18 Novembro 2010
Com uma política mais homogênea e com um comportamento cada vez mais parecido com o eleitorado nacional, cai por terra a ideia de que o Rio Grande do Sul é um estado mais politizado, ainda que alguns setores insistam nessa ideia. No cenário do primeiro turno, o eleitorado gaúcho elegeu Tarso e a maioria votou em Dilma. No segundo turno, Serra passou a presidente eleita em número de votos no estado. Isso, segundo o cientista político Rafael Madeira, “demonstra que o voto em Tarso excede o voto no PT. Existe um eleitor aí que não é vinculado a partidos políticos”. Em entrevista à IHU On-Line, concedida por telefone, o professor da PUCRS analisou o panorama atual da cultura política do RS e avaliou as perspectivas do novo governo. “O cenário político no início do governo Tarso é muito mais favorável em comparação ao cenário inicial do governo Olívio. Quando Olívio Dutra foi eleito, o PT ainda não tinha chegado ao cargo de presidência da República. Então, havia um temor por parte de uma parcela mais conservadora do eleitorado que achava que haveria mudanças drásticas e radicais. Essa ideia já não compõe a agenda política. E isso diminui a oposição em determinados setores”, explicou.
Rafael Machado Madeira é graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde fez o mestrado e doutorado em Ciência Política. Atualmente, é professor na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como o senhor analisa o panorama atual da cultura política gaúcha?
Rafael Madeira – O comportamento do eleitorado no Rio Grande do Sul se aproxima bastante do eleitorado das principais democracias ocidentais. Ele "flutua" bastante e não é fiel a determinados partidos políticos, doutrinas ou famílias políticas. A vitória do Tarso no primeiro turno aqui no Rio Grande do Sul é uma coisa que, até poucos meses atrás, ninguém imaginava. Uma série de fatores ajuda a entender isso. Por exemplo: os principais concorrentes de Tarso vinham de um processo de grande desgaste. Ainda que Fogaça tenha vencido a eleição para a prefeitura de Porto Alegre, ele não superou suas expectativas e venceu no segundo turno com pouca margem. Já o governo Yeda, desde o início, passou por diversas crises políticas.
O mais interessante não é apenas a vitória de Tarso, mas a vitória em primeiro turno. E, claro, além do desgaste dos dois principais concorrentes, Tarso fez um discurso bem elaborado e a campanha foi muito bem feita. Outra questão interessante de observar é que quem votou majoritariamente em Tarso não fez o mesmo com Dilma. Isso demonstra que o voto em Tarso excede o voto no PT. Existe um eleitor aí que não é vinculado a partidos políticos.
IHU On-Line – Como vai ser governar o RS com as alianças que Tarso e o PT firmaram?
Rafael Madeira – O cenário político no início do governo Tarso é muito mais favorável em comparação ao cenário inicial do governo Olívio. Quando Olívio Dutra foi eleito, o PT ainda não tinha chegado ao cargo de presidência da República. Então, havia um temor por parte de uma parcela mais conservadora do eleitorado que achava que haveria mudanças drásticas e radicais. Essa ideia já não compõe a agenda política. E isso diminui a oposição em determinados setores.
Outro fator importante: O governo Tarso inicia após oito anos do governo bem sucedido de Lula em nível nacional. Além disso, pela primeira vez o partido majoritário do governo do RS estará também na presidência da República. Isso também é importante porque a base de sustentação do governo federal ajudará Tarso a constituir sua própria base aqui no Estado. O próprio movimento que Tarso faz em relação ao PTB e ao PP, partidos que tradicionalmente não compõem o leque de alianças do PT, demonstra isso. A presidente eleita, Dilma Rousseff, construiu sua trajetória e sua carreira política aqui no Rio Grande do Sul, e Tarso conhece e possui uma relação aberta e direta com a presidente. Os dois foram ministros do governo Lula. Então, Tarso tem trânsito na cúpula que vai dirigir o país.
IHU On-Line – É possível dizer que no Rio Grande do Sul há uma nova cultura política?
Rafael Madeira – Acho que a cultura política não modificou muito. O que existe, por parte de uma determinada parcela da população, é uma crença de que os gaúchos são cultos, politicamente falando. Em alguns casos, existe inclusive um pouco de xenofobia, pois alguns gaúchos creem que são diferentes, são mais politizados. Acredito que o que está acontecendo, e a eleição demonstrou isso, é que o comportamento do eleitorado gaúcho não mudou, o que mudou foi o padrão de disputa que os partidos políticos estabeleceram no período eleitoral. Talvez a grande mudança, maior que uma mudança eventual no eleitorado, tenha sito a mudança no discurso político, portanto. Aquele clima de polarização, de disputa acirrada, quase que extrapolando os limites do debate político que marcou os anos 1990 não existe mais.
IHU On-Line – Como o senhor analisa as forças do PMDB no RS a partir destas eleições?
Rafael Madeira – Claramente, o PMDB no Rio Grande do Sul foi o maior derrotado nas eleições, porque a indefinição em relação ao posicionamento em nível federal prejudicou muito o partido. O PMDB deixou de tomar uma posição oficial, no entanto muitas das suas principais lideranças adotaram uma posição pró-Serra, e o Serra perdeu. O desempenho eleitoral do PMDB para o governo estadual ficou muito aquém do que qualquer analista imaginaria no início do ano. Nesse sentido, acho que seria salutar ao PMDB fazer algum tipo de debate interno para redefinir algumas questões e tentar reencontrar um norte, para reencontrar o seu rumo.
IHU On-Line – O governo Yeda desmistificou a ideia de que os políticos profissionais do RS são mais orgânicos, menos fisiológicos e quase nada corruptos. O que esperar deste novo governo a partir dos movimentos já feitos nesse momento de transição?
Rafael Madeira – Acho que o cenário é diferente e positivo. Tarso Genro foi Ministro da Justiça, e já deu uma série de sinais apontando que a questão do combate à corrupção é importante. E Tarso, por ter sido ministro, conhece quem toma as decisões dentro do Ministério, nos postos de segundo escalão, por exemplo. Por isso, ele vai ter uma relação muito próxima com o futuro Ministro, seja ele quem for. Acredito que, se houver vontade política do governador eleito – o que acredito que vai ter –, o cenário, em termos de combate a corrupção, será bastante favorável.
Por outro lado, com o mensalão ficou claro que a corrupção entre os grandes partidos não é monopólio de um ou outro partido. O escândalo do mensalão atingiu vários partidos, e os que não foram atingidos pelo escândalo do mensalão também tiveram seus próprios escândalos, como o DEM. Então, isso pode representar alguma tensão. Por exemplo: se for, por um acaso, algum dia, descoberto no Rio Grande do Sul algum caso de corrupção envolvendo algum dos partidos da base do novo governo, se gerará uma tensão, e aí qual vai ser comportamento do governo do Estado é um questão que vamos ter que esperar para ver.
IHU On-Line – Ao ter o PT no lugar do PSDB aqui no RS, como podemos pensar as ações dos movimentos sociais?
Rafael Madeira – Em relação aos movimentos sociais, a relação será bem menos tensa e conflituosa. O PT tem um histórico de proximidade e de manter um canal de conversação sempre aberto com os diferentes movimentos sociais organizados. Então, acredito que a postura vai ser iniciativamente diferente de uma postura mais de embate direto que marcou esse governo com os movimentos sociais nos últimos anos aqui no RS. Vários desses movimentos sociais são independentes em relação ao PT, mas têm uma relação histórica de proximidade muito grande com o PT. Acredito que esse canal entre governo do estado e movimentos sociais seja de alguma forma reaberto, que ocorra uma aproximação entre esses dois atores.
IHU On-Line – Como o gaúcho contemporâneo se relaciona com a política?
Rafael Madeira – O modo como o gaúcho se relaciona com a política já é muito parecido com o eleitorado do país como um todo. A agenda política no RS está um pouco mais distencionada. O clima de polarização ficou para trás no horizonte político. Isso favorece uma relação um pouco menos conflitiva. Estamos vivendo um momento de transição do modelo de política baseado na mobilização do eleitorado para um modelo de política mediado pela TV, onde a relação se dá mais a partir dos meios de comunicação do que na participação em passeatas, comícios, manifestações... Podemos chamar isso de "espetáculo da política", onde o modelo de relação entre eleitor e político é mais passivo em função da forte influência das grandes mídias.
Existe ainda uma parcela do eleitorado que possui algum tipo de militância, mas o aumento da importância dos meios de comunicação representou uma mudança significativa. Os partidos também foram influenciados por esse novo modelo de fazer política. A relação candidato/eleitor, que antes era medida pelo partido, tem na TV e nos grandes meios de comunicação hoje seu acesso mais direto a esses representantes. Por isso, tornou-se fundamental ter uma boa assessoria de comunicação. O vínculo com o eleitorado vai ser construído a partir desse novo recurso. Nesse sentido, a estrutura dos partidos perdeu importância.
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Os cenários do novo governo do RS. Entrevista especial com Rafael Madeira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU