11 Junho 2014
“Claro que teremos Copa. Mas esta Copa virá a um custo muito elevado para a imagem do governo”, avalia o pesquisador.
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Uma “apatia no ar”, “um clima de medo” e “a presença do Exército nas ruas”. É com esse cenário que os brasileiros vão assistir aos jogos da Copa do Mundo no “país do futebol”, diz Rafael Alcadipani, um dia antes do início do mundial, na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por e-mail. A sensação, acentua, é a de que “o Brasil está triste por sediar o evento, o contrário do que se imaginaria em um país de fanáticos por futebol e um país que gosta de festas”, assinala.
Apesar das manifestações recorrentes nas ruas e nas redes sociais, seguidas do grito “não vai ter copa”, “a tendência é de que os protestos contra a Copa não vinguem tanto, pois o evento está aí. Mas demandas específicas de categorias podem ganhar corpo. De todo modo, não podemos negar que existe um grande clima de insatisfação nas ruas no Brasil. As pessoas parecem estar de ‘saco cheio’ de serem maltratadas pelos governos e pelas empresas”, avalia o pesquisador.
A estrutura militar montada para garantir a realização do evento “é a prova de que há algo de muito estranho no Brasil. Este aparato monumental sugere que o Brasil precisa da união de todas as forças de segurança para reprimir os anseios de sua população. Mostra que estamos com uma democracia que precisa evoluir muito”. E rebate: “Nada mais irônico do que um governo de uma presidente que foi presa e torturada por uma ditatura militar ter que usar as Forças Armadas para garantir um evento da FIFA no país do futebol”.
Rafael Alcadipani é mestre em Administração pela Fundação Getulio Vargas - FGV-EAESP e PhD em Business Administration pela Manchester Business School. É pesquisador visitante na University of Manchester e professor visitante no Gothenburg Research Institute, um dos principais centros de Análise das Organizações na Europa. Foi professor visitante na Istanbul Bilgi University, na Turquia. Atualmente é editor associado do periódico Critical Perspectives on International Business e atuou como membro eleito do comitê científico da Critical Management Studies Division da Academy of Management. Na FGV-EAESP foi chefe do Departamento de Administração Geral e Recursos Humanos - ADM. Hoje é vice-chefe do ADM e coordenador do Programa de Iniciação à Pesquisa da mesma instituição. Seu foco de pesquisa atualmente são organizações policiais e manifestações.
Confira a entrevista.
Foto: www.fgv.br |
IHU On-Line - Durante a preparação para a Copa, houve bastante manifestação no Twitter com a #NãoVaiTerCopa, mas na última semana têm surgido manifestações com a #VaiTerCopaSim. Qual a expectativa em relação aos protestos para esta semana, em que inicia a Copa do Mundo no Brasil? Os brasileiros devem se unir em novos protestos ou devem se unir para assistir ao mundial?
Rafael Alcadipani - Acredito que a maioria dos brasileiros vai assistir à Copa do Mundo. Claro que teremos Copa. Mas esta Copa virá a um custo muito elevado para a imagem do governo. As pessoas não estão felizes com a Copa do Mundo no Brasil. Há uma grande apatia no ar. Na verdade, parece que o Brasil está triste por sediar o evento, o contrário do que se imaginaria em um país de fanáticos por futebol e um país que gosta de festas. Vai ter Copa com a presença do Exército nas ruas. Isso é muito grave para um país democrático.
Isso impõe um clima de medo. Acredito que as pessoas terão medo de sair às ruas para protestar. Podemos ter eventos localizados, mas acho pouco provável a existência de protestos que causem problemas aos jogos.
IHU On-Line - O senhor estuda a relação entre Copa, os protestos e a segurança pública. Que análise faz dos protestos realizados até o momento em todo o país? Desde junho passado os protestos tiveram um caráter de oposição à Copa ou essa foi uma oportunidade para diversas categorias reivindicarem demandas específicas? O que sua pesquisa tem revelado sobre o objetivo das manifestações? Qual é o clamor que emerge das manifestações?
Rafael Alcadipani - Acredito que há as duas coisas: há ações oportunistas de tentativa de usar a Copa do Mundo como uma forma de conseguir mais em negociações específicas, mas há protestos que são genuínos contra a Copa do Mundo. A tendência é de que os protestos contra a Copa não vinguem tanto, pois o evento está aí. Mas demandas específicas de categorias podem ganhar corpo. De todo modo, não podemos negar que existe um grande clima de insatisfação nas ruas no Brasil. As pessoas parecem estar de “saco cheio” de serem maltratadas pelos governos e pelas empresas.
IHU On-Line - Em suas análises, o senhor parece dar a entender que tanto os black blocs quanto a polícia são vítimas de um processo maior e que há uma disputa simbólica entre os manifestantes como vândalos e a polícia como violenta. Como o senhor tem interpretado essa tensão entre manifestantes e policiais nas manifestações?
“As pessoas terão medo de sair às ruas para protestar”
Rafael Alcadipani - Acredito que sim, que criou-se uma oposição entre polícia e black blocs, um virou inimigo do outro. O ponto para mim é outro, é como fazer com que as demandas sociais sejam entendidas pelos políticos e pela política. A política parece não estar dando respostas para os problemas do cidadão comum.
IHU On-Line - É impossível haver manifestações massivas sem violência? O senhor tem ido à rua acompanhar as manifestações. Pode nos relatar como tem se dado a relação entre policiais e manifestantes e qual é o maior ponto de tensão?
Rafael Alcadipani - Acredito que não apenas é possível, como é desejável. Na verdade, quanto maior a quantidade de manifestantes, menor a violência, pois as pessoas controlam e expulsam os que usam a violência. O ponto de tensão são as constantes provocações dos manifestantes contra os policiais e depois o momento em que os policiais vão prender as pessoas.
IHU On-Line - Como o senhor avalia o contingente formado por Forças Armadas, polícias civil e militar e agentes da Polícia Federal, que vão realizar a segurança durante a Copa do Mundo? Tal estrutura era necessária? Ela tem mais a ver com a segurança por conta do número de pessoas que circulará durante o mundial ou foram articuladas para evitar novas manifestações?
Rafael Alcadipani - A estrutura era necessária, mas é a prova de que há algo de muito estranho no Brasil. Este aparato monumental sugere que o Brasil precisa da união de todas as forças de segurança para reprimir os anseios de sua população. Mostra que estamos com uma democracia que precisa evoluir muito. Nada mais irônico do que um governo de uma presidente que foi presa e torturada por uma ditatura militar ter que usar as Forças Armadas para garantir um evento da FIFA no país do futebol. Isso dá muito que pensar.
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“É uma Copa do Mundo para a FIFA e seus patrocinadores” |
IHU On-Line - Quais foram os erros e acertos do Estado brasileiro em relação à segurança pública durante as manifestações contra a Copa? O governo federal vem recebendo muitas críticas por conta da ação da polícia nas manifestações. O que a ação do Estado revela sobre a construção da democracia no país e a percepção do governo em relação aos anseios da população?
Rafael Alcadipani – Acredito que a segurança pública do Brasil possui problemas estruturais gravíssimos. São forças policiais sem condições de trabalho, polícias militares imersas em uma cultura de violência e um sistema burocratizado que gera ineficiências muito graves. No caso das manifestações, os governos, principalmente no Rio e em São Paulo, não têm usado a política para diminuir a tensão social. Eles apenas usam a PM como forma de lidar com questões sociais. Questão social é problema de política, não de polícia.
IHU On-Line - O mundial recebe algumas críticas, entre elas, o valor dos ingressos, ou seja, muitos brasileiros terão de assistir à Copa pela televisão. Como o senhor avalia essa crítica? Trata-se de uma elitização do futebol?
Rafael Alcadipani - Sim, é uma Copa do Mundo para a FIFA e seus patrocinadores. O brasileiro, louco por futebol, está alijado dos campos. Parte expressiva dos assentos dos estádios são para VIPs. Os estádios são muito caros e isso vai gerar um aumento dos ingressos. Precisamos pensar que a FIFA privatizou o futebol. A FIFA está imersa em escândalos que mostram que a gestão e a governança global do futebol precisam ser repensadas.
IHU On-Line - Com as manifestações, vislumbra-se o surgimento de novos sujeitos políticos?
Rafael Alcadipani - Creio que aos poucos, sim. Mas ainda somos dominados pela política tradicional. É urgente rever a forma de se fazer política no Brasil.
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Copa do Mundo: “O brasileiro, louco por futebol, está alijado dos campos”. Entrevista especial com Rafael Alcadipani - Instituto Humanitas Unisinos - IHU