24 Junho 2010
“Só em São Paulo, temos sete mil presos nessas condições, ou seja, que teriam direito imediato de ir para a rua com monitoramento eletrônico, mas a lei não os contempla”, explica Pe. Valdir da Silveira, na entrevista que concedeu à IHU On-Line por telefone. As diferentes dificuldades e desrespeito que vive o preso no Brasil foi o tema da entrevista que abordou o sistema do monitoramento eletrônico, o direito ao voto, à saúde e à educação, e, ainda, o funcionamento e presença das defensorias públicas no país. Pe. Valdir sugere que o ideal é que sejam construídas pequenas unidades prisionais “para no máximo 220 pessoas, e que ali tenha um grupo técnico bem organizado, assim como salas de aula, oficinas para trabalho, com participação efetiva de pedagogos, psicólogos e assistentes sociais”.
Pe. Valdir João da Silveira é coordenador nacional da Pastoral Carcerária.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O monitoramento eletrônico dos presos, para o senhor, é um avanço ou um retrocesso?
Padre Valdir da Silveira – Da forma como a lei foi criada, num primeiro momento, ela é um retrocesso, porque foi destinada às pessoas que já tinham direito da progressão de regime. Este já é um direito garantido pela lei. Ao usar o monitoramento, eles são punidos com a discriminação. É uma punição ser obrigado a usar o monitoramento, porque isto dificulta ainda mais a reintegração social. Em qualquer lugar que tiver detector de metal, ele será impedido de passar.
IHU On-Line – Qual seria a forma correta de fazer o monitoramento eletrônico dos presos?
Padre Valdir da Silveira – É vantagem quando se coloca o monitoramento nas mulheres gestantes ou que têm bebê, como é o caso de Porto Alegre. O ideal também é para quem está aguardando ser julgado ou para as pessoas que ganharam semiaberto e não têm ala de progressão. Só em São Paulo, temos sete mil presos nessas condições, ou seja, que teriam direito imediato de ir para a rua com monitoramento eletrônico, mas a lei não os contempla. Dessa forma, desafoga-se o sistema prisional, e teríamos uma vantagem até financeira. Atualmente, conforme está a lei, teremos um custo extra, uma média de R$ 600 a mais por cada preso.
IHU On-Line – E sobre o voto dos presos, o que pensa e propõe a Pastoral Carcerária?
Padre Valdir da Silveira – A Pastoral Carcerária está dentro de uma rede de entidades que lutam pelo voto do preso no Brasil. Nas últimas eleições, em 11 estados, presos provisórios puderam votar,. O resultado no pleito nos forneceu alguns dados que vão de encontro a toda a dificuldade que temos hoje com as alas mais conservadoras que condenam a liberdade do preso votar. Onde houve eleição, não ocorreram tumultos ou dificuldades. O voto dos presos assimilou-se ao voto das pessoas que vivem próximo aos presídios. Não houve concentração em um partido ou pessoa. O preso provisório, pela lei, já tem esse direito garantido na Constituição. O ideal seria que todo estabelecimento prisional fosse obrigado a justificar caso alguém não vote. A Defensoria Pública de SP criou uma cartilha de orientação para os presos, mais de cem mil foram distribuídos, falando da importância do voto. Também pedimos aos candidatos que se aproximem dos presídios para debater sua plataforma de eleição, para que os presos possam opinar e se comprometer. Além disso, os candidatos poderão ver a realidade do sistema prisional atual no Brasil.
IHU On-Line – As prisões federais de segurança máxima brasileiras são um avanço no sistema carcerário brasileiro ou os problemas se repetem?
Padre Valdir da Silveira – Acredito que estas instituições devem sempre ser acompanhadas das entidades civis. Em Mato Grosso e no Paraná, onde temos prisões de segurança máxima, foi criado o Conselho da Comunidade para estar presente todo mês, dentro dos presídios, vendo e ouvindo os presos e tentando promover uma humanização nesses locais. Esse é um passo importantíssimo. Os presídios estaduais têm, hoje, superlotação nas celas, alimentação de péssima qualidade, e não têm atendimento à saúde. Nos federais, isso não acontece. O isolamento é individual, o espaço é tão grande que os presos preferem, muitas vezes, estar numa prisão comum, superpopulosa e com falta de alimentação, porque a cultura brasileira é da comunicação, e ficar isolado é, para o preso, a maior condenação que ele possa receber. O que seria importante ter nas prisões, para aqueles que têm alto potencial criminoso, é uma equipe técnica para trabalhar a inclusão social e o psicológico dos detentos. Não basta só enjaular o ser humano e deixá-lo abandonado. É necessário, fundamentalmente, que ele tenha uma equipe de qualidade que possa acompanhá-lo. Assim, também, é necessário que haja educação de qualidade, formação de verdade para esses presos.
IHU On-Line – Quais são os principais direitos dos presos que são desrespeitados pelo sistema prisional?
Padre Valdir da Silveira – Toda pessoa, uma vez colocada no sistema prisional, está sujeita a uma lei bastante punitiva. Porém, segundo a lei, eles são presos para serem ressocializados, e o ambiente prisional deveria fornecer trabalho e estudo. Mas, na maioria das prisões, os presos não têm um ensino de qualidade. Além disso, nossa defensoria pública é ainda muito fraca no que diz respeito ao acompanhamento do Judiciário. Isso tem melhorado, mas ainda precisamos avançar muito. Você pode perceber que o número de rebeliões tem diminuído porque essa é uma das maiores reivindicações sempre. Além disso, a questão da saúde é precária. Existe, por exemplo, um controle razoável de HIV e hepatite. O mais difícil é a saúde mental, um tema tratado com descaso, o sistema prisional brasileiro não tem ainda uma referência para trabalhar essa questão. Temos ainda alguns hospitais manicomiais, mas a grande maioria dos presos com problemas mentais aguarda julgamento em prisões comuns e, muitas vezes, acaba morrendo antes disso. Esses problemas se apresentam na maioria dos presídios do Brasil.
IHU On-Line – Quais são os temas mais urgentes a serem abordados e mudados numa reforma do sistema carcerário?
Padre Valdir da Silveira – Para uma reforma do sistema prisional, temos que trabalhar voltados para pessoas, e não olhar alguém pelo crime cometido. Para isso, são necessárias pequenas unidades, para, no máximo, 220 pessoas, e que tenham um grupo técnico bem organizado, assim como salas de aula, oficinas para trabalho com a participação efetiva de pedagogos, psicólogos e assistentes sociais. Além disso, é preciso que haja uma participação da sociedade civil local. É necessário também que os presos fiquem o mais próximo possível de suas famílias, porque a reintegração se faz com a aproximação das famílias. As universidades precisam entrar nos presídios para que conheçam a realidade desses ambientes e, desta forma, seja possível formar parcerias, fazer debates e propor melhorias. Essas unidades pequenas precisam de amparo social, como linhas de ônibus próximas, centros de saúde reforçados para atenderem os presos sem prejuízo para a população local.
IHU On-Line – Sobre as Defensorias Públicas, como elas funcionam? Ela tem sido uma aliada?
Padre Valdir da Silveira – A defensoria pública é um órgão necessário em todo país. Santa Catarina é o único estado do Brasil que não tem. Nós incentivamos a sociedade civil a fazer parte dessa instituição, formando uma ouvidoria com representantes de movimentos sociais da comunidade, bem como formar um conselho representativo da sociedade. A sociedade civil precisa ter um acesso direto às defensorias públicas para garantir seus direitos. Cada defensoria pública precisa, em todo país, educar a população e mostrar os caminhos, acompanhar e defender as camadas mais vulneráveis porque, no país que temos hoje, só existe quem consome. A justiça está sempre do lado oposto de quem não consome. Atualmente, há poucos defensores no Brasil. Temos um exemplo muito bonito na cidade de Dourados, no Mato Grosso, onde o defensor público vai ao presídio três vezes por semana, fala com todos os presos e, como leva seu computador, pode dar qualquer informação atualizada na frente do preso. Esta é uma luta da Pastoral Carcerária, que, em todo presídio, haja um defensor público com direitos iguais ao do Promotor, Corregedor e Juiz para entrar na hora que for necessário e inspecionar.
IHU On-Line – Qual é o perfil do preso brasileiro?
Padre Valdir da Silveira – Nós temos visto um aumento, muito tímido ainda, de pessoas com poder aquisitivo no sistema prisional brasileiro. Já encontramos também pessoas com grau de estudos alto. Mas esse dado é muito pequeno em relação à grande massa. Se compararmos com o avanço dos pobres no sistema carcerário, na verdade, nada avançou. A maior parte dos presos é jovem, pobre e semianalfabeta. Quando se vai num presídio tido como seguro, onde tem os detentos com maiores dificuldades ou que cometeram crimes mais bárbaros, é surpreendente a estrutura familiar desses presos. Quase sempre eles têm algo em comum: a violência e a droga estão presentes na família.
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A situação do preso no Brasil. Entrevista especial com Valdir da Silveira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU