25 Julho 2009
No 12º Encontro Intereclesial das CEBs, que aconteceu em Rondônia, os mais de três mil participantes puderam constatar que os problemas de outras partes do Brasil estão sendo “empurrados” para a Amazônia, acentua o sociólogo Pedro Ribeiro de Oliveira. Ele explica: “Agora mesmo, para tirar o Brasil de um déficit energético e aumentar exportações, o governo abre a Amazônia para as hidrelétricas, fecha os olhos ao desmatamento, faz de conta que os povos indígenas nem existem, libera as mineradoras, enfim, faz tudo por um punhado de dólares”. Nos dois dias restantes, 23 e 24 de julho, será feita uma avaliação da “responsabilidade de cristãos e cristãs diante dessa ameaça à vida e traçaremos pistas de ação para construirmos um outro Brasil possível, na esperança de uma nova Terra”, disse Oliveira na entrevista concedida com exclusividade, por e-mail, à IHU On-Line.
A relação fé e política é outro tema examinado pelo sociólogo, que classifica essa característica como o jeito de ser das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). O postulado de que uma fé sem obras (políticas) é morta norteia o agir das CEBs. “É na atuação política – aqui entendida no seu sentido amplo, de ação na sociedade humana e na grande comunidade de vida do Planeta – que se prova a fé de uma Igreja. Não é contando o número de pessoas presentes na missa ou nos cultos que se mede a vitalidade de uma Igreja, mas sim na sua capacidade de contribuir para o clima moral – para o ethos – da sociedade onde ela está inserida”. Ele aponta a importância dos exemplos de Bolívia, Equador e Venezuela na construção de “um outro mundo possível”, dando a devida importância aos povos indígenas e às classes populares. Temos muito a aprender com eles, garante.
Pedro Ribeiro de Oliveira é doutor em Sociologia pela Universite Catholique de Louvain, na Bélgica. Atualmente, é professor da PUC Minas. Dentre suas obras, destacamos Fé e Política: fundamentos (Aparecida: Idéias & Letras, 2004), Reforçando a rede de uma Igreja missionária (São Paulo: Paulinas, 1997) e Religião e dominação de classe (Petrópolis:Vozes, 1985).
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como os problemas conjunturais de Rondônia aparecem no 12º Encontro Intereclesial das CEBs, por exemplo, as barragens, as hidrelétricas, a explosão das migrações e a situação dos encarcerados no presídio Urso Branco?
Pedro Ribeiro de Oliveira - Desde sua preparação, este Encontro Intereclesial foi pensado como uma oportunidade para que representantes das bases eclesiais católicas de todo o Brasil conhecessem de perto a realidade da Amazônia e, naturalmente, de Rondônia. Usando o clássico método ver, julgar e agir, o Encontro iniciou-se com o olhar sobre a realidade amazônica. No primeiro dia foram retomados os temas tratados no Texto-base e no dia seguinte foram visitadas as populações mais sofridas da região. Uma dessas visitas foi justamente ao presídio Urso Branco, da qual Dom Moacyr, arcebispo de Porto Velho, voltou confortado por constatar que a situação dos presos melhorou muito, em relação ao descalabro anterior. Mas os temas que mais têm interessado aos participantes são o desmatamento para a expansão do agronegócio e a construção de barragens para a exportação de energia.
IHU On-Line - O que caracteriza hoje a base da Igreja latino-americana e brasileira?
Pedro Ribeiro de Oliveira - A base da Igreja católica no Brasil (pois não me sinto em condições de falar sobre toda a Nossa América) continua sendo a mesma dos últimos trinta anos: o povo das periferias urbanas e zonas rurais que se organiza para expressar a fé cristã a partir das comunidades de vizinhança. O que mudou foi mais a forma de atuação de muitos padres, atualmente mais orientados para a distribuição dos sacramentos e menos tocados pelos problemas sociais e econômicos do povo. Essa atitude dos padres pode levar as CEBs a perderem uma de suas principais características, que é a sua capacidade de celebrar e rezar sem deixarem de lutar.
IHU On-Line - Como a força dos movimentos sociais latino-americanos aparece nas CEBs do Brasil?
Pedro Ribeiro de Oliveira - Pode-se perceber essa influência por dois lados. O primeiro, é que governos de países vizinhos – notadamente Bolívia, Equador e Venezuela – mostram que é possível abandonar as receitas do Banco Mundial e buscar um desenvolvimento nacional a partir dos povos indígenas e das classes populares. Por outro lado, os movimentos sociais que proclamam “um outro mundo possível” nos interpelam a sermos mais firmes na busca de mudanças socioeconômicas estruturais capazes de romper com a lógica do lucro que rege a economia capitalista. Olhando para nossos vizinhos, vemos que temos muito a aprender com eles.
IHU On-Line - As CEBs têm conseguido viver o catolicismo mais popular? Elas têm conseguido cumprir com a missão de ser “fermento na massa”?
Pedro Ribeiro de Oliveira - Este é um ponto difícil para as CEBs, porque grande parte dos fieis católicos espelha-se nas celebrações midiáticas e esperam que suas comunidades também espetacularizem as celebrações, ou, pelo menos, as tornem mais emocionais. Uma celebração que procure fazer a memória de Jesus Cristo como anunciador do Reino que se constrói na história, não traz a massa católica para a Igreja... Tenho a impressão que a grande massa está à espera de milagres, de acontecimentos prodigiosos a serem realizados por Deus para provar seu poder, mais do que do anúncio que as CEBs fazem desde que se constituíram: o anúncio de que Deus ouve o grito dos pobres e das excluídas, e caminha conosco quando nos organizamos e assumimos as rédeas do processo de libertação. Mas não é esse tipo de milagre que a grande massa procura.
IHU On-Line - Qual a importância da questão de “conhecer, para amar e transformar” dentro do contexto do 12º Intereclesial?
Pedro Ribeiro de Oliveira - O método clássico das CEBs é “ver, julgar e agir”. Nele reside a estrutura metodológica deste Encontro Intereclesial. Os dois primeiros dias foram dedicados a ver a realidade da Amazônia e do Brasil. Tomamos consciência de que foram – e estão sendo! – empurrados para ela os problemas do resto do Brasil. Agora mesmo, para tirar o Brasil de um déficit energético e aumentar exportações, o governo abre a Amazônia para as hidrelétricas, fecha os olhos ao desmatamento, faz de conta que os povos indígenas nem existem, libera as mineradoras, enfim, faz tudo por um punhado de dólares. Nos outros dois dias será feita uma avaliação da nossa responsabilidade de cristãos e cristãs diante dessa ameaça à vida e traçaremos pistas de ação para construirmos um outro Brasil possível, na esperança de uma nova Terra.
IHU On-Line - Considerando a múltipla crise que assola o mundo hoje (econômica, ambiental, política e de valores humanos), quais as ações que podem ser pensadas para vislumbrarmos uma alternativa para a humanidade? Isso tem sido discutido no encontro em Rondônia?
Pedro Ribeiro de Oliveira - Mais do que projetar ações – algo que compete aos movimentos sociais e partidos políticos – as CEBs estão avançando na construção de uma nova forma de consciência, forma que podemos chamar de planetária por ser intimamente relacionada com a vida da Terra. Na medida em que as CEBs formulam e difundem essa consciência de sermos todos parte da grande comunidade de vida, elas criam um novo patamar de onde se pode ver a crise atual sob nova perspectiva. Em lugar de múltiplas crises, perceber uma única crise: a crise do sistema produtivista-consumista regido pela lógica do mercado capitalista. Talvez a grande referência das CEBs hoje seja Paulo Freire como mestre na criação de uma nova consciência do oprimido e da oprimida.
IHU On-Line - Como tem aparecido no encontro a relação entre fé e política?
Pedro Ribeiro de Oliveira - Essa relação hoje já faz parte do jeito de ser das CEBs. Ela não aparece explicitamente como objeto de reflexão ou de debates, mas como um postulado: uma fé sem obras (políticas) é morta. É na atuação política – aqui entendida no seu sentido amplo, de ação na sociedade humana e na grande comunidade de vida do Planeta – que se prova a fé de uma Igreja. Não é contando o número de pessoas presentes na missa ou nos cultos que se mede a vitalidade de uma Igreja, mas sim na sua capacidade de contribuir para o clima moral – para o ethos – da sociedade onde ela está inserida.
IHU On-Line - Qual a avaliação que o povo participante tem feito das políticas públicas do governo Lula?
Pedro Ribeiro de Oliveira - Se entendermos por “políticas públicas” apenas as políticas ditas “sociais”, a avaliação do atual governo é positiva. Já se entendermos que elas incluem também as políticas econômica, indigenista, agrária, ambiental e outras, é preciso recorrer à comparação com os governos de FHC e Collor para não reprová-las sem dó. Percebe-se uma grande decepção com o governo de um partido que durante vinte anos esteve ao lado dos movimentos sociais e que agora faz de tudo para não perder as benesses da Presidência da República. Talvez essa reprovação seja mais minha do que do conjunto de participantes do Intereclesial, pois é muito difícil aferir o grau de satisfação de mais de três mil pessoas que tratam temas muito diversificados em diferentes espaços. Mas com certeza, satisfeito com o governo Lula o povo aqui não está.
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Estão empurrando para a Amazônia os problemas do resto do Brasil. Entrevista especial com Pedro Ribeiro de Oliveira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU