A Amazônia não é uma colônia a ser explorada. Entrevista especial com Dom Moacyr Grechi

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21 Julho 2009

Está acontecendo desde ontem, 21 de julho, em Porto Velho, capital de Rondônia, o 12º Encontro Intereclesial das Comunidades Eclesiais de Base, que termina no próximo dia 25. O tema do evento este ano é “CEB`s - Ecologia e Missão” e o lema é “Do ventre da terra, o grito que vem da Amazônia”. Para repercutir o encontro sob o olhar de quem está lá, envolvido com a preparação de tudo, a IHU On-Line entrevistou por telefone o anfitrião do 12º Intereclesial, que é o arcebispo da Arquidiocese de Porto Velho, Dom Moacyr Grechi, profundo conhecedor da Amazônia, pois antes do cargo atual, foi bispo no Acre por quase 30 anos. Dom Moacyr esclarece que o fato de ser a primeira vez que se faz um Intereclesial na região é, para eles, “mais um desafio do que um privilégio. Mas é muito importante, porque a Amazônia só é conhecida folcloricamente ou por interesses econômicos”. Ele adianta que “os participantes vão ver a maravilha do majestoso Rio Madeira, o maior afluente do Amazonas, um pouco ferido na sua majestade pelas hidrelétricas que estão começando agora”. E enfatiza a importância de as pessoas no encontro serem como “formiguinhas santas, que estarão formando e passando uma nova mentalidade a respeito da Amazônia”.

À frente da arquidiocese de Porto Velho desde novembro de 1998, Dom Moacyr Grechi é formado em Filosofia e em Teologia. Como bispo, foi membro da Comissão Episcopal de Pastoral da CNBB, de 1975 a 1978; presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), por oito anos, e presidente do Regional Norte 1 da CNBB por dois períodos. É membro do Conselho Permanente da CNBB, foi membro da Comissão Episcopal para a Doutrina da Fé, de 1995 a 2003 e delegado da V Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe, em 2007.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como está a preparação para o 12º Encontro Intereclesial das CEB’s?

Dom Moacyr Grechi – Estamos nos preparando há quatro anos. O desafio foi pesado, mas a preparação foi muito bem feita, com pessoas competentes, dedicadas e comprometidas. Dentro do que é possível para uma igreja da Amazônia, tudo foi feito. Temos confirmada a presença de mais de três mil pessoas, entre convidados, assessores e delegados. A abertura foi feita num lugar histórico, a Praça da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, na antiga estrada de ferro que, na sua construção, vitimou milhares e milhares de homens e mulheres do mundo inteiro. Na abertura, naquele local, foi lembrada a história da busca do progresso e, ao mesmo tempo, do sofrimento muito grande para o povo. Esperamos gente de todas as dioceses do Brasil. Deve ser um encontro bem expressivo.

IHU On-Line – O que significa a realização desse evento em Rondônia?

Dom Moacyr Grechi – O fato de ser a primeira vez que se faz um Intereclesial aqui é, para nós, mais um desafio do que um privilégio. Mas é muito importante, porque a Amazônia só é conhecida folcloricamente ou por interesses econômicos. O povo, em geral, não conhece a região, do bispo até o coroinha. Está sendo muito importante receber essas pessoas, principalmente a gente do povo, participando de diálogos, de visitas a grupos indígenas, a comunidades rurais, de periferia, prisões, hospitais. Os participantes vão ver a maravilha do majestoso Rio Madeira, o maior afluente do Amazonas, um pouco ferido na sua majestade pelas hidrelétricas que estão começando agora. As pessoas aqui no encontro serão como formiguinhas santas, que estarão formando e passando uma nova mentalidade a respeito da Amazônia. Nós não somos uma colônia para ser explorada. Nós somos a Amazônia, com sua riqueza imensa, que colabora com o Brasil, mas que tem que receber uma compensação, para ter condições de uma vida digna. E aqui, nem os índios que estão na mata, nem os trabalhadores rurais, nem quem mora nas pseudo-cidades - porque a marginalização é imensa -, nem andinos, nem negros, têm hoje uma vida digna. 

IHU On-Line – O que o senhor está preparando para este encontro?

Dom Moacyr Grechi – Eu terei que fazer uma homilia a partir do capítulo 22 do Apocalipse, da Bíblia. Esta passagem fala de um rio de água viva, que sai do plano de Deus, e vai circundando tudo por onde passa, numa evocação do Antigo Testamento. E a árvore da vida é multiplicada. São doze árvores da vida. Eu vou mostrar que a Amazônia, inspirada na graça que vem de Deus, no rio de água viva, pode garantir suas águas, suas matas e sua natureza, oferecendo vida digna, frutos econômicos e uma economia sustentável, para que todos aqui tenham a possibilidade de vida inspirados na palavra de Jesus Cristo, na sua proposta. O Brasil e o mundo inteiro podem usufruir da Amazônia, desde que respeitadas as condições essenciais de preservação. Quero dizer também que se trata de uma reunião de comunidades eclesiais de base; que nem bispo, nem padre, nem assessor devem tomar o lugar do povo, que deve estar lá para propor, perguntar, dialogar, e nós somos servidores, lembrando que servir é divino.

IHU On-Line – O senhor pode nos falar um pouco mais sobre a escolha do tema e do lema do intereclesial e qual a importância de discutir esses assuntos, neste momento?

Dom Moacyr Grechi – É um tema extremamente atual. O Papa Bento XVI, em sua última encíclica, dedica-se ao tema do ecossistema, do meio ambiente. E é um texto estupendo a carta dele (Caritas in Veritate). O Papa anterior já falava na necessidade de uma conversão para o meio ambiente físico e humano. No encontro de Aparecida já se falava da devastação da Amazônia, que deve ser impedida. Foi criada uma Comissão Episcopal da Amazônia e acaba de ser criada a Semana Missionária da Amazônia para todo o Brasil. Há uma consciência da importância da Amazônia e todos nós devemos colaborar com uma educação para a ecologia.

Eu fui bispo no Acre por 27 anos. Lá as comunidades praticamente nasceram na mata e permanecem em conflito, desde o parto, lutando pelo meio ambiente. A comunidade eclesial é uma comunidade de fé, baseada no amor a Jesus Cristo e na sua palavra lida, relida e vivida, na fraternidade, onde ninguém fica fora, e onde se reza. Todas as comunidades daqui e de fora estão convidadas a se abrir a esta perspectiva, a esta problemática nova, do meio ambiente, que põe em jogo não só a Amazônia, mas toda a humanidade.

Aqui os gritos são muitos: é o grito das populações indígenas dizimadas e das suas terras exploradas – a madeira de lei das terras indígenas é roubada vergonhosamente sem que ninguém seja punido, pelo contrário; depois temos a problemática dos rios contaminados pelo mercúrio; temos o problema da criação extensiva de gado, e com isso é a floresta que cai; tem a soja, câncer da nossa região, que está subindo, e a mata cai e o ambiente se vai. Não se pode dizer que a Amazônia está urbanizada quando a metade da população não tem água tratada, não tem esgoto, não tem nem sanitário, às vezes. Esses são os gritos da Amazônia. Mas há também um grito de reação, de esperança, nada de desgraça definitiva. O que o homem fez de ruim, nós podemos recuperar se fizermos uma virada para um novo estilo de vida. As necessidades humanas são inesgotáveis, mas as fontes são limitadas. Precisamos aprender a viver num estilo de vida mais sóbrio.

IHU On-Line – Qual a importância de mostrar a realidade da Igreja de Rondônia aos participantes do encontro Intereclesial?

Dom Moacyr Grechi – Isso é importante para que todos saibam que nossa igreja é fervorosa, cheia de esperança, missionária, mas com grandes problemas também. Não temos um clero suficiente. Temos leigos e leigas que estão à frente das comunidades eclesiais de base, dos grupos de reflexão, das organizações e associações. Mas é uma Igreja que precisa de padres e de formadores, porque todos somos missionários. Precisamos de professores qualificados, mas sem a petulância de achar que sabem tudo; que venham aqui escutar e, a partir disso, possam contribuir com o que tenham de próprio. O trabalho pastoral, ao longo dos rios, é extremamente dispendioso, em função dos barcos e da gasolina, que custa às vezes três vezes mais aqui, na beira do rio, do que em Porto Velho. Temos necessidade da ajuda econômica também, para atender principalmente as populações ribeirinhas.

IHU On-Line – O que será abordado na análise de conjuntura social e política da região amazônica durante o encontro?

Dom Moacyr Grechi – Neste aspecto, esses temas que já levantei agora serão tratados por pessoas competentes, que analisarão as causas e as possibilidades de saída. A Amazônia sempre foi tratada como colônia. Nem parecia nossa, era só fonte de renda. E isso deve mudar. Ela deve ter a sua palavra, bem como o conjunto de seus estados irmãos. E que possa receber compensações à altura para que todos tenham vida digna. E aí aparecerão quem são os agentes benéficos e maléficos, que devem ser excluídos.

IHU On-Line – E o que as Comunidades Eclesiais de Base pretendem mostrar a partir desse evento?

Dom Moacyr Grechi – Deus não planta árvores, Ele planta sementes. Assim também as Comunidades Eclesiais de Base são tão escondidas e pequenas, que nós nem damos valor a elas, humanamente falando. Mas tem um provérbio africano, que fala justamente sobre a ação das comunidades de base urbanas e das florestas, que são formadas de gente simples, fazendo coisas pequenas, em lugares não importantes, mas conseguindo mudanças extraordinárias. Elas são formiguinhas que, pouco a pouco, com seu testemunho pessoal e de comunidade, conseguem grandes feitos, como mudar a mentalidade dentro da Igreja.

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