05 Novembro 2011
Criada em 2006 para garantir a exportação de soja para o exterior, em função da conscientização ambiental dos consumidores, a moratória da soja tem sido um instrumento incipiente para diminuir o desmatamento no bioma amazônico. Apesar da tentativa de conter o plantio da soja em áreas florestais, o elevado preço do produto no mercado internacional contribuiu para dar continuidade ao desmatamento. Em entrevista à IHU On-Line, concedida por telefone, Rudorff explica que dos 375.500 hectares monitorados na região amazônica, 11.698 hectares foram desmatados em função do plantio da soja. Para ele, o percentual é pequeno: "para ser significativo, tem que equivaler a pelo menos 10%", assinala.
De acordo com o pesquisador, o desmatamento em áreas florestais é difícil de ser contido "porque existe uma série de serviços em torno do desmatamento instalada há muitos anos na Amazônia". A moratória da soja, explica, "surge no sentido de inibir o plantio de soja em áreas desflorestadas".
Bernardo Rudorff é engenheiro agrônomo, formado pela Universidade Federal de Viçosa, mestre em Sensoriamento Remoto, pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – Inpe e doutor em Agronomia pela University of Maryland at College Park.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como surgiu a iniciativa de criar a moratória da soja?
Bernardo Rudorff – A moratória da soja foi criada em 26 de julho de 2006, em resposta à pressão de algumas organizações da sociedade civil, que alegavam que parte da soja produzida no Brasil – e que estava sendo exportada para a Europa – era oriunda de áreas de desflorestamento. Para conter o desflorestamento, baseado na hipótese de que a soja estava causando o desmatamento na Amazônia, foi criada essa moratória, que visa não exportar soja para a Europa de áreas que foram desmatadas.
IHU On-Line – A moratória da soja tem sido eficaz para controlar e diminuir o desmatamento e a pressão de plantações na Amazônia? Qual é a efetividade da moratória?
Bernardo Rudorff – O último levantamento realizado mostrou que, em termos relativos, uma área muito pequena foi desmatada, algo correspondente a 0,39%. A partir deste número, é difícil colocar a soja como culpada do desmatamento que acontece na Amazônia.
Por enquanto, está difícil avaliar se a moratória da soja está diminuindo o desflorestamento, porque, para emitir um relatório, teríamos de ter duas situações: avaliar o desmatamento com e sem a moratória. Desde que a moratória entrou em vigor, a soja foi plantada em 11.698 hectares de uma área de 1,96 milhões de hectares do bioma amazônico. Portanto, ela causa desmatamento numa proporção muito pequena.
IHU On-Line – Muitos ambientalistas recentemente criticaram a moratória da soja, alegando que, em função do preço da soja, aumentou a plantação em áreas florestais e uma notícia recente divulgou que na safra de 2010/2011 houve desmate de 11,7 mil hectares no bioma. Como o senhor vê essa critica?
Bernardo Rudorff – O preço elevado do produto realmente contribuir para aumentar o desmatamento. Entretanto, ao analisar a área desmatada, a pessoa pode julgar que 11.698 hectares é uma área enorme, mas isso depende do ponto de vista. A área monitorada efetivamente para ver a identificação de plantios de soja foi de 375.500 hectares, então desses 375.500 hectares foi encontrado 11.698 hectares de soja. O desmatamento, para ser significativo, tem que equivaler a pelo menos 10%.
IHU On-Line – O senhor declarou que a soja não é a grande vilã do desmatamento. Qual é o vilão, então?
Bernardo Rudorff – A soja é responsável por uma parte muito pequena do desmatamento da Amazônia: 0,39%. Onde estão os outros 96,1% dos responsáveis pelo desmatamento? Muitas áreas foram desmatadas para virarem pastagem. Portanto, a atividade do desmatamento, por si só, é complexa e difícil de ser contida e modificada porque existe uma série de serviços em torno do desmatamento instalada há muitos anos na Amazônia. A moratória da soja surge neste sentido: para inibir o plantio de soja em áreas desflorestadas.
IHU On-Line – Como acontece o monitoramento da soja? Em que estado os índices de desmatamento são mais visíveis em função da plantação de soja: Mato Grosso, Pará ou Rondônia?
Bernardo Rudorff – O maior produtor de soja é o Mato Grosso, e depois o Pará. Em Rondônia tem uma área relativamente pequena. Monitoramos as terras através de imagens de satélite no início da safra para averiguar se tem uma área de safra desflorestada dentro do período da moratória, e, se dentro dessa área, tem um plantio de soja. Essas imagens são usadas para detectar a presença de cultura anual. Uma vez detectada essa cultura nos polígonos desflorestados, em seguida é feito um sobrevoo naquelas áreas em que foram identificadas cultura agrícola, para identificar se de fato é soja.
IHU On-Line – A plantação da soja tem prejudicado a sustentabilidade da Amazônia, uma vez que projetos de transporte incentivarão mais plantio de soja na região?
Bernardo Rudorff – Nós vivemos hoje uma realidade muito diferente daquela de algumas décadas atrás. Hoje em dia, a preocupação ambiental e a consciência que a humanidade toma em termos do cuidado com o planeta, a questão da produção e da preservação, tudo isso passa a ser uma discussão extremamente importante. Entendo que a moratória da soja surge justamente para mostrar que é possível produzir preservando o meio ambiente. Concordo que é importante manter a floresta, mas, por outro lado, também é importante produzir alimentos. O Brasil tem um potencial enorme na produção agrícola, e, portanto, existe uma pressão muito grande no sentido de utilizar o solo para a produção de alimentos. É preciso encontrar um equilíbrio entre a produção e a preservação.
IHU On-Line – É possível saber se há plantação de soja em unidades de conservação e terras indígenas?
Bernardo Rudorff – Não identificamos nenhuma área desflorestada nessas regiões com presença de soja. Embora o desmatamento em função da soja tenha sido 86% maior que a área desmatada no ano passado, podemos considerar esse percentual baixo. Percebo que existe uma insatisfação muito grande por parte de produtores que fazem o desmatamento legal. Eles são autorizados a plantar soja, mas, se o fizerem, não conseguem vendê-la por causa da moratória, porque o consumidor não quer comprar soja de área desmatada. Nesse sentido, a moratória, às vezes, é mais eficiente do que a própria lei.
IHU On-Line – Qual é o papel da governança pública no controle do desmatamento e na plantação de soja? Caso seja aprovado, o novo Código Florestal poderá prejudicar a moratória da soja, uma vez que ele permitirá plantios em encostas?
Bernardo Rudorff – Essa é uma questão difícil de avaliar, pois ainda não sabemos que aspectos do novo Código Florestal serão aprovados e quais suas reais implicações.
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Moratória da soja e os desafios do desmatamento na Amazônia. Entrevista especial com Bernardo Rudorff - Instituto Humanitas Unisinos - IHU