos foi tão intenso, e sua atuação na campanha – diretamente e por meio de seus representantes nos meios de comunicação – foram tão agressivos que esta opção poderia soar como desprezo aos movimentos que acabaram sendo decisivos no segundo turno. As duras e importantes críticas ao programa de Marina Silva, e ao precocemente nomeado ministro da candidatura de oposição, pareceriam mero discurso de campanha.
É preciso sim refazer os canais de diálogo com o setor privado e mesmo com o mercado financeiro. E algum controle fiscal ou aperto nas condições monetárias também me parecem inevitáveis. Mas ajustes, diálogo e conciliação não deveriam ser, me parece, sinônimos de entrega dos cargos ou dos rumos da política econômica. Mesmo porque o Brasil não se encontra em condições sequer parecidas com as recebidas em janeiro de 2003.
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“Espero que as ações do governo não se restrinjam às políticas macroeconômicas (monetária, fiscal e cambial), pois elas, sozinhas, não configuram uma estratégia de desenvolvimento” |
IHU On-Line - Pode explicar as diferenças entre as posições dos sociais-desenvolvimentistas e dos novos-desenvolvimentistas? Qual das duas correntes compõe a política econômica da presidente Dilma?
André M. Biancarelli - Nenhum governo é composto (ou pelo menos não deveria, na minha opinião) de uma única corrente de pensamento ou “escola”. É difícil definir o governo Dilma, mas eu espero que no segundo mandato continue sendo importante a crença de que as forças de mercado, agindo por seus próprios interesses, não conduzem ao melhor resultado para a economia, o país e a maior parte de sua população. Mais do que isso, espero que as ações do governo não se restrinjam às políticas macroeconômicas (monetária, fiscal e cambial) pois elas, sozinhas, não configuram uma estratégia de desenvolvimento.
Repetindo, apesar das dificuldades conjunturais, acho que o grande norte para o segundo mandato é a renovação e o aprofundamento do caráter social da estratégia de desenvolvimento esboçada nos últimos anos, indo além do aumento do poder de compra individual. É hora de explorar mais outras frentes de melhora social, e isso demandará investimentos públicos e capacidade de mobilização do setor privado.
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Desafios econômicos do governo Dilma: políticas macroeconômicas não são estratégia de desenvolvimento. Entrevista especial com André Biancarelli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU