22 Setembro 2008
Depois de mais de dez anos tramitando no Congresso, a Lei Arouca, que estabelece critérios para a utilização de animais em pesquisa, foi aprovada no último dia 9, e agora aguarda sanção do presidente Lula para entrar em vigor. Para tratar da questão dos diretos dos animais, a IHU On-Line retomou o contato com o estudante de biologia Róber Bachinski. No ano passado, Róber ficou conhecido por exigir na Justiça o direito de não sacrificar animais nas aulas da faculdade e, por isso, na ocasião, nos concedeu uma entrevista. Agora, ele fala de como está sua situação hoje como aluno. Ele também analisa este projeto de lei, os estudos sobre ética animal e a disseminação do vegetarianismo. Ele diz que, “enquanto o paradigma vivisseccionista predominar, pouco ou nada acontecerá para que essa situação mude. As leis deveriam ser proibitivas, baseadas em princípios éticos. Se a experimentação humana sem o consentimento informado não tivesse sido proibida, certamente ainda haveria laboratórios com esse método”. A entrevista foi realizada por e-mail.
A IHU On-Line também conversou sobre essas questões com o professor Martin Sander. Segundo ele, “o tema e a necessidade de regulamentação não é recente e lamentavelmente ficou durante vários anos em tramitação e análise no Congresso Nacional. Também esta nova lei, pois autoriza o uso de animais, mantém o domínio do homem sobre todos os demais seres vivos, mas, em parte, limita o uso de cobaias”. Sander reflete ainda sobre o uso que as universidades tem feito dos animais que servem como cobaia. Sua entrevista também foi concedida por e-mail.
Róber Bachinski é graduando em Ciências Biológicas, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Possui cursos em áreas como bioética e direito ambiental. É técnico agrícola, com especialização em Zootecnia.
Martin Sander é graduado em Ciências Biológicas. Realizou especialização em Metodologia do Ensino Superior, pela UFRGS, e em Zoologia, pela PUCRS. Além de trabalhar na Unisinos, colabora com os Parques Nacionais de Aparatos da Serra e Serra Geral, no Rio Grande do Sul.
Confira as entrevistas.
IHU On-Line – Como está sua situação hoje como aluno? Você continua livre de utilizar animais como cobaias em sala de aula?
Róber Bachinski – Nós ganhamos a causa na Vara Ambiental, que me desobrigou a utilizar animais em duas disciplinas que cursei enquanto vigorava a liminar. Como a liminar tem caráter permanente, mesmo que o resultado da ação não seja positivo, não serei obrigado a cursar as disciplinas novamente. Nas outras disciplinas, os professores estão sendo mais compreensíveis e não me obrigam a assistir às aulas proporcionando a mim e a alguns colegas trabalhos substitutivos às práticas. Acredito que as faculdades analisarão melhor as reivindicações dos alunos que não querem, por motivos éticos, participar das aulas que fazem uso de animais.
IHU On-Line – Depois de muitos anos correndo no Congresso, o projeto que estabelece os critérios de uso de animais como cobaias foi aprovado e agora aguarda sanção do presidente Lula. Qual a sua avaliação sobre este projeto?
Róber Bachinski – Depois de 12 anos engavetado, o projeto de lei 1153/95, conhecido por Lei Arouca, foi forçado a seguir através de um movimento das pessoas interessadas na vivissecção (como as indústrias de criação e suporte de animais de laboratório e os pesquisadores que tiveram suas vidas e currículos montados sobre essa metodologia). Quando a sociedade começou a pressionar pela criação de leis que restringissem o uso de animais em experimentos científicos, as pessoas interessadas na vivissecção apoiaram-se em uma lei controversa e retrógrada, já para a época em que foi criada (1995). Com o argumento de que será criado o Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea) e de que nele haverá dois representantes das sociedades protetoras dos animais, muitos se sentiram aliviados, porém esquecem que nesse Conselho há cinco entidades que, tradicionalmente, são a favor da experimentação e dos pesquisadores interessados nela.
Essa Lei deveria sofrer sérias mudanças, restringindo, como ocorrerá na União Européia a partir de 2009, testes em animais para cosméticos e também incentivando pesquisadores a desenvolver metodologias substitutivas ao uso de animais. Apenas assim esse paradigma científico, baseado na exploração e na desconsideração moral dos animais, será substituído por um paradigma moral em ciência. Essa Lei possui, como princípio, um conceito especista [1], presente na sociedade para colocar muitos interesses fúteis nossos, como superiores aos interesses básicos de outros seres, apenas por eles não participarem da nossa espécie. No Artigo primeiro, inciso primeiro, ela já faz essa distinção: "O disposto nesta lei aplica-se às espécies do Filo Chordata, sub-filo Vertebrata, exceto o homem". As características morais não podem ser arbitrariamente concedidas ou não a espécies, mas devem-se considerar as capacidades de percepção do mundo e os interesses básicos de todos os seres que os possuem (como ser livre, conviver em seu habitat e com seus pares, procurar água e comida, entre outros).
Martin Sander – O ser humano, dentre todas as espécies de seres vivos foi, na cronologia do surgimento da vida um dos últimos a fazer parte da Terra; inclusive antes dele várias formas de vida se extinguiram. E, em termos bíblicos, no final da criação, surgiu o homem na semelhança ao criador. Portanto, fomos moldados e, ao longo da história, sempre se sobrepondo às demais espécies de seres vivos, até mesmo destinados a viver no paraíso. Mas, por culpa de uma mulher e de um ser não humano, fomos expulsos. Parece então nada mais justo que passar anos e mais anos sobrepujando os responsáveis por tamanho pecado. Também no livro da criação foi nos destinado que somos os guardiães responsáveis pela organização e sobrevivência das demais espécies. Entretanto, apesar do ser humano caracterizar-se por alta relação homeostásica consigo mesmo, mostra-se incapaz de estendê-la para com os outros. Levamos anos para criar leis e novas leis; mesmo assim não chegamos à possibilidade de conviver sem sobrepujar ou reclamar a soberania. Animais foram utilizados no passado para fins de investigação, seja ela na forma mais curiosa, acidental ou envolvendo métodos. Pitágoras (+- 500 aC) dizia que a amabilidade para com toda a criatura não humana era um dever e estimulava seus discípulos a respeitarem os animais, pois acreditava que as almas humanas reencarnavam neles.
Já em 1789, o filósofo inglês Jeremy Bentham [2], em seu livro sobre moral e legislação, aponta: “A questão não é se eles podem raciocinar? Ou podem eles falar? Mas, podem eles sofrer?”. Cem anos passados destes questionamentos é fundada uma das primeiras associação para a defesa dos animais de laboratório, pela esposa do médico e fisiologista experimental Claude Bernard [3], que utilizou o cachorro de estimação de sua filha para dar aula aos seus alunos, como repúdio à sua atitude. O tema e a necessidade de regulamentação não é recente e lamentavelmente ficou durante vários anos em tramitação e análise no Congresso Nacional. Também esta nova lei, pois autoriza o uso de animais, mantém o homem sobre todos os demais seres vivos, mas em parte, limita o uso de cobaias.
No Brasil, as iniciativas para regulamentar as atividades de pesquisa com animais de laboratórios surgiu no governo de Getúlio Vargas. Naquela oportunidade, apesar da tutela pelo Estado sobre os animais, existia a preocupação que eles não poderiam sofrer maus tratos, como ficar em ambientes anti-higiênicos, privados de movimentos ou de luz e de descanso. Proibia mutilação, golpes e ferimentos voluntários... De modo geral, regulamentava o transporte, a caça, o trabalho, a contenção e exposição de animais nas diversas atividades. Em 1979, nova lei (Lei 6.638) estabelece normas para a prática de ensino e ciência e em especial a vivissecção de animais, mas esta nunca foi regulamentada.
Deste modo, existe uma lacuna na regulamentação do uso de animais em laboratório ou em campo para o Brasil. Alguns estados ou municípios apresentam leis ou decretos sobre os fatos, mas não temos uma unanimidade legal. Logo, é em parte justo que agora tenhamos um instrumento, com certeza ainda com restrições ou até falhas, mas que, ao menos, estabelece normas de uso de animais e credenciamento das instituições. Limita a proposta que os animais sejam no máximo utilizados em pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, produção e controle de medicamentos. Ainda, na aprendizagem, instituições de educação técnica de nível médio da área biomédica e em ensino superior.
IHU On-Line – Como você avalia os estudos e pesquisas em torno da questão da ética animal no Brasil?
Róber Bachinski – Não há muitos estudos em ética animal no Brasil e os que encontramos são recentes. Nos últimos anos, surgiram alguns grupos de pesquisas e pesquisadores interessados nessa área. É uma área muito interessante e com grandes perspectivas de crescimento. A Ética Animal no mundo é recente, data dos anos 1970, então não há muitas bibliografias, estudos e divulgação. Os estudos em Ética Animal no Brasil são muitos novos e poucos. A professora Sônia Felipe [4], da UFSC, publicou dois livros sobre esse assunto (Por uma questão de limites, 2003 e Ética e experimentação animal: fundamentos abolicionistas, 2007). Em Porto Alegre, o filósofo Carlos Naconecy [5] publicou um livro muito importante sobre conceitos e argumentos éticos nessa área, chamado Ética & Animais: Um guia de argumentação filosófica (2006). Na UFRGS, temos uma pesquisa, intitulada "Estratégias substitutivas às aulas e pesquisas com animais", no qual trabalhamos com três estratégias: um estudo da história do pensamento sobre a relação homem/animal, argumentação em ética animal e no desenvolvimento de metodologias substitutivas às práticas com animais. É uma área muito ampla e com muito trabalho para ser realizado.
IHU On-Line – Hoje, 115 milhões de cobaias são usadas, em um ano, para pesquisas científicas. Como você avalia as leis de controle de uso de cobaias no mundo?
Róber Bachinski – Enquanto o paradigma vivisseccionista predominar, pouco ou nada acontecerá para que essa situação mude. As leis deveriam ser proibitivas, baseadas em princípios éticos. Se a experimentação humana sem o consentimento informado não tivesse sido proibida, certamente ainda haveria laboratórios com esse método. Infelizmente, muitas pessoas não conseguem se libertar de seus interesses pessoais, profissionais, e pensar em interesses [6] mais básicos em outros seres (como a vida e a liberdade). A União Européia, em 2005, determinou que em 2009 serão proibidas a produção e comercialização de cosméticos testados em animais, assim incentivou o desenvolvimento de novas metodologias. Esse é um exemplo de lei a favor da mudança de paradigma.
Martin Sander – As leis ou recomendações para uso de animais são criadas ou citadas ao logo da história do homem. Felizmente, são discutidas gerando conflitos e controvérsias, portanto exigindo maior atenção e criando novas regulamentações. Acredito que com esta caminhada, entre regulamentação e controvérsias, o ser humano vai alcançar o “paraíso perdido”, onde a convivência entre todos será entendida e respeitada.
IHU On-Line – Além do uso de animais como cobaia, como você vê os sistemas de criação e abate de animais para consumo hoje no país?
Róber Bachinski – Não devemos analisar o sistema. Quaisquer sistemas que desconsiderem que outros seres possuem interesses básicos devem ser banidos. Mas esses sistemas são financiados pela sociedade que consome seus produtos. Não apenas de carne, mas também de ovos, leites e derivados. Por uma visão especista, consideramos o nosso interesse de consumir um produto por costume ou por paladar, mais importante que o interesse de ser livre de outros animais. Há 140 anos, aqui era aceitável desconsiderar os interesses básicos de africanos e descendentes em benefício de interesses fúteis dos brancos, como consumir açúcar ou café. Claro que há a questão econômica, mas essa apenas financia a exploração.
Martin Sander – O uso dos animais como cobaia não ocorre somente nos laboratórios científicos ou de ensino, mas também nos métodos de produção que confinam animais em espaços minúsculos e condições impróprias durante toda a duração de suas vidas. Separam as mães e filhos; castração e a marca de ferro em brasa; as touradas e rodeios; e a doma não afetiva são mais alguns exemplos dessas atrocidades. A exploração dos oceanos, onde somente os recursos são retirados sem qualquer critério, ou onde somente os grandes exemplares são utilizados, também é um mecanismo de esgotamento e sofrimento. Sabemos perfeitamente que existem outras fontes de nutrientes não animal e que não necessitamos deste volume “protéico” para manter a nossa vida. Basta aperfeiçoar a coleta, o transporte e armazenamento de grãos, para diminuir em muito a fome no mundo, sem utilizar grandes sistemas de criação e abate de animais.
IHU On-Line – Ainda sobre alimentação, como você vê a disseminação do vegetarianismo?
Róber Bachinski – Os meios de comunicação, documentários, blogs e sites, como também os ativistas animalistas, estão mostrando, pouco a pouco, a realidade em que os animais vivem. Ainda assim, muitas pessoas tornam-se vegetarianas por piedade dos animais e não conhecem as questões éticas envolvidas. Mesmo que um animal fosse bem tratado em uma granja, isso não exime os criadores, e a população que os apóia, dos crimes morais ocorridos pela privação de liberdade, de vida natural etc.
IHU On-Line – Você, como estudante de biologia, como vê a relação do uso atual que se faz dos animais e a cultura?
Róber Bachinski – Um dos primeiros pensadores gregos a discutir metodologicamente a relação entre homens e animais foi Aristóteles [7]. Ele repartia as almas em faculdades, para melhor estudar os seres viventes. Assim, todos os animais possuiriam a faculdade de sentir, mas apenas humanos possuiriam a capacidade intelectiva (embora, em algumas obras, ele atribua a capacidade de discernir aos animais, mesmo sendo uma capacidade racional. E na obra Historia animalium ele faz diversas considerações sobre as capacidades de aprendizagem nos animais). Mas Aristóteles nunca negou que os animais não possuiriam consciência sobre os seus sentimentos, embora tenha hierarquizado os seres conforme essas faculdades. Assim, os homens (sexo masculino) dominariam todos os outros animais, incluindo mulheres, crianças e escravos (que possuíam a faculdade intelectiva restrita as suas funções ou estágio de desenvolvimento). Essa hierarquia é muito forte nos argumentos éticos que esqueceram da consciência sensitiva descrita em Aristóteles. Aconselho o Tratado "Sobre la Abstinencia", de Porfírio (filósofo do séc. III d.C.), que discute essas questões éticas, concluindo, mesmo naquela época, que deveríamos ter considerações morais para com os animais.
Essa visão não ganhou muita força, principalmente nos filósofos da Igreja Católica, em especial Tomás de Aquino [8], que considerava os animais, já que não possuíam intelecto, desprovidos de direitos. Toda a cultura foi baseada sobre esses argumentos: animais desprovidos de alma, interesses, vontades. Por muito tempo, o argumento utilizado foi a não capacidade deles (os animais) de falar. O filósofo francês que muito influenciou a ciência com sua obra Discurso sobre o método, Descartes [9] (séc. XVII), compara os animais com relógios, dizendo que os gritos que eles produziam ao serem cortados não passavam de reações fisiológicas. Essa visão ainda é predominante. Poucas pessoas que tenham convivido com animais realmente acreditam que eles não possuem consciência sobre seus sentimentos (visão, tato, paladar etc.), mas os argumentos para excluir os animais sempre são invocados, inclusive por pessoas que convivem proximamente com cães e gatos, quando é para defender seus interesses de comer carne, ovos, leite, derivados ou utilizá-los em experiências.
A mudança cultural, principalmente quando está relacionada com o prato e o bolso, é muito rara. Devemos ensinar as crianças esses princípios para formar cidadãos que pensem nos interesses de todos os seres. Nossos livros didáticos e nossos conceitos ainda estão repletos de idéias preconceituosas, de animais divididos entre os "de companhia", "para alimentação" e "danosos, venenosos ou peçonhentos". Não conseguiremos, em poucos anos, mudar essa visão de mais de 23 séculos na sociedade ocidental, para a visão de que os animais não são relativos aos humanos, mas sim a eles mesmos. Porém, devemos divulgar esses princípios éticos e ajudar as pessoas a questionar todos os seus atos. Se os abolicionistas não tivessem dado início ao processo de conscientização sobre os direitos dos escravos, talvez ainda considerássemos a libertação uma quimera.
IHU On-Line – Como o senhor analisa a forma como os animais são usados dentro das universidades e dos centros de pesquisa?
Martin Sander – Com a nova legislação, o uso de animais em laboratórios, seja para pesquisa, tecnologias e ensino, fica restrito à área biomédica. Em parte, isto é um fator limitante. Mesmo assim, existem princípios éticos para o uso de animais que devem ser lembrados, adotados e aperfeiçoados. Acredito que muito pode ser realizado sem o uso ou manipulação de animais em laboratório ou na atividade de campo. Para tal, é necessário conhecer bem a biologia animal, a simulação destas informações em modelos matemáticos e, com o uso de computadores, na virtualidade é possível aprender e entender sem sacrifícios. Para conhecer a biologia, devemos voltar aos modelos de observações, já utilizado por Aristóteles. Infelizmente, em muitas áreas do ensino, antes mesmo de observar o aluno é estimulado a matar, coletar e depois procurar o nome da espécie. Às vezes, chegam a coletar exemplares raros, sem saber o que estão jogando na câmara mortífera. Deveriam iniciar todo e qualquer estudo com observações inter e intra específicas, correlacionando o indivíduo com o todo e não somente nele.
Atualmente, em muitos projetos de pesquisa, em especial levantamentos faunísticos, os animais são coletados, mortos, denominados e posteriormente descartados. Nestes casos, as coleções didáticas e científicas evitariam novas coletas e com certeza o material poderia ser novamente aproveitado, evitando mortes. Experimentos absurdos ainda são realizados no ensino universitário, como por exemplo, as caixas de Skinner; a velocidade e ph no tubo digestivo; observação e posicionamento de órgãos; testes de sensibilidade ou irritabilidade; dose letal (LD50) lesão e estímulo de partes do corpo e órgãos etc. Tudo isto e muito mais poderia ser visto e analisado em filmes ou através de experimentos em simuladores.
Devemos continuar a busca de meios alternativos e tentar conservar a vida sem subrepujar qualquer espécie. No passado, a ornitologia exigia a morte das aves ou, no mínimo, uma coleção dos exemplares de determinadas áreas de estudos, como testemunhos da ciência. Felizmente hoje, a mesma ciência aceita testemunhos fotográficos, sonoros e até depoimentos explicativos que acabam focando para a verdadeira espécie. Portanto aqui a manipulação e morte foram abolidos. Devemos estimular nossos alunos a manter a vida. Por exemplo, na medicina, não iniciar o curso com o cadáver, mas sim com o modo de viver. Na biologia, minha área de excelência, iniciar com a história natural, de maneira integral e não somente na tecnologia ou segregando em útil e inútil.
Nenhum organismo está sozinho e sem relação, mas sim é parte integrante da biodiversidade com o ambiente. Não pode ser visto de maneira segmentada ou fracionada. É importante manter o foco em determinada área. Para isso, existem os departamentos; porém, isto deve ser feito sem perdermos o porquê destes estudos e sua relação com a teia da vida. O mesmo pode e deve ser usado em administração de empresas, na relação social, etc. Por isso, afirmo que não temos o direito de explorar ou de colocar em segundo plano os interesses de outras pessoas ou animais, apenas devido ao fato delas não serem membros da nossa raça ou espécie ou de não possuírem a mesma capacidade intelectual que a nossa. Não faz sentido causar dor a qualquer ser vivo, seja ele humano ou não.
Notas:
[1] Termo cunhado pelo cientista e filósofo Richard D. Ryder em Oxford, 1973, para caracterizar o preconceito baseado em aparências do ser humano para com outras espécies. Tratar mulheres injustamente apenas por serem mulheres é machismo; explorar pessoas negras apenas porque elas são negras, racismo. Especismo é um preconceito semelhante a esses últimos, ou seja, é quando tratamos mal os seres de outra espécie biológica apenas porque ele não é da nossa espécie. "Na prática, isso ocorre quando se abraça um preconceito contra animais só porque são animais. O especismo é uma forma de chauvinismo porque consiste no tratamento inferior, discriminatório e diferenciado por parte dos membros de uma classe privilegiada (a ‘superior’) daqueles indivíduos que estão fora dessa classe, e para o qual não há uma boa justificativa. De fato, o especismo poderia ser visto como eticamente pior que o racismo e o sexismo, porque os animais são menos capazes de se defender e os mais facilmente vitimizados, se comparados com a situação dos seres humanos oprimidos. Como todo chauvinista, o especista pensa que os animais só têm valor ou nos impõem obrigações éticas na medida que eles atendem nossos interesses, propósitos, necessidades e preferências" (NACONECY, 2006, p. 69-70).
[2] Jeremy Bentham foi um filósofo e jurista inglês. Juntamente com John Stuart Mill e James Mill, difundiu o utilitarismo, teoria ética que responde todas as questões acerca do que fazer, do que admirar e de como viver, em termos da maximização da utilidade e da felicidade. Conhecido também pela idealização do panoptismo, que corresponde à observação total, a tomada integral por parte do poder disciplinador da vida de um indivíduo. Em 1789 concebeu o panóptico, que foi pensado como um projeto de prisão modelo para a reforma dos encarcerados. Mas, por vontade expressa do autor, foi também um plano exemplo para todas as instituições educacionais, de assistência e de trabalho, uma solução econômica para os problemas do encerramento e o esboço de uma sociedade racional. Foi quem primeiro utilizou o termo deontologia (`deon`, dever + `logos`, ciência) para definir o conjunto de princípios éticos aplicados às atividades profissionais.
[3] Claude Bernard foi um médico e fisiologista francês. Foi apelidado pelo Professor I. Bernard Cohen da Universidade de Harvard como "um dos maiores homens de ciência de todos os tempos". É conhecido fundamentalmente pelo estudo do síndrome de Claude Bernard-Horner.
[4] Sônia Terezinha Felipe é graduado em Filosofia, pela Universidade Federal de Santa Catarina. Na mesma área, obteve o título de mestre na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e de doutor pela Universität Konstanz, pela Alemanha. É pós-doutora pela Universidade de Lisboa. É atualmente professora na Universidade Federal de Santa Catarina.
[5] Carlos Michelon Naconecy é graduado em Engenharia Civil e em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É especialista em Conservação e Restauração de Conjuntos Históricos pela Universidade Federal da Bahia. É mestre e doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Atualmente, é estatuário do Departamento de Criminalística do Estado do Rio Grande do Sul.
[6] A palavra "interesse" possui uma conotação consciente. Assim, apenas aqueles seres que possuem experiências próprias (de 1ª pessoa) de sua vida (são conscientes da vida) possuem interesse em permanecer vivos. O mesmo acontece com o interesse de não sentir dor. Esse só pode ser atribuído àqueles seres capazes de sentir dor. Podemos fazer uma analogia com o voto. Apenas seres conscientes do voto eleitoral (sabem que ele existe através de alguma experiência pessoal) possuem interesse em votar.
[7] Aristóteles foi um filósofo grego, aluno de Platão e professor de Alexandre, o Grande. É considerado um dos maiores pensadores de todos os tempos e criador do pensamento lógico. Aristóteles prestou contribuições fundantes em diversas áreas do conhecimento humano, como ética, política, física, metafísica, lógica, psicologia, poesia, retórica, zoologia, biologia, história natural. É considerado por muitos o filósofo que mais influenciou o pensamento ocidental.
[8] São Tomás de Aquino foi um frade dominicano, teólogo, distinto expoente da escolástica, proclamado santo e cognominado Doctor Communis ou Doctor Angelicus pela Igreja Católica. Foi chamado o mais sábio dos santos e o mais santo dos sábios. Aos 19 anos, fugiu de casa para, contra o desejo dos pais, se juntar aos dominicanos mendicantes, entrando na Ordem fundada por São Domingos de Gusmão. Estudou Filosofia em Nápoles e depois em Paris, onde se dedicou ao ensino e ao estudo de questões filosóficas e teológicas. Estudou teologia em Colônia e em Paris se tornou discípulo de Santo Alberto Magno que o "descobriu" e se impressionou com a sua inteligência. Seu maior mérito foi a síntese do cristianismo com a visão aristotélica do mundo, introduzindo o aristotelismo, sendo redescoberto na Idade Média.
[9] René Descartes foi filósofo, físico e matemático francês. Notabilizou-se sobretudo por seu trabalho revolucionário na filosofia e na ciência, mas também obteve reconhecimento matemático por sugerir a fusão da álgebra com a geometria – fato que gerou a geometria analítica e o sistema de coordenadas que hoje leva o seu nome. Por fim, ele foi uma das figuras-chave na Revolução Científica. Por vezes chamado de "o fundador da filosofia moderna" e o "pai da matemática moderna", é considerado um dos pensadores mais importantes e influentes da História do Pensamento Ocidental.
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Direito dos animais. A Lei Arouca em discussão. Entrevista especial com Róber Bachinski e Martin Sander - Instituto Humanitas Unisinos - IHU