29 Mai 2008
Que direções o desenvolvimento tecnológico tomará a partir do desenvolvimento das nanotecnologias? É a lógica do mercado, do capitalista, que guiará o avanço das tecnologias em escala nanométrica, ou são as necessidades da sociedade? Para o professor Gilberto Dupas, “o problema é que a evolução das tecnologias, ao contrário do que se pensa, nunca é neutra, pois acaba determinando procedimentos, comportamentos, padrões de consumo, direções”. Em entrevista à IHU On-Line, realizada pessoalmente, Dupas falou sobre o que precisamos fazer, de que forma precisamos administrar a evolução e as direções que as nanotecnologias e os produtos delas gerados serão apresentados e utilizados pelos seres humanos. “O famoso princípio da precaução, que deveria ser aquele referencial para as pesquisas, não é feita, porque a maioria dos pesquisadores envolvidos nessas pesquisas estão contratados pelas grandes corporações”, relatou.
A entrevista foi realizada pessoalmente, durante o Simpósio Internacional Uma sociedade pós-humana? As possibilidades e limites das nanotecnologias. Dupas realizou a palestra de abertura do evento, intitulada "Sociedade pós-humana: fuga ou enfrentamento dos impasses sistêmicos?". Nesta entrevista, ele fala, ainda, que se surpreendeu com o convite, pois sua visão é pessimista em relação ao desenvolvimento das nanotecnologias. “Vi nesse convite a abertura da universidade que é capaz de encarar um discurso anti-hegemônico num tema como esse e de convidar para a abertura de um simpósio internacional um pesquisador que justamente vem levantando os alertas e não os aplausos”, disse.
Gilberto Dupas é economista e presidente do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais (IEE). É, também, professor visitante da Universidade de Paris II e da Universidade Nacional de Córdoba e membro da Comissão de Ética da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) e do Conselho Nacional de Avaliação do Ensino Superior (CONAES).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O senhor se mostra contrário às nanotecnologias. Como define a evolução das tecnologias dessa forma, a partir de nanopartículas?
Gilberto Dupas – O problema é que a evolução das tecnologias, ao contrário do que se pensa, nunca é neutra, pois acaba determinando procedimentos, comportamentos, padrões de consumo, direções. A grande discussão é que a direção dos vetores tecnológicos não é discutida com a sociedade, mas desenvolvida a partir do interesse da lógica do grande capital e das corporações. Esses definem quais são os vetores que melhor podem gerar produtos mais facilmente transformados em objetos de desejo e, portanto, mais facilmente capazes de sucatear os produtos anteriores, mantendo a lógica da acumulação da lógica capitalista em movimento, o que é fundamental para que a economia estruturada, como está hoje, caminhe. O problema é que isso tudo tem muitas conseqüências, tais como de natureza ambiental, do padrão de consumo, do tipo de consumo e, portanto, inclusive, do próprio futuro da humanidade e da civilização.
A questão importante – e, no caso das nanotecnologias, se repete – é que se, por um lado, elas podem ser um instrumento extremamente importante para retificar rumos equivocados que estão gerando hoje, por exemplo, um colapso do ecossistema mundial, por outro, elas também são capazes de produzir novos danos. Se elas serão capazes de beneficiar a lógica do sistema atual ou serão responsáveis por agravar os danos, isto é uma questão que precisamos controlar e decidir. Não podemos deixar esse assunto nas mãos das grandes corporações que querem transformar a nanotecnologia em produtos que estão nas prateleiras dos supermercados para que compremos devidamente manipulados por uma propaganda bastante eficaz.
IHU On-Line – O senhor foi convidado para abrir o Simpósio que fala em nanotecnologia e sua posição não é otimista em relação às tecnologias em escala nano. Qual é a importância de pensamos as nanotecnologias, primeiramente, com precaução antes de sermos tão eufóricos com relação às suas possibilidades?
Gilberto Dupas – Eu me surpreendi com o convite e deixei bastante claro qual é o meu foco. Vi justamente nesse convite a abertura da universidade que é capaz de encarar um discurso anti-hegemônico num tema como esse e de convidar para a abertura de um simpósio internacional um pesquisador que justamente vem levantando os alertas e não os aplausos. Essa é uma atitude extremamente responsável, dialética e que só enobrece a maneira pela qual eu percebo que a universidade e o IHU encaram a questão da reflexão sobre os rumos da ciência, procurando cercá-la de uma reflexão filosófica que permite ter à mão alguns elementos de natureza ética para poder fazer com que os desenvolvimentos tecnológicos aparentemente atraentes não sejam, em última análise, uma manipulação muito intensa, tendo como objetivo final meramente o interesse do capital.
IHU On-Line – Muitos produtos nanotecnologicamente desenvolvidos já estão disponíveis nas prateleiras dos supermercados. Como o senhor vê essa disponibilidade quanto o debate acerca do uso dessa tecnologia está começando?
Gilberto Dupas – Na semana passada, os cientistas anunciaram que descobriram que os nanotubos, que são essas micropartículas, têm um efeito sobre o pulmão humano semelhante ao amianto. No entanto, nós já estamos consumindo produtos com nanotecnologias, como, por exemplo, protetores solares, sem ter o menor controle de como essas “mini mini mini” partículas circularão pelo corpo e que danos poderão ocasionar. É disso que estamos falando, de uma técnica que está unicamente a serviço da lógica da acumulação e não liga nem para a qualidade de vida, nem para a reparação do dano ambiental, nem para o futuro melhor para civilização.
IHU On-Line – Então, como as nanotecnologias poderiam ser desenvolvidas?
Gilberto Dupas – Eu acredito que as direções de desenvolvimento das nanotecnologias precisariam ser devidamente avaliadas a partir de objetivos da sociedade e não de objetivos das empresas. E isso, efetivamente, não está ocorrendo. Nós estamos sendo surpreendidos diariamente por lançamentos de produtos que nos são colocados como coisas maravilhosas. De fato, eles muitas vezes o são, mas pouco sabemos das conseqüências que nos trazem. Então, assim como aconteceu em vários aspectos relativos ao desenvolvimento tecnológico, está acontecendo novamente com as nanotecnologias.
IHU On-Line – As nanotecnologias prometem diminuir custos de produção e reduzir impactos ambientais. Estamos, atualmente, passando por uma crise dos alimentos no mundo e pelo tão discutido aquecimento global, provocado pela atuação do homem na natureza. Como acha que essas questões devem ser debatidas?
Gilberto Dupas – É uma discussão semelhante à discussão dos transgênicos. Os transgênicos aparentemente vieram para ficar. Eles, basicamente, causam vários danos possíveis, que não foram devidamente pesquisados, mas também trazem algumas vantagens. No entanto, afetam também a lógica biológica das sementes e da herança biológica natural de uma forma que nós não conhecemos direito. O famoso princípio da precaução, que deveria ser referencial para as pesquisas, não é feita, porque a maioria dos pesquisadores envolvidos nelas estão contratados pelas grandes corporações. Não são pesquisadores de universidades que têm aquelas referências éticas que obrigam a levar em consideração uma série de características pelas quais a pesquisa precisa se nortear. Ente outros norteamentos, está o princípio da precaução, quando ela pode afetar a qualidade de vida do ser humano. Como essas tecnologias são desenvolvidas por pesquisadores que são empregados de grandes corporações, os riscos se sabem posteriormente. Então, esta de novo é a questão: como controlar socialmente os rumos da nanotecnologia? Como fazer da nanotecnologia uma ganho para a sociedade e não um ganho meramente para a lógica do capital?
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Nanotecnologias: entre a lógica do mercado e a necessidade das sociedades. Entrevista especial com Gilberto Dupas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU