09 Julho 2010
Segundo a professora de arquitetura da Unisinos, Nívea Peixoto, Porto Alegre é uma das cidades que com maior tradição em planejamento urbano, porém, nos últimos anos, pouca coisa tem sido feita em relação à mobilidade urbana. “Eu tenho participado de vários projetos de mobilidade urbana em Porto Alegre. Levamos propostas, porém, infelizmente, nem sempre os projetos da área técnica são os projetos dos governos. Para ajudar, a cada dois anos acontece uma troca, seja no governo do estado, seja na prefeitura, e isso acaba criando um problema de falta de continuidade que, acredito eu, tem afetado muito a implementação destes projetos”, apontou a professora durante entrevista que concedeu pessoalmente à IHU On-Line.
Nívea Maria Oppermann Peixoto é graduada em Arquitetura e Urbanismo pelo Centro Universitário Ritter dos Reis, com aperfeiçoamento em Transporte Urbano pelo Centre D`études Des Transports Urbain. É mestre em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e, atualmente, leciona na Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Também trabalha na Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano e Regional. Tem pesquisado a questão da Mobilidade Urbano-Metropolitana na Região Metropolitana de Porto Alegre.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como podemos entender a ideia de Mobilidade Urbana Sustentável? Porto Alegre está indo nessa linha?
Nívea Peixoto – Porto Alegre é uma cidade que tem uma tradição de planejamento urbano já de muitos anos, recebendo até muitos investimentos em transporte público e sistema viário, principalmente nas décadas de 1970 e 1980. Da década de 1990 para cá muito pouco ou quase nada foi feito em termos de favorecer a mobilidade urbana e agora é claro que a cidade está se ressentindo disto.
Primeiro porque aumentou muito a motorização. Porto Alegre é uma das cidades mais motorizadas do país. Além disso, a cidade está muito carente de investimentos na área de infraestrutura e de transporte público. Vivemos em uma sociedade que cultua muito o automóvel e Porto Alegre faz parte disso. O nosso transporte coletivo, que poderia ser uma alternativa para as pessoas se deslocarem, tem funcionando parcialmente. Há vários projetos que foram feitos tanto pela prefeitura quanto pelo Governo do estado para a região metropolitana que não foram implantados. Teve o projeto chamado Linha Rápida que era um projeto para fazer corredores em Alvorada, Cachoeirinha, Gravataí, mas não saiu do papel. Tinha o projeto do metrô, o primeiro projeto foi da Linha 1 e depois o projeto do anel que também não se viabilizou. São todos projetos de longo prazo e parece que só agora a administração de Porto Alegre está se dando conta de que é preciso fazer alguma coisa, principalmente em função da Copa de 2014.
IHU On-Line – E não saiu do papel por um problema financeiro ou administrativo?
Nívea Peixoto – Pelos dois motivos, mas, principalmente, um problema político-administrativo. Do ponto de vista técnico, ainda que tenha visões diferentes, sempre se consegue chegar a uma solução. Eu tenho participado de vários projetos de mobilidade urbana em Porto Alegre. Levamos propostas, porém, infelizmente, nem sempre os projetos da área técnica são os projetos dos governos. Para ajudar, a cada dois anos acontece uma troca, seja no governo do estado, seja na prefeitura, e isso acaba criando um problema de falta de continuidade que, acredito eu, tem afetado muito a implementação destes projetos.
IHU On-Line – Qual a situação de Porto Alegre e da região metropolitana em relação à ideia de planejamento urbano sustentável?
Nívea Peixoto – Estão caminhando em passos lentos. Faltam incentivos em pesquisas e em investimento em tecnologia. Porto Alegre é uma cidade que tem várias possibilidades. Se a cidade investisse em mais ônibus sustentáveis e ambientalmente viáveis (através de outros tipos de combustíveis ou de projetos com infra-estruturas amigáveis), certamente atrairia mais passageiros do transporte privado.
O projeto do metrô está sendo retomado pelo Governo Federal que tem muito interesse na ampliação desse tipo de serviço. Há a possibilidade de implementação do transporte hidroviário que é uma alternativa que pode ser viabilizada ligando Porto Alegre à Guaíba. Esta alternativa tem um custo maior, mas temos que pensar que assim como temos a energia eólica, que é sabidamente mais cara que a energia elétrica, porém mais sustentável, o transporte hidroviário também tem que se constituir como uma alternativa.
Poderíamos, também, trabalhar melhor a questão da ciclovia. Porto Alegre terminou recentemente um plano bem ambicioso do sistema cicloviário. A ideia dele é ter cerca de 500 quilômetros de ciclovia. Acredito que a perspectiva é que isso possa ser implantado formando uma rede, porque não podemos pensar em ciclovia apenas como uma alternativa para lazer, para final de semana. Temos que pensar a ciclovia como uma alternativa de deslocamento para o trabalho, de forma que a pessoa possa se deslocar para diversos pontos da cidade de forma segura. O transporte cicloviário é uma excelente possibilidade em termos de mobilidade sustentável.
IHU On-Line – Pensando na Copa, como você vê a situação da BR 116?
Nívea Peixoto – Desde 1975 existe uma proposta para construir a chamada Rodovia do Progresso, mas ela nunca saiu do papel. Agora que o governo estadual está tentando executar este projeto. Tem também a Rodovia do Parque, um projeto mais recente, que foi proposto pelo governo federal. Esta sim deve ficar pronta até a Copa. Eu, como planejadora, aposto na Rodovia do Progresso porque ela tem aspectos de indução de desenvolvimento urbano e vai ser uma alternativa muito importante em termos de desenvolvimento da região metropolitana.
Há outras alternativas que não estão sendo devidamente consideradas, que seriam de vias para o transporte de cargas, que hoje utilizam a BR-116 e a 386. É preciso, ainda, trabalhar melhor a questão do transporte coletivo. Agora com a extensão do metrô até Novo Hamburgo vai melhorar, porque é uma alternativa mais rápida e mais econômica para uma grande parcela da população.
Ao observarmos a BR-116 hoje, veremos que a maior parte dos veículos tem uma ou duas pessoas no máximo, que é uma média muito baixa. A real necessidade do transporte individual deveria ser melhor trabalhada para tentar fazer com que o transporte coletivo pudesse atender melhor as pessoas. Eu dou como exemplo a questão de rotas aqui para a Unisinos que conta com um serviço de vans. Dessa maneira, as pessoas têm um atendimento diferenciado, não precisando fazer dois ou três transbordos, e é uma alternativa viável, uma vez que é coletiva e faz com que a necessidade do transporte individual diminua.
IHU On-Line – Uma das principais promessas dos candidatos das maiores capitais do Brasil é a construção de metrôs para diminuir o trânsito e a poluição. Porto Alegre vai ter seu metrô até 2014?
Nívea Peixoto – Não. A cidade não tem projeto, só um estudo. O que vai sair até 2014 é um projeto da prefeitura, que se chama “Portais da Cidade”, que prevê corredores de ônibus, mudando toda a parte de infraestrutura dos terminais, bilhetagem eletrônica, a frota. A tecnologia será melhor e, creio, que vai funcionar bem.
IHU On-Line – O Brasil demorou 50 anos para produzir 50 milhões de veículos e deverá fabricar outros 50 milhões nos próximos 15 anos, segundo a Anfavea. Qual é o significado disso para a vida em Porto Alegre?
Nívea Peixoto – Isso não foge ao padrão que se vê no restante no mundo. A China e a Índia estão entrando em um rápido processo de motorização. Existe uma cobrança grande da sociedade em relação a obras de infraestrutura, mas está provado: quanto mais vias você abre, mais carros irão circular. De um lado pendo que temos que incrementar algumas medidas de disciplinamento da circulação em relação à questão de estacionamento, por exemplo. Futuramente, não conseguiremos fugir de pedágios urbanos como os que já foram adotados por diversas cidades européias.
IHU On-Line – Qual é a sua opinião sobre a possibilidade de Porto Alegre instalar o sistema de rodízios de carros assim como São Paulo?
Nívea Peixoto – Dizem que não funciona muito bem, porque hoje qualquer família de classe média tem dois ou três carros. O pedágio urbano, o disciplinamento e a proibição de estacionamento em vias públicas podem funcionar. As vias não foram construídas para estacionar carros, elas foram construídas para circular. Além disso, insisto na questão da infra-estrutura do transporte público. Essa é uma questão que precisa ter prioridade e Porto Alegre tem projeto para isso.
IHU On-Line – É possível projetar como nos deslocaremos dentro de dez anos nas grandes cidades?
Nívea Peixoto – Não vai mudar muito do modelo que temos hoje. As ciclovias podem ser incrementadas, espero que os projetos sobre o transporte hidroviário também saiam do papel, assim como aeromóvel que vai ligar o aeroporto ao Trensurb.
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Mobilidade urbana e Copa 2014: Porto Alegre no centro da questão. Entrevista com Nívea Peixoto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU