18 Setembro 2009
Silvio Weber é padre da Diocese de Santa Maria, RS, e, há mais de dez anos, trabalha produzindo material de rádio, jornal e fazendo assessoria de imprensa para a instituição católica. O tema da pesquisa da sua dissertação foi exatamente o jornalismo católico que, por todo esse tempo, ajudou a construir. A IHU On-Line conversou com Silvio sobre trabalho, mas também abordou, nesta entrevista realizada por telefone, questões como a disputa entre e a Record e a Globo, uma ligada abertamente à Igreja Universal do Reino de Deus, e a outra se apoiando estrategicamente na estrutura da Igreja Católica para manter sua hegemonia no país. “Há uma disputa pelo monopólio que hoje está nas mãos da Globo, que não quer perder isso. Já a Record tem como meta ser a maior rede de televisão do Brasil. A Globo sabe disso e, portanto, nasce uma verdadeira guerra nos bastidores”, enfatiza.
Silvio Weber é graduado em Teologia pelas Faculdades Palotinas, e em Filosofia pelo Centro Universitário Franciscano. Na Unisinos, realizou o seu mestrado em comunicação. Desde 1996, é pároco na diocese de Santa Maria.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como surgiu a ideia de abordar o jornalismo católico em sua dissertação?
Silvio Weber – Trabalho com comunicação na Igreja Católica há mais de dez anos. Faço jornal, rádio e assessoria de imprensa. Senti uma necessidade de aprofundar e abastecer mais teoricamente a questão comunicacional. Conversando com as pessoas e com o próprio professor Fausto Neto, meu orientador, que sugeriu que se fizesse um trabalho sobre um dos jornais que sou responsável em Santa Maria, o jornal da diocese, que é o jornal Santuário. A ideia foi aprofundar esta questão do jornalismo e a questão comunicacional, tendo como referência um veículo de comunicação que é institucional, trazer isto para o campo acadêmico e teorizar esta experiência. Foi algo muito interessante, pois a experiência deste veículo chama a atenção dos professores.
IHU On-Line – Para você, quais são as diferenças entre o jornalismo católico e a comunicação laica?
Silvio Weber – A comunicação e jornalismo católico têm alguns condicionamentos, não estão totalmente livres e autônomos para abordar os acontecimentos da sociedade de maneira imparcial. O jornalismo católico tem os condicionamentos da instituição igreja que o deixa, de certa forma, limitado. Por exemplo, um veículo que é católico não vai abordar algumas coisas por uma questão da instituição, no caso de algum problema da Igreja Católica ou algo interno. Pode-se constatar isto não só em jornais, mas em rádios, TVs, que o jornalismo católico tem estes condicionamentos. Constatei também, fazendo esta pesquisa, que os jornais, rádios e TVs acabam tendo uma programação bastante voltada para o mundo eclesiástico e institucional, muitas vezes, devocional e tendo pouco espaço para abordar questões sociais e problemas do dia-a-dia. Coloco na conclusão que este parece um dos desafios. A imprensa laica, via de regra, parece mais autônoma e ela está mais voltada para os problemas sociais do mundo, embora a imprensa laica não esteja totalmente livre e sem condicionamentos. Os veículos de comunicação laicos, como empresas, visam lucro e tem seus condicionamentos, muitas vezes políticos, pois, estão dependentes de verbas públicas e acabam tendo seus conchavos políticos e com grandes empresas que, dependendo da questão, vai condicionar o agendamento de determinados assuntos a partir da questão comercial. Pesquisando e olhando o cotidiano destas empresas de comunicação, se vê que são bastante condicionadas pela questão econômica. Na imprensa católica não é questão financeira, é a questão ideológica que condiciona, e, na laica, é a questão financeira que coloca muitos condicionamentos e até mesmo limitações. O grande diferencial é que a imprensa laica está com seu foco voltado para a sociedade e os problemas desta, isso percebi avaliando e fazendo paralelos entre a imprensa laica e a católica. O desafio da imprensa católica é abrir-se mais para o mundo e abordar os problemas da sociedade no dia-a-dia.
IHU On-Line - Em 2002, o Papa João Paulo II disse que ser jornalista católico "significa ter o valor de dizer a verdade, mesmo quando esta representa um inconveniente ou não é considerada ‘politicamente correta’”. O que o senhor acha desta afirmação?
Silvio Weber – O Papa João Paulo II foi o grande papa da comunicação, que esteve na mídia e soube usá-la muito bem para a evangelização. Ele tinha uma preocupação muito grande em anunciar o evangelho de Jesus Cristo para nações e povos que ainda não tinham ouvido falar de Jesus, e ele tinha vários documentos e cartas apostólicas sobre a comunicação e os jornalistas. Ele tinha um carinho muito grande pelos jornalistas e sabia do trabalho importante que eles continuam fazendo. O jornalista católico
deve zelar e ter como parâmetro os valores éticos e morais, e esta é a grande orientação da Igreja Católica. Porém, acho que a Igreja Católica e os jornalistas católicos têm duas limitações: uma é o condicionamento ideológico, e a outra é que os próprios veículos católicos enfrentam dificuldades financeiras, e nem sempre têm esta possibilidade de trabalhar e entrar em outros campos e, às vezes, não têm muita estrutura técnica para isso. Concordo plenamente com o Papa João Paulo II, mas mostrar isso no dia-a-dia, no trabalho como jornalista católico é um desafio.
Ainda tem muito a ser caminhado e avançado no sentido dos veículos de comunicação e do jornalista católico ser um porta-voz da ética, da justiça, da denúncia e dos problemas da sociedade. Por exemplo, hoje vivemos bombardeados pela imprensa com corrupções no mundo político. Acho que este é um dos papéis da imprensa é trazer à tona para a sociedade essas mazelas da política brasileira. Parece-me que os veículos católicos acabam ficando muito na questão mais religiosa em si e muito tímidos no sentido de serem aqueles grandes representantes do povo, da justiça, da ética e da verdade, denunciando. Acho que os pequenos jornais da Igreja Católica têm mais liberdade, e algumas emissoras de TV não estão iguais a alguns grandes veículos, limitados até pela questão financeira. Sabe-se que algumas redes de televisão da Igreja Católica no Brasil estão sobrevivendo devido a alguns contratos e muitas verbas de governos estaduais, assembleias e federal. Isso acaba se tornando uma limitação na editoria jornalística. Acho que, o Papa coloca este lado nobre do jornalista e como jornalista católico ter por excelência o cultivo desses valores, mas como se vai repercutir isso como jornalista, como comunicador? Eu vejo muitos condicionamentos. Há um campo enorme a ser refletido, debatido e, acima de tudo, ser concretizado e transparecer isso no trabalho dos jornalistas.
IHU On-Line - Quais são os pontos positivos e negativos da promoção da religião através das mídias de massa?
Silvio Weber – O ponto positivo é que hoje, mais do que nunca, a mídia de massa é o grande púlpito de comunicação e de contato com a população. Temos a necessidade crucial de entrar na grande mídia de massa para dar visibilidade à Igreja Católica e seus projetos que estão sendo desenvolvidos, e anunciar que a Igreja também tem sua opinião em relação às coisas do mundo. O ponto negativo é que, no passado, a Igreja Católica já usou e já esteve muito mais presente na grande mídia com posicionamentos a respeito dos problemas do Brasil, olhando de modo mais localizado. A Igreja tinha muito mais visibilidade, mas isso é consequência, também, de uma ação efetiva mais concreta, um posicionamento mais firme, que a própria CNBB tinha nos anos 1970 e 1980 em relação aos problemas da sociedade. A CNBB era o grande referencial do povo diante dos problemas. Hoje se percebe muito pouca visibilidade da Igreja Católica nos grandes meios de massa, principalmente quando se trata de problemas sociais. Mas quando não se tem um posicionamento firme e se fica tímido, a grande imprensa não vai dar esta visibilidade. Acho que a Igreja Católica no Brasil tem uma força muito grande e poderia, a partir disso, ter mais visibilidade na grande mídia. A Igreja tem a sua posição, mas está tendo certa dificuldade em ser mais firme e causar impacto. O que é uma pena, pois acaba naquele lema da comunicação que não é vista e não é lembrada e que acaba perdendo espaço. Isso não é bom, olhando pelo lado profético que a Igreja tem como pauta, de ser profética e anunciadora do evangelho.
IHU On-Line – O senhor acha que o processo de midiatização também incentiva o desenvolvimento das mídias jornalísticas religiosas?
Silvio Weber – Claro, pois o processo de midiatização abrange toda a sociedade e a Igreja não está fora. Há vários exemplos do esforço da Igreja de tentar sobreviver neste mundo, nesta sociedade midiatizada. Acho que a Igreja vive um certo tencionamento interno, pois os próprios bispos, padres e a hierarquia da Igreja tem de se adequarem, devido a midiatização, tem de se adequar ao novo mundo midiático que vivemos hoje. Existem alguns padres e bispos que estão se saindo melhor nesta situação, conseguindo via mídia desenvolver um trabalho midiático. E existe um outro lado onde padres e bispos que estão tendo muitas dificuldades de se adequar a este mundo, que mudou completamente. E isto é muito complexo, pois envolve desde a linguagem que se usa, é uma mudança muito radical se olharmos trinta anos para trás. Isto é uma preocupação que vem desde o Papa Bento XVI, da hierarquia da Igreja na América Latina, até das próprias lideranças da Igreja Católica laicas, no sentido de haver uma grande preocupação. Se percebe também que algumas Igrejas Pentecostais tem muita facilidade de lidar com o mundo midiático, e a Igreja pela sua tradição vem muito condicionada de uma metodologia rural de ter que se adaptar a questão urbana e teve muitas dificuldades também para correr atrás do tempo, e ainda hoje é um grande desafio a questão da organização na cidade e já veio junto a questão do mundo midiático, desafio maior ainda. A Igreja tem consciência desses desafios do mundo que estamos vivendo, da realidade urbana, do desafio do mundo midiático, mas também sabe das suas limitações e precisa se preparar para isto.
IHU On-Line – Na tese em que trabalha o jornalismo no jornal “O Santuário”, que diferenças podem ser vistas entre o jornalismo católico e jornalismo de outras religiões que também seus próprios veículos?
Silvio Weber – O jornal que pesquisei é diferenciado, é um jornal da Igreja Católica. A certa altura da história, ele passou a ser um veículo oficial da diocese e, por um tempo, foi um órgão oficial onde veiculava questões de documentos da Igreja, noticiando coisas devocionais e da instituição. Depois em um período, o jornal voltou às suas raízes. No início, ele era um jornal de bairro que tinha um foco mais geral, mas, de 2005 para frente, ele foi mudando. A equipe que assumiu deu um novo direcionamento, abrindo espaço para as comunidades e para o mundo institucional. Neste sentido, hoje, ele é uma experiência quase que única no Rio Grande do Sul desta modalidade de trazer vida de um ângulo comunitário, em que as comunidades mandam as suas notícias e fotos, e, de outro lado, o campo religioso específico onde são colocados os agendamentos do seu mundo. Ele é uma experiência interessante porque abre, nele mesmo, espaço para estes dois mundos. Há um questionamento muito grande, coloco isso quando entro na pesquisa sobre o jornal, de disputa por espaço. E esta disputa não é somente por visibilidade de campos diferentes, mas de um projeto diferente, até mesmo da Igreja. A outra disputa é pela visibilidade do mundo institucional. Os dois mundos disputam este espaço, mas, por detrás disso, há uma questão ideológica. Acho que o tencionamento faz bem, também, porque os coloca em choque e em questionamento. É um veículo que tem esta experiência diferenciada no RS pela maneira como o processo de produção deste jornal se diferencia dos outros. É um veículo que não visa ser uma grande mídia, ser o condicionador do que as pessoas irão fazer.
Se você observar, a Folha Universal é um jornal que tem por detrás dele grandes interesses ideológicos, mercadológicos e também políticos. Esse jornal quer ser um jornal, de fato, que mexa com a opinião das pessoas, quer ser um grande veículo, quer ter capacidade de mobilizar e de mudar as rotinas da vida das pessoas. Ele não consegue fazer isso, em minha opinião, embora seja a intenção da Igreja Universal do Reino de Deus, assim como a Rede Record. Desta maneira, se constrói um monopólio de comunicação que com força para condicionar as pessoas. Os veículos da Igreja Católica, de certa forma, não têm esses interesses, pelo menos não expressos claramente. Sua orientação é que a instituição não se envolva diretamente nessas mídias. Aliás, a Igreja Católica sempre foi porta-bandeira da democratização dos meios de comunicação, e contra o monopólio. E esse é o grande diferencial entre a Igreja Católica e a Igreja Universal do Reino de Deus, no sentido da visão comunicacional.
IHU On-Line – Como você vê essa luta que está sendo travada entre a rede Record e a Rede Globo?
Silvio Weber – Tenho conversado muito com alguns executivos da comunicação sobre isso. Há uma disputa pelo monopólio que hoje está nas mãos da Globo, que não quer perder isso. Já a Record tem como meta ser a maior rede de televisão do Brasil. A Globo sabe disso e, portanto, nasce uma verdadeira guerra nos bastidores. A Globo quer manter sua hegemonia, seu poder de derrubar e eleger. A Record é uma grande ameaça hoje. Com isso, a Globo vê, na Igreja Católica, um grande aliado para não perder seu monopólio, porque o Brasil é o maior país católico do mundo. Conforme apontam as pesquisas, mais de 70% dos brasileiros se dizem católicos, o que é muito, diante da quantidade de religiões que existem. A Globo vê, então, isso como uma estratégia de se manter firme no seu monopólio. Essa é uma forma de combater a Igreja Universal e, assim, atingir também a Record.
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"A mídia de massa é o grande púlpito de comunicação". Entrevista especial com Silvio Weber - Instituto Humanitas Unisinos - IHU