14 Abril 2010
Está prevista, para o final deste ano, a próxima Cúpula do clima. Cancun, no México, receberá pesquisadores, governantes e todos aqueles interessados no tema para discutir o futuro do planeta. O objetivo é que agora se consiga produzir um acordo global com ações efetivas para combater as mudanças climáticas, diferente do que aconteceu em Copenhague, cujo resultado foi considerado um desastre com um acordo que não muda nada. “O Brasil, por exemplo, disse que só sairia de Copenhague com um protocolo ambicioso, com continuidade de Kyoto, com um novo protocolo de compromissos de longo prazo, e foi um dos países que, no momento final, fechou o tal do acordo de Copenhague que é muito fraco”, apontou o coordenador da campanha do clima do Greenpeace, João Talocchi durante a entrevista que concedeu à IHU On-Line por telefone.
Talocchi pontua fatos que precisam acontecer para que a próxima cúpula tenha resultados melhores do que a de Copenhague. “Os países precisam criar confiança uns nos outros”, indicou. Assim como aumentar a ambição em relação às metas atuais. “É preciso observar as metas colocadas por cada país e melhorar”, disse. Ele ainda fez um alerta para a população brasileira: “Eu acho importante que, num ano de eleição, as pessoas saibam procurar candidatos que tenham propostas relevantes na questão do meio ambiente, não só mudanças do clima em geral, mas em várias outras questões”.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O que precisa acontecer na próxima cúpula do Clima em Cancun, no México?
João Talocchi – Em Copenhague, a gente precisava de um acordo de clima que fosse ambicioso e que fosse justo para todos os países. Não conseguimos isso. O clima continua sofrendo os impactos das emissões de gases de efeito estufa, e a temperatura continua subindo. Isso só significa que a urgência que a gente tem para lidar com o tema agora é muito maior. Nós precisamos que esse acordo aconteça o mais rápido possível, e paralelamente às negociações precisamos que os países comecem realmente a adotar medidas que reduzam as emissões. Então, não é só continuar a negociar um acordo durante esse ano, mas sim começar a fazer acontecer, a zerar o desmatamento, mudar a matriz energética. Nós já estamos no tempo reserva, o acordo deveria ter acontecido no final do ano passado. Então, quanto mais tempo nós demorarmos para resolver essa questão, mais difícil vai ficar de se evitar as mudanças do clima mais catastróficas. Agora, o que vai acontecer em Cancun depende da vontade política dos nossos governantes. Esperamos que eles cheguem lá com a maior vontade política do mundo para que possam fazer um acordo fabuloso. Nós vamos trabalhar para isso, só que, até aí, é melhor nós perguntarmos para eles.
IHU On-Line – E o que é preciso fazer ou discutir para que o acordo seja feito?
João Talocchi – Primeiro, os países precisam criar confiança uns nos outros. Em Copenhague, uma das principais coisas que se viu foi que ninguém confia em ninguém. O país tem uma posição, chega na hora ele muda, ele faz uma coisa e faz outra. E sem confiança em um processo onde você precisa da participação de todos para provar alguma coisa, você não consegue trabalhar. A única coisa que ainda não está decidida, mas vai ser discutida numa reunião de três dias na Alemanha, é a agenda de negociação. Os negociadores precisam se encontrar mais de duas vezes antes do evento.
Outra coisa que precisa acontecer é unir as partes onde já existe consenso e consolidá-las. Então, já existe consenso de cem bilhões de dólares para financiamento. Esse número precisa crescer? Precisa. Precisa aumentar o nível de ambição? Com certeza, e isso deve estar nos textos de negociação. É preciso observar as metas colocadas por cada país e melhorar, aumentar a ambição desses países, e isso só vai vir com confiança entre eles.
Outra coisa que precisa acontecer é que se crie um mecanismo de proteção para as florestas que consiga, a partir de agora, reduzir o desmatamento ao nível zero. Uma das demandas do Greenpeace é o desmatamento zero na Amazônia, já em 2015, porque ela é a maior floresta tropical do mundo e uma fonte enorme de emissões de gases de efeito estufa.
IHU On-Line – Mas essa desconfiança gira em torno da questão econômica?
João Talocchi – A negociação de clima não é mais uma negociação de meio ambiente, ela já virou uma negociação de desenvolvimento. Você vai para uma dessas cúpulas internacionais e lá você tem gente do setor de aviação, do setor marítimo, setor agrícola, setor energético, do transporte, florestal. Você já vê ali interesses muito maiores. As reuniões que acontecem aqui no Brasil envolvem vários ministérios porque tentar fazer uma mudança envolve vários setores. Então, é uma discussão econômica com disputas entre quem vai crescer mais, quem terá a economia afetada, se vai gerar emprego ou desemprego, se vai afetar o desenvolvimento tecnológico. Existe também a questão se o país vai cumprir ou não o acordo firmado. Os Estados Unidos se recusam a assinar alguma coisa que tenha peso de lei, o que mostra que eles não estão sendo sérios em relação a isso. Então, essa confiança gira em torno de todas essas coisas e até mesmo da postura que os negociadores apresentam nas reuniões. O Brasil, por exemplo, disse que só sairia de Copenhague com um protocolo ambicioso, com continuidade de Kyoto, com um novo protocolo de compromissos de longo prazo, e foi um dos países que, no momento final, fechou o tal do acordo de Copenhague que é muito fraco e não tem ambição nenhuma e, portanto, não serve para ajudar o planeta.
IHU On-Line – Quais são os aspectos positivos e os limites da proposta brasileira de redução de emissão de gases?
João Talocchi – O Brasil colocou uma meta de redução de gases baseada numa projeção futura. O registro das emissões totais brasileiras é de 1994, ou seja, não leva em conta nem o plano real, é uma proposta que tem alguns pontos fortes, mas precisa ser mais ambiciosa. O desmatamento, por exemplo, ela prevê a redução de 80% na Amazônia, em 2020. Isso comparado com a meta do Greenpeace, com o desmatamento zero na Amazônia em 2015, significa que a meta do governo pretende derrubar um bilhão de árvores na floresta e depois continuar desmatando, porque a meta do governo nunca chega a zero. A meta zero não significa que você não vai poder usar a floresta de maneira sustentável, significa que não teremos mais desmatamento predatório.
Na área energética, temos o incentivo de bilhões de reais para grandes usinas hidrelétricas, que têm um impacto sócio-ambiental gigantesco e, às vezes, também gera emissões de gases de efeito estufa devido à degradação da matéria orgânica no reservatório, e temos um incentivo muito pequeno às energias renováveis e aos pequenos aproveitamentos hidrelétricos. Então, precisamos ter políticas muito mais sérias e implementá-las. Hoje, o que temos é uma lei voluntária.
IHU On-Line – Então, como você disse, a COP-15 foi considerada um desastre. Um acordo continua sendo difícil?
João Talocchi – A gente vai caminhando para um acordo, mas essa caminhada só vai acontecer se a população mostrar interesse e tiver vontade de incluir, no seu voto e na sua decisão política, a questão do clima. Precisamos disso priorizado, precisamos discutir isso não só nos fóruns de clima, mas também nos fóruns econômicos, de desenvolvimento etc. Se isso começar a acontecer e a população começar a pressionar os governantes, podemos caminhar mais rápido na direção de um acordo global.
IHU On-Line – E o que está travando a evolução de um acordo sobre o clima?
João Talocchi – É a desconfiança e os grandes interesses privados. Dentre os maiores emissores, Europa, EUA, China, você tem um lobby contrário à redução de emissões feita pelas empresas que poluem, que geram emissões. Nos EUA, há várias empresas investindo em pesquisas científicas fraudulentas, que tentam destruir a credibilidade da ciência do clima. O Greenpeace lançou recentemente um relatório que fala exatamente disso, sobre empresas que produzem energia a partir da queima de carvão mineral, que é a maior fonte de emissões global, e todas essas empresas trabalham dentro do Congresso com um lobby pesado para evitar que os EUA tenham uma legislação do clima. Com isso, eles evitam que o país assine qualquer compromisso internacional. A mesma coisa acontece na Europa onde esse lobby também existe. Na China, na Índia, no Brasil, esse movimento contrário, focado no interesse de somente alguns setores, também existe.
Ao mesmo tempo, você vê estudos mostrando que investimentos em energias renováveis e redução de emissão e desmatamento são cada vez mais importantes e mais rentáveis. O mercado de energias renováveis na China e nos EUA cresce a níveis absurdos. Você hoje tem instalações eólicas e solares sendo feitas pelo mundo, e isso está empregando muita gente e dando muito retorno. O Brasil está ficando para trás porque não tem uma política que incentive as energias renováveis, e a questão da redução do desmatamento ainda anda em passo muito lento com ações que não resultam numa economia realmente sustentável.
IHU On-Line – Nas últimas semanas, as teses dos que negam ou relativizam o aquecimento global têm recebido um espaço maior na mídia. A que você atribui a exposição maior dessas ideias?
João Talocchi – Essas ideias começaram a receber maior exposição devido ao fato de que a questão do clima também passou a ter maior exposição. Entretanto, é muito perigoso olhar para essas ideias quando elas aparecem num debate como se fossem defendidas por grupos de igual tamanho. Os céticos são um grupo muito pequeno, só que, quando a mídia dá espaço para essas posições, ela fala com o cético e com cientista de clima e aí parece que a coisa é de um para um. O IPCC é formado por pesquisadores de todos os países que fazem parte da convenção de clima, tem um trabalho voluntário revisando todo o conhecimento científico sobre o tema e produz um relatório que passa por muitas pessoas, recebe comentários, tem mais de três mil páginas, cita mais de 18 mil artigos científicos, e a população não sabe disso. E aí, elas ouvem os céticos que estão ali, às vezes, recebendo dinheiro do lobby das empresas sujas para fazer o seu trabalho sujo para falar contra as pesquisas. Só precisamos que a mídia dê a atenção certa e mostre as opiniões nas devidas proporções que deveriam receber.
IHU On-Line – Qual é o peso que a história dos e-mails roubados de climatologistas da Universidade de East Anglia tem nesse contexto?
João Talocchi – Isso jogou contra os céticos, porque eles `hackearam` emails, divulgaram os conteúdos, brincaram com alguns termos. Entre milhares de emails, eles acharam dois ou três que poderiam ter alguma coisa, mas, no final, as investigações que foram conduzidas na Inglaterra provaram que de maneira alguma esses e-mails podem diminuir a credibilidade que se tem nos cientistas. E os cientistas que escreveram os e-mails que causaram polêmicas foram inocentados porque, na verdade, quem estava expondo o conteúdo e pensando em criar uma conversa em cima deles fazia mau uso dos termos que estavam ali colocados para tentar causar um mal-estar durante a cúpula do clima, em Copenhague. Eu estava lá, e um dos países que mais bloqueia as negociações, por motivos óbvios, é a Arábia Saudita, que é um grande produtor de petróleo, e, logo no primeiro dia, falaram que tínhamos que rever tudo em função desses e-mails, e nenhum país deu bola. Foi um tiro pela culatra essa tentativa dos céticos dizerem que os e-mails podem falar que existe um complô para falar do clima.
Quem me dera a ciência estivesse errada, e não estivesse acontecendo mudança no clima alguma, preferia trabalhar com essa possibilidade, mas não é o que acontece.
IHU On-Line – Mas o que de fato aconteceu?
João Talocchi – Ninguém sabe de fato quem `hackeou`. Só se sabe que esses e-mails apareceram e que foram usados para tentar diminuir a credibilidade dos pesquisadores. Provavelmente, temos a influência do lobby das empresas poluidoras por trás disso, mas isso não foi comprovado.
IHU On-Line – Recentemente, o Greenpeace divulgou um estudo em que revela que os ecocéticos são financiados por grandes corporações empresariais. Quem são os financiadores dos ecocéticos e que estratégia utilizam?
João Talocchi – Esses financiadores são as grandes empresas que emitem gases de efeito estufa no seu processo produtivo: empresas de petróleo, de carvão, de transporte e de desmatamento. Fora do Brasil são, principalmente, empresas que trabalham com combustíveis fósseis.
IHU On-Line – No Brasil, há grupos que financiam pessoas ou instituições para desacreditar o aquecimento global?
João Talocchi – Aqui, no Brasil, eu não sei se isso acontece. Temos filiais de empresas que financiam esses grupos mundo afora, mas ainda não existe nenhuma ligação entre essas empresas e os pouquíssimos contestadores das mudanças do clima no país. Esses contestadores brasileiros são um grupo muito pequeno de pessoas.
IHU On-Line – Estamos em ano de eleições aqui no Brasil. Como você acha que a questão do clima deve entrar nesse debate?
João Talocchi – Eu acho importante que, num ano de eleição, as pessoas saibam procurar candidatos que tenham propostas relevantes na questão do meio ambiente, não só mudanças do clima em geral, mas em várias outras questões. Temos problemas na Amazônia, nas áreas marinhas, precisamos dar mais atenção ao oceano no Brasil , que é uma questão que ainda não é tratada com a devida importância. Precisamos proteger os biomas do cerrado, caatinga, Mata Atlântica, os pampas no sul do Brasil. E, com isso, precisamos criar uma economia que seja sustentável, ou seja, um novo modelo econômico não só com energias limpas e com redução do desmatamento, mas que se mude a maneira de produzir e consumir. Tudo isso tem que ser levado na hora de votar. População: olhos abertos!
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Amazônia. 2015, desmatamento zero. Entrevista especial com João Talocchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU