17 Julho 2011
Cinco dias antes de completar quatro anos do acidente aéreo que chocou o país em 17 de julho de 2007, as famílias das vítimas do voo JJ 3054 da TAM receberam a notícia de que o Ministério Público Federal concluiu as investigações e responsabilizou a ex-diretora da Agência Nacional de Aviação Civil – Anac, Denise Abreu, e os diretores da TAM na época do acidente, Alberto Fajerman e Marco Aurélio Castro, pela tragédia.
"A justiça tem que ser aplicada de forma exemplar para mostrar que não existe impunidade apesar dos cargos que essas pessoas ocupavam", manifestou Dario Scott, em entrevista concedida à IHU On-Line por telefone, após receber a notícia, em São Paulo. Para ele, a sentença do Ministério Público Federal é resultado da união e da luta da Afavitam, que, apesar de conviver diariamente com a saudade dos familiares, trabalhou para que o processo não fosse arquivado. A punição dos responsáveis pelo acidente, disse, "servirá de exemplo para mostrar que não se deve colocar o lucro acima da vida das pessoas".
Há quatro anos, familiares das vítimas do voo JJ 3054 da TAM reivindicam maior segurança e transparência nos aeroportos brasileiros e, agora, lutam para que seja construído um memorial em homenagem às vítimas no Aeroporto de Congonhas. "Ter um memorial em frente ao aeroporto de São Paulo é importante para as pessoas repensarem como estão atuando nesse setor", aponta.
Dario Scott é coordenador dos Polos do Curso de Ensino a Distancia – EAD da Unisinos.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como o senhor recebeu a notícia da denúncia criminal pela tragédia da TAM?
Dario Scott – Para nós, da Associação dos Familiares e Amigos das Vítimas do Voo JJ 3054 da TAM – Afavitam, foi muito bom receber a informação da denúncia porque sabemos que agora as investigações estão concluídas e o Ministério Público Federal apontou pessoas da TAM e da Anac como responsáveis pela tragédia de 17 de julho de 2007, que levou a vida da minha filha e de mais 198 pessoas.
As investigações foram iniciadas pelo Ministério Público de São Paulo, mas foram concluídas pelo Ministério Público Federal. Ao longo desses quatro anos, várias investigações foram feitas e, em um determinado momento, um delegado assumiu as investigações e, após três meses, concluiu que duas vítimas da tragédia, os dois comandantes da aeronave, eram responsáveis pelo acidente. Achamos esse resultado estranho. Então, receber a denúncia de atentado de segurança aérea é importante para lembrarmos que, quando subimos em um avião, estamos correndo riscos de segurança.
O nosso movimento é para que os órgãos federais e todos que trabalham no setor de companhia aérea repensem os seus procedimentos e ações para tornar o transporte mais seguro.
IHU On-Line – Como o senhor vê a iniciativa do Ministério Público Federal, que pretende pedir de 4 a 12 anos de prisão aos acusados do caso da TAM? Essas punições têm um efeito moral para as famílias?
Dario Scott – A justiça tem que ser aplicada de forma exemplar para mostrar que não existe impunidade apesar dos cargos que essas pessoas ocupavam. Esperamos que o pedido do procurador seja cumprido e que essas penas e denúncias sejam acolhidas pelo juiz da 8ª Vara Federal e que, no processo, os responsáveis cumpram a pena. A punição dos responsáveis pelo acidente servirá de exemplo para mostrar que não se deve colocar o lucro acima da vida das pessoas. O mandamento da TAM de que "nada substitui o lucro" não pode ser o mandamento de uma companhia aérea que transporta pessoas. Eles têm que investir em segurança em primeiro lugar. Obviamente, o lucro é importante para as empresas, mas a segurança não pode ficar em terceiro plano.
IHU On-Line – Como define a postura e o comportamento da TAM nesses quatro anos em relação ao acidente?
Dario Scott – A companhia aérea tem seguido o compromisso que assumiu com a Defensoria Pública, o Ministério Público do Estado de São Paulo e o Procon. Logo após o acidente foi firmado um termo de compromisso, onde a TAM se comprometia a prover infraestrutura e transporte para os familiares, para que nós pudéssemos nos reunir e levar informações para todos os parentes das vítimas.
Se tivesse uma postura correta, a TAM não teria deixado o avião pousar naquele aeroporto. Não adianta eles quererem remediar algo que já aconteceu. Por mais que eles façam, nada vai trazer de volta as 199 pessoas que morreram de uma forma brutal por conta de eles não terem desviado a aeronave para outro aeroporto.
Desde o momento do acidente nunca mais utilizei o aeroporto de Congonhas e também procuro evitar ao máximo utilizar a companhia aérea TAM. Cabe a sociedade como um todo fazer as suas escolhas e, ao utilizar o transporte aéreo, procurar mais informações de segurança.
Um sítio francês fez uma pesquisa das companhias aéreas e recomenda evitar a utilização da TAM. Em uma categoria de A a E, a TAM se encontra na categoria D, enquanto deveria dar o exemplo de segurança por ser a maior companhia brasileira.
IHU On-Line – Como ocorreu a articulação da Associação dos Familiares e Amigos das Vítimas do Voo TAM JJ 3056 durante esses quatro anos? O que vocês conseguiram conquistar nesse período?
Dario Scott – Quando ocorreu a tragédia, a Afavitam solicitou a doação de um terreno no aeroporto por parte da TAM, para construirmos um memorial em homenagem às vítimas no local. Esse foi um processo longo porque a prefeitura teve de aguardar a doação do terreno, depois teve de fazer as desapropriações de outros imóveis que estavam no local do acidente. Acredito que, a partir de agora, consigamos dar o primeiro passo para que esse memorial seja construído e seja visto como um marco na cidade de São Paulo para que acidentes como esse não se repitam. Ter um memorial em frente ao aeroporto de São Paulo é importante para as pessoas repensarem como estão atuando nesse setor.
Outra conquista da Afavitam foi referente ao seguro obrigatório que estava defasado. Em casos de uma tragédia como essa, os familiares recebem 15 mil reais como seguro obrigatório, mas se esse valor fosse aplicado de acordo com a lei, o valor correto seria algo em torno de 130 mil reais.
As pessoas que perdem familiares em um acidente ficam fragilizadas e esse valor de 15 mil reais não é suficiente para elas reestruturarem suas vidas. Nós não conseguimos o reajuste total da indenização – a decisão está sendo avaliada pela justiça federal. Mas já conseguimos um reajuste junto à Anac e hoje esse valor passou de 15 mil para 40 mil reais e ainda continua sendo reajustado.
Logo após o acidente, nós enviamos uma carta de reivindicações para a companhia aérea e fizemos uma reunião com a direção da TAM. Esse procedimento inicial possibilitou que nós fizéssemos os encontros durante esses quatro anos, pois estabelecemos um termo de compromisso que foi ratificado junto às autoridades de São Paulo. A companhia aérea cumpriu com esse compromisso, mas ele foi resultado da união dos familiares.
Em quatro anos aprendemos a viver com a saudade e a ausência dos que foram. Infelizmente, nem todos os familiares participam da associação, mas um grande número de pessoas continua se mobilizando. Muitos familiares não sobreviveram esses quatro anos para ver o resultado do Ministério Público Federal, o que é uma pena. Se nós não tivéssemos nos mobilizados, haveria grandes chances desse processo ser arquivado.
IHU On-Line – Como define a postura da sociedade diante de um acidente como esse? As pessoas ainda se mobilizam ou percebe que há um esquecimento?
Dario Scott – Nós temos tantos problemas no Brasil, que é difícil fazer uma mobilização maior. Nosso trabalho na Associação tem o papel de alertar a população e chamar a atenção das pessoas que trabalham no setor aéreo de que é preciso investir em segurança em primeiro lugar. Nós vamos continuar com esse trabalho de "formiguinha", mas as pessoas têm de se conscientizar em relação à segurança. Sempre que viajo para São Paulo vou para Viracopos/Campinas, pois este aeroporto tem uma pista de longa extensão. Eu sofri uma tragédia e me preocupo com a infraestrutura do aeroporto e da companhia aérea que estou escolhendo. Cada pessoa sabe quais são as suas prioridades, mas o nosso papel é tentar levar a informação.
Depois de perder a nossa filha única nessa tragédia, minha esposa e eu conseguimos recomeçar uma família e hoje temos um casal de gêmeos, que complentará 11 meses no dia 18 de julho. A segurança da nossa família vem sempre em primeiro lugar e por isso as pessoas devem se informar antes de utilizar qualquer transporte.
IHU On-Line – O senhor percebeu algum avanço na segurança da aviação brasileira durante esses quatro anos?
Dario Scott – Infelizmente, não. Esse é um problema apresentado, por exemplo, no relatório do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos – Cenipa. Os técnicos do Cenipa fizeram uma investigação para prevenção de acidentes aéreos e informaram 83 recomendações de segurança operacional.
Outro dia, encaminhei um e-mail para a chefia do Cenipa solicitando uma informação sobre quantas dessas 83 recomendações haviam sido cumpridas, porque nesta lista têm recomendações de segurança para a Anac, para a TAM, para a Infraero, para a Airbus, e para o próprio Cenipa.
Tenho entrado periodicamente no sítio do Cenipa procurando essas informações, mas não consigo visualizá-las. Além disso, ainda não obtive resposta de quais dessas recomendações foram seguidas.
Tentamos, nesses quatro anos, ingressar no Conselho Nacional de Prevenção de Acidentes Aéreos, para atuar como representação da sociedade civil. Na votação, porém, não obtivemos a maioria para sermos aceitos nesse conselho.
IHU On-Line – Que aspectos precisam melhorar para que o transporte aéreo seja mais seguro?
Dario Scott – A minha proposta é de que o processo da aviação seja mais transparente. Nós só ficamos sabendo que a aeronave responsável pelo voo JJ 3054 da TAM estava voando com um reversor inoperante, com carga máxima e descendo num aeroporto que foi aberto por conta de pressões econômicas, depois da tragédia. Queremos que as pessoas que trabalham no setor ponham a segurança em primeiro lugar. As pessoas, enquanto passageiros, não têm como saber se o reversor está operante ou não, e se o piloto está com uma escala sobrecarregada ou não, tampouco quantas horas de treinamento foram feitas pelo piloto que comanda aquela aeronave.
Portanto, esperamos rigor e responsabilidade das pessoas que trabalham transportando vidas. Queremos que os órgãos responsáveis se sensibilizem e fiscalizem esse setor porque as pessoas precisam sentir confiança quando embarcam em um avião. Eu continuo voando, mas não mais com a mesma tranquilidade.
IHU On-Line – O senhor chegou a acompanhar o atendimento que a Air France ofereceu às famílias? Que avaliação faz do posicionamento da Air France em relação ao das companhias brasileiras?
Dario Scott – Eu tive pouco contato com esse acidente, porque ele foi completamente diferente: as vítimas caíram no mar e o resgate das pessoas foi muito mais complexo do que o da TAM.
Em relação ao suporte, posso falar apenas do caso da TAM: a companhia não fez um acordo com os familiares porque a TAM é boazinha e se sensibilizou com o caso. A empresa assumiu um termo de compromisso porque nós nos organizamos na primeira semana após o acidente, e porque elaboramos um protocolo com eles. Portanto, a TAM apenas cumpriu um acordo.
O governo dos estados de São Paulo e Rio Grande do Sul apoiaram as famílias e ajudaram a pressionar a companhia para que ela assinasse o termo de compromisso.
IHU On-Line – Como tem sido estar à frente da Associação dos Familiares e Amigos das Vítimas do Voo TAM JJ 3056?
Dario Scott – Nós temos que dedicar uma energia enorme para conseguir superar essa situação. Cada familiar lida com sua perda de uma forma diferente. Têm familiares que acham que nós deveríamos ter brigado com todo mundo.
Logo após a tragédia, me organizei por conta de querer informações sobre a identificação dos fragmentos do acidente e, juntamente com outros familiares, me reuni com a ex-governadora Yeda Crusius, que disse: "Você, enquanto pessoa física é uma coisa, mas vocês, enquanto uma associação, terão muito mais força." Foi a partir daí que nós resolvemos fundar a Afavitam e realmente agradeço a ex-governadora pela sua fala porque, a partir do momento em que fundamos a Afavitam, nós tivemos representatividade para conversar com o Ministério Público Federal. Nossa mobilização é importante porque mostra a organização da sociedade civil, que pode fazer a diferença.
Não podemos ficar parados, chorando, lamentando o que ocorreu; temos que lutar para que as coisas mudem e para que outras pessoas não passem pelo mesmo sofrimento. Queremos que não haja impunidade. Por isso, temos que fiscalizar e ficar atentos às coisas que estão ocorrendo.
A Associação tem o objetivo de valorizar a vida e buscar a verdade e a justiça. Seguimos esse caminho desde o início e continuaremos nessa linha. Agradeço a todos os familiares a confiança que depositaram para que eu conduzisse esse trabalho por todo esse tempo, e espero que nós consigamos os objetivos de todos, que é a punição das pessoas que levaram os nossos entes queridos. Nós vamos continuar vivendo o resto da vida com a ausência dos nossos familiares.
Também gostaria de aproveitar a oportunidade para agradecer a Unisinos e a Unidade de Graduação que concederam licença-trabalho para que eu pudesse estar desenvolvendo esta atividade à frente da Associação.
IHU On-Line – A associação está preparando alguma manifestação por ocasião dos quatro anos do acidente?
Dario Scott – Vamos celebrar uma missa na Catedral da Sé, em São Paulo, no sábado, dia 16-7-2011, e, no dia 17-7-2011, faremos um ato ecumênico no terreno onde será edificado o memorial.