23 Outubro 2009
Investir numa fantasia estética é, segundo a jornalista Lu Catoira, um poder do jeans. Ela, que acaba de lançar um livro sobre moda jeans, fala, na entrevista que concedeu à IHU On-Line por telefone, sobre os comportamentos e estilos que esse modelo influenciou. “O jeans ultrapassa as fronteiras, ele transcende realmente a moda, as classes sociais, os sexos, as categorias de trabalho, e vai entrando por todas as áreas”, afirma ela, que aponta as formas como essa moda representa nossa sociedade atual.
Lu Catoira trabalha há 30 anos com moda. Jornalista e publicitária, ela acaba de lançar o livro Moda Jeans, Fantasia Estética Sem Preconceito (São Paulo: Ideias e letras, 2009), uma continuação, como ela mesma diz, de Jeans, A Roupa Que Transcende a Moda (São Paulo: Ideias e Letras, 2006). Foi coordenadora da Faculdade de Design de Moda do Senai-Cetiqt, RJ.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Você diz, em seu livro, que o jeans age como um código no nosso consciente. E como ele transcende, portanto, nas nossas ações?
Lu Catoira – O jeans tem esse poder. Acho uma coisa meio mágica, a dinâmica dele faz com que possamos investir em uma fantasia estética, ou seja, você vai vestir o que quer. Inclusive, pelo sistema da moda, temos os dois modos de vestir. Se veste por que se quer fazer parte de um grupo de uma maneira mimética ou pela individualidade, pelo gosto próprio. Estas duas maneiras vão formando seus códigos, são os códigos de linguagem, que teremos através da imagem que foi criada.
IHU On-Line – O jeans, como é usado hoje, representa de que forma a sociedade atual?
Lu Catoira – Por todos os caminhos, ele representa todas as classes sociais. O jeans é um produto globalizado, vem ganhando cada vez mais o espaço na moda. Ele tem essa parceria com seus grupos sociais, desde uma pessoa que compra um jeans de vinte reais, um jeans de trabalho e do dia-a-dia, quanto um grupo específico que compra aquele jeans Premium, que vai custar quase três mil reais. Na verdade, o jeans ultrapassa as fronteiras, ele transcende realmente a moda, as classes sociais, os sexos, as categorias de trabalho, e vai entrando por todas as áreas. Este segundo livro que escrevi completa o primeiro por conta de como é que o jeans entra nesta comunicação. Esta área de consumo é muito vista hoje, um consumo dirigido, as pessoas já “fazem” a cabeça para poder comprar o que querem. Não existem mais aquelas barreiras da moda, barreiras sociais. A moda era muito ditadora, você não podia usar um jeans em uma igreja, na noite. Hoje, isso tudo foi quebrado. O jeans faz parte deste mundo totalmente globalizado.
IHU On-Line – O que a história do jeans fala sobre a nossa própria história?
Lu Catoira – Ela entra pelo lado dos jovens, principalmente. A história do jeans, que começou como produto de calça de mineradores, totalmente ligado ao trabalho, e, durante muitos anos, permaneceu assim. As classes trabalhadoras foram assumindo que era um produto que dava conta de aguentar o dia-a-dia do trabalho mais pesado. Quando ele entra na área dos jovens, dos rebeldes sem causa, através do cinema, que foi uma grande mídia na época, há uma grande identificação por parte deste público. O jeans ganhou espaço na nossa moda a partir do final dos anos 1940 para 1950, principalmente, por meio da música como, por exemplo, o rock, e virou uma coisa global. Faz parte da nossa vida tanto quanto fez parte da vida geral do mundo ocidental.
IHU On-Line – Qual é a fantasia estética que o jeans expressa?
Lu Catoira – Vai expressar de acordo com que a pessoa quer aparentar. Se ela está fazendo parte de uma
o jeans no estilo punk e hippie |
tribo, como o punk, o new hippie ou até um tipo rastafári, ela vai se vestir exatamente da maneira que aquele grupo é reconhecido. A fantasia estética de cada um está de acordo com seus elementos estéticos que vão compor este visual, essa imagem. Não existe uma só fantasia estética, existe para cada grupo. Um exemplo é um executivo: não existe uma tribo de executivos, mas eles geralmente vestem terno. Na sexta-feira, um executivo pode estar mais livre, hoje já se tem esta ideia de não ter que usar terno e gravata, e se ele está com um jeans legal ele pode ir para a noite. Isto quer dizer que cada um vai usar os elementos ligados exatamente ao seu grupo nesta linguagem estética, e o jeans vai fazer parte de todas as tribos. Hoje, por exemplo, há o jeans Premium, antes não saíamos muito de jeans. Nos anos 1980, começou a história do jeans na noite por conta das festas disco, até então, não era permitido esse tipo de imagem em uma boate. Na verdade, cada fantasia estética é criada pelos elementos dos grupos.
IHU On-Line – Qual a relação que o jeans faz com que o mercado, a mídia e o consumidor estabeleçam?
Lu Catoira – Hoje, o consumidor já é o foco de pesquisa de cada grife. A grife não vai simplesmente fazer o que a moda pede, ela vai em cima do seu consumidor, faz uma pesquisa com ele. Na parte da mídia, o jeans entrou superbem porque ele vai retratar o público a quem essa mídia está direcionada. Por exemplo, em um anúncio de seguros, não se vê mais a personagem de terno e gravata, em uma linha executiva, se vê uma pessoa jovem, de jeans, sapato, com uma camisa social e de mochila, entrando em um banco. Isso mostra esta ideia do jovem sempre estar neste mercado. E o jeans, mesmo que seja em uma pessoa mais velha, vai fazer aparentar que ela é mais jovem e dinâmica. A mídia utiliza este jeans, vemos isto em vários anúncios, sempre quando querem mostrar uma pessoa que é dinâmica e com espírito jovem. Além disso, se vê pelos grandes eventos de moda, mesmo o São Paulo Fashion Week e o Fashion Rio, a quantidade de grifes que apostam no jeans. A grife pode ter uma linha que não seja jeanswear, mas tem o jeans na sua coleção. A mídia completa, exatamente, esta área da comunicação, ela vai reforçar todas as ideias desta juventude do jeans, é uma parceria. A pessoa veste o jeans e mostra que um determinado produto é atual e, ao mesmo tempo, está se mostrando como consumidora. Na área de imagens e notícias, sempre se vê o jeans como um grande apelo pela mídia.
IHU On-Line – Voltando mais para a questão da moda, porque sentimos a necessidade de seguir a moda?
Lu Catoira – É uma questão muito cultural e social. No sentido de aceitação do grupo que se pertence, ou naquele que se pretende fazer parte, há uma grande preocupação no se vestir. Muitas vezes, as pessoas até procuram ou gostam muito de um determinado modo de se vestir, mas na hora que vai procurar um emprego ou trabalhar, se obriga a vestir-se de outra maneira, da maneira do seu grupo. Há necessidade de estar inserido socialmente. Este é o principal foco da moda. Hoje, por mais que haja liberdade de estilo, se você for trabalhar com um executivo e usar aquelas grandes ombreiras, com mangas enormes, os botões mais baixos, que eram as roupas dos anos 1980, as pessoas irão olhar e dizer que está fora de moda. Por mais que hoje se comece a usar os ombros mais marcados e os volumes mais acentuados, as roupas de época ficam como roupas de época, o que pode deixar alguém “fora de moda”. Isto tudo vem muito do social. No momento em que não se pode usar o jeans skinny que é superjusto no corpo porque pode marcá-lo, com certeza, irá se usar um jeans mais reto, não precisa ir para os exageros. Mas, para estar inserido na moda, não se usará aquelas calças com cintura clochard, porque ainda não voltou esta moda, neste momento a cintura está um pouco abaixo ou no umbigo. Então, você vai se inserindo nesses desejos de moda por conta disso, para sempre ser aceito pelo grupo social.
IHU On-Line – O jeans também tem uma ideologia? Qual é a ideologia dele hoje?
Lu Catoira – O jeans continua com a mesma ideologia. Primeiro, se compra o jeans por ser um produto durável, se vê isso inclusive em classes mais baixas, que compram um jeans mais clássico e que dura muito, ou até o mais exótico, como o de funk, que é um jeans mais justo e baixo, por fazer parte do grupo deles. Compra-se o jeans por estar na moda, por ser um produto durável, e também traz embutida esta ideia do jovem, que não tem idade para se vestir. Se você viajar para qualquer lugar, você observará que a maioria das pessoas está com jeans. O que pude observar na Europa e América do Sul é que é incrível como as pessoas realmente têm o jeans como um parceiro. E tem aquela coisa também de que não se erra muito com o jeans, é só você fazer seus acessórios de acordo com o momento que irá vestir. Acho que esta ideologia do jeans, de ser jovem, um produto durável, que não se erra quando o veste, continua, mas se o jeans será rasgado, desfiado, cheio de estampa, alfinetes, cheio de sobreposições, vai depender do ideal de cada grupo.
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"O jeans faz parte deste mundo totalmente globalizado". Entrevista especial com Lu Catoira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU