06 Junho 2009
A nanotecnologia oferece novas oportunidades para indústrias ligadas à cadeia de produção agrícola, mas pode gerar enormes riscos para saúde e o meio ambiente. “Como são regidas pelas leis da física quântica, as nanopartículas apresentam comportamentos distintos dos habituais para materiais em escala macroscópica. Testes de laboratório mostraram, por exemplo, que nanopartículas de óxidos de metais podem penetrar nas células e danificar o DNA. Devido ao tamanho diminuto, partículas não são retidas pela barreira do cérebro ou pela da placenta”, adverte a fundadora do Centro Ecológico do município de Ipê, Rio Grande do Sul.
Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, a pesquisadora assinala que genes de plantas geneticamente modificadas são transferidos para bactérias intestinais humanas. No caso dos cultivos Bt, ressalta, “nos quais toda a planta é transformada num agrotóxico pela transgenia, se os genes Bt forem transferidos, eles poderiam fazer nossas bactérias intestinais tornarem-se fábricas vivas de agrotóxicos”. Com isso, destaca, aumenta a probabilidade de os transgênicos serem responsáveis por doenças toxológicas.
Para Maria José, a expansão da fronteira agrícola brasileira “é uma das causas do aumento do consumo de agrotóxicos juntamente com os cultivos de transgênicos” no país. E acrescenta: “Não por coincidência, algumas das maiores empresas de sementes do mundo, que controlam grande parte do mercado mundial de sementes proprietárias estão também entre as maiores empresas de agrotóxicos do mundo, como a Monsanto, a Dupont, a Bayer e a Syngenta”.
Maria José Guazzelli é engenheira agrônoma, formada pela Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e na década de 1980, participou na elaboração da Lei dos Agrotóxicos do Rio Grande do Sul (Lei 7747/82). Ela é coautora do livro Agropecuária sem veneno, tradutora dos livros Plantas doentes pelo uso de agrotóxicos – Teoria da trofobiose, de Francis Chaboussou; Agroecologia, de Stephen Gliessman, Nanotecnologia – Os riscos da tecnologia do futuro, do Grupo ETC, e Roleta genética – Riscos documentados dos alimentos transgênicos sobre a saúde, de Jeffrey Smith .
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quais são os venenos mais usados nas lavouras brasileiras e em que medida isso é feito?
Maria José Guazzelli - O Brasil, em 2008, tornou-se o maior consumidor mundial de venenos agrícolas (733,9 milhões de toneladas), ultrapassando os Estados Unidos (646 milhões de toneladas). Em 2007, as vendas no Brasil significaram 5,372 bilhões de dólares e em 2008, 7,125 bilhões. A cultura que mais consome agrotóxico é a soja. No total, os herbicidas representam cerca de 45% das vendas, os inseticidas 29%, e os fungicidas 21%.
De acordo com dados da Anvisa de 2008 e de 2009, mais 15% dos alimentos no país têm resíduos de agrotóxicos em excesso. Para a Andef (Associação Nacional de Defesa Vegetal), o massivo uso de agrotóxicos é chamado de “emprego intensivo de tecnologia”, e o mercado brasileiro tem potencial para “avanço mais consistente no futuro”. Boa parte dessa consistência deve-se às variedades transgênicas.
IHU On-Line – A evolução da transgenia é o principal fator para o aumento do uso de agrotóxicos nas lavouras?
Maria José Guazzelli - A expansão da fronteira agrícola no Brasil também é uma das causas do aumento do consumo de agrotóxicos juntamente com os cultivos transgênicos. Não por coincidência, algumas das maiores empresas de sementes do mundo, que controlam grande parte do mercado mundial de sementes proprietárias, estão também entre as maiores empresas de agrotóxicos do mundo, como a Monsanto, a Dupont, a Bayer e a Syngenta.
Em 1994, foram consumidas cerca de 800 toneladas de herbicidas no Brasil e, em 1998, aproximadamente 1400, coincidindo com o período de introdução da soja transgênica no país.
A pauta atual da CTNBio mostra bem que os transgênicos fazem sua parte no consumo de agrotóxicos. Dos seis pedidos para liberação comercial de sementes transgênicas, quatro delas são modificadas para tolerar aplicações de herbicidas e uma é Bt e tolerante a herbicida. Dos 45 pedidos de variedades que estão sendo testadas a campo, 41 são para plantas tolerantes a herbicidas, ou seja, 91% do total.
Um dado interessante é que o único estudo de alimentação de humanos com cultivos transgênicos mostrou que genes das plantas são transferidos para bactérias intestinais humanas. No caso de cultivos Bt , nos quais toda a planta é transformada num agrotóxico pela transgenia, se os genes Bt forem transferidos eles poderiam fazer nossas bactérias intestinais tornarem-se fábricas vivas de agrotóxicos.
Não por acaso, a Academia Americana de Medicina Ambiental divulgou documentos sobre alimentos transgênicos, pedindo uma moratória imediata e afirmando que “os produtos transgênicos representam um sério risco à saúde nas áreas da toxicologia, alergias, funções imunológicas, saúde reprodutiva, metabolismo, fisiologia e saúde genética”.
IHU On-Line – Qual é a composição do Roundup e por que ele é considerado um dos agrotóxicos mais prejudiciais?
Maria José Guazzelli - O Roundup é um herbicida à base de glifosato muito usado por agricultores, jardineiros e órgão públicos para o controle de ervas indesejadas. A maioria dos transgênicos cultivados hoje no Brasil são variedades resistentes a esse produto.
É bastante difundido, especialmente pela indústria, que o glifosato é menos prejudicial que outros herbicidas. A Anvisa o classifica como Classe IV (faixa verde). A toxicidade aguda do glifosato é relativamente baixa, mas o Roundup é composto de glifosato e mais um surfactante . O surfactante chamado POEA aumenta a eficácia do produto bem como os riscos pelo seu uso. Por ser um produto sistêmico, o Roundup é absorvido por sementes e frutas.
O produto também é tóxico para animais aquáticos (experimentos com rãs, nos EUA, mostraram que mais de 80% dos adultos expostos ao Roundup, em proporções normais, morreram em 24 horas). Ele pode ser absorvido pela pele e mucosas agindo no sistema nervoso, afetando os músculos. Além disso, provoca hipotensão arterial, dores intestinais, vômito, diarréia, dor de cabeça, tontura, ardência nos olhos, visão borrada e dificuldade de respirar. É um disruptor endócrino (provoca danos no DNA) e pode ativar o desenvolvimento de câncer e de outras anomalias que favorecem abortos espontâneos, nascimentos prematuros e má formações em recém-nascidos.
Algumas horas de exposição ao Roundup, em concentração 10 vezes mais baixa do que a usada na agricultura, é tóxica para células da placenta humana. Em diluições de até 10.000 vezes, o Roundup altera a produção hormonal das células placentárias. Níveis extremamente baixos de exposição ao Roundup podem resultar em produção 90% mais baixa de hormônios sexuais masculinos. Como um disruptor endócrino sintético, em bebês, oferece risco de danos sexuais, cognitivos, de desenvolvimento físico e do sistema imunológico permanentes.
No Rio Grande do Sul, estudo em ratos mostrou aumento no percentual de espermatozóides anormais durante a puberdade e a redução da produção diária e do número de espermatozóides em adultos. Pesquisa recente na Argentina mostrou que este agrotóxico produz alterações intestinais, cardíacas e deformações e alterações neuronais em embriões anfíbios mesmo em doses muito inferiores às usadas na agricultura.
Quando a soja RoundupReady da Monsanto foi liberada, o governo, por meio da Anvisa e do Ministério da Saúde, aumentou em 50 vezes o Limite Máximo de Resíduos (LMR) permitido do glifosato na soja para que o grão pudesse ser legalmente comercializado (de 0,2 mg/kg para 10 mg/kg).
IHU On-Line - Qual é a relação dos agrotóxicos com o desenvolvimento da doença de Parkinson? Que outras doenças podem surgir?
Maria José Guazzelli - Já em 2000, há referência de estudo em cobaias publicado no Journal of Neuroscience indicando que a exposição simultânea ao herbicida Gramoxone (Paraquat) e ao fungicida Maneb, ambos bastante usados na agricultura, é fator determinante no desencadeamento do mal de Parkinson. Levantamento recente feito com trabalhadores rurais mostrou resultados similares. Da mesma forma, em 2008, estudo realizado na Duke University, Durham, North Carolina, constatou que dos pacientes com Parkinson, mais de 61 % relatavam contato direto com aplicação de agrotóxicos quando comparados com parentes saudáveis. O Mal de Alzheimer, por exemplo. Não tenho lembrança de estudos para
discorrer mais sobre este aspecto.
Há agrotóxicos com características bem distintas que começam a ser usados na agricultura sem que existam estudos dos seus impactos sobre a saúde e o meio ambiente. São difundidos como de liberação controlada e usam partículas de tamanho nano. Ou seja, somam aos problemas dos agrotóxicos os problemas de substâncias nanotecnológicas que irão para a água e solo etc., onde podem apresentar riscos de toxicidade. Os produtos Karate Zeon, da Syngenta são exemplos deste tipo de tecnologia.
IHU On-Line – Nesse sentido, as nanotecnologias podem agravar ainda mais a toxidade dos agrotóxicos? Que relações estabelece entre essa tecnologia e os venenos?
Maria José Guazzelli - As inovadoras propriedades de nanomateriais oferecem novas oportunidades para a indústria ligada à cadeia de produção agrícola, como, por exemplo, agroquímicos e fertilizantes mais potentes. Mas esses materiais podem trazer enormes riscos para a saúde e o meio ambiente. Como são regidas pelas leis da física quântica, as nanopartículas apresentam comportamentos distintos dos habituais para materiais em escala macroscópica.
Testes de laboratório mostraram, por exemplo, que nanopartículas de óxidos de metais podem penetrar nas células e danificar o DNA. Devido ao tamanho diminuto, partículas não são retidas pela barreira do cérebro ou pela da placenta. Os métodos atuais para avaliar riscos potenciais dos nanomaterais são inadequados e as versões nano de químicos já existentes deveriam ser avaliadas como novos químicos. Assim, além da toxicidade do próprio agrotóxico, soma-se a toxicidade da nanopartícula decorrente de seu tamanho e estrutura.
IHU On-Line – O uso de agrotóxicos contribui também para a infertilidade futura do solo?
Maria José Guazzelli - O uso de agrotóxicos contribui para alterar a flora microbiana, responsável, em grande parte, pela fertilidade de um solo. Alguns tipos de venenos comumente usados também são capazes de bloquear sinais químicos que permitem o funcionamento de bactérias fixadoras de nitrogênio, fazendo com que o solo na área tratada fique mais pobre deste nutriente, demandando aplicação maior de fertilizantes.
IHU On-Line – Pode nos falar sobre a teoria da trofobiose? Em que sentido isso contribui para a construção de uma agricultura sadia?
Maria José Guazzelli – A palavra Trofobiose foi usada pelo pesquisador francês Francis Chaboussou para dar nome à sua teoria que não é qualquer planta que é atacada por pragas e doenças. A planta precisa servir de alimento adequado e só será atacada por um inseto, ácaro, nematóide ou microorganismos (fungos ou bactérias), quando tiver, na sua seiva, exatamente o alimento que eles precisam. Este alimento é constituído, principalmente, por aminoácidos, que são substâncias simples, rapidamente aproveitadas. Em outras palavras, uma planta saudável, bem alimentada, dificilmente será atacado por pragas e doenças. As ditas pragas morrem de fome numa planta sadia.
IHU On-Line – Que modificações são provocadas nas plantas pelo uso de adubos químicos e o que essas substâncias geram?
Maria José Guazzelli – Devido à sua solubilidade, os adubos químicos são um dos fatores que provocam desequilíbrios no metabolismo das plantas, segundo Chaboussou, fazendo com que a planta tenha na sua seiva uma quantidade maior de substâncias simples. Isto está relacionado com a formação de proteínas - quanto mais intensa for a síntese de proteínas, menor será a sobra de aminoácidos livres, açúcares e minerais solúveis que os insetos e doenças necessitam para poderem se alimentar, já que têm uma variedade muito pequena de enzimas digestivas, o que reduz sua possibilidade de aproveitar completamente moléculas grandes (complexas), como as proteínas, por exemplo. Além disso, a formação eficiente de proteínas aumenta o nível de respiração e de fotossíntese da planta, melhorando todo o funcionamento da planta. Plantas que recebem nutrição desequilibrada provavelmente irão necessitar aplicação de agrotóxicos - fechando esse ciclo de dependência de adubo químico e veneno agrícola.
HU On-Line - É possível hoje, de acordo com o modelo de produção agrícola existente e com o crescimento da transgenia, não utilizar agrotóxicos?
Maria José Guazzelli – O atual modelo de agricultura, seja usando sementes convencionais ou transgênicas, é desenhado para assegurar lucros às empresas. Assim, faz parte do modelo ter plantas “adoecidas” e plantas modificadas geneticamente que requerem aplicações de adubos químicos e de agrotóxicos. Mas é possível não precisar mais utilizar agrotóxicos. A opção é mudar para um sistema de produção que vise preservar a saúde e o ambiente, sem abrir mão da viabilidade social e econômica. Estudos apontam que a agroecologia tem capacidade de produzir alimentos e fibras em quantidades suficientes para abastecer a população atual e futura e, além disso, promove os chamados serviços ambientais. Dentre eles, destaca-se a preservação da diversidade biológica e a mitigação dos gases de efeito estufa, contribuindo para reduzir o aquecimento global. São sistemas agrícolas mais resilientes , tanto em termos econômicos quanto ecológicos.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Brasil. O maior consumidor de agrotóxicos agrícolas. Entrevista especial com Maria José Guazzelli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU