10 Fevereiro 2008
Depois do impasse entre o governo e Dom Cappio, que se estendeu por 23 dias, os primeiros resultados da greve de fome do bispo começam a aparecer, mesmo que lentamente. “O efeito do sacrifício de Dom Cappio já está se fazendo sentir no próprio debate que está se realizando a respeito do papel do cristão na sociedade”, avalia o ex-deputado, Plínio de Arruda Sampaio (PSOL-SP). Para ele, assim que os brasileiros tiverem a oportunidade de conhecer as alternativas do projeto de transposição do Rio São Francisco, “a pressão da opinião publica levará o governo a adotá-las”.
Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, ele esclareceu que sua principal objeção à obra “não é de natureza técnica, mas político-social”. O projeto, explica, se realizado, “inviabilizará o desenvolvimento de uma agricultura camponesa nessa região e isto determinará uma nova onda de migrações da população rural nordestina para os grandes centros urbanos”.
Um dos políticos responsáveis pela fundação do PT, Plínio de Arruda Sampaio, lamenta a atual postura de Lula frente a transposição do rio São Francisco e os rumos seguidos pelo partido. Para ele, o presidente “foi autoritário porque se recusou ao verdadeiro diálogo, usando subterfúgios para dizer que escutou a sociedade”. E conclui: “O diálogo entre o governo e a sociedade é uma exigência democrática. Não pressupõe a concordância, mas a divergência”.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como o senhor avalia a greve de fome de Dom Luiz Flávio Cappio contra a obra de transposição do rio São Francisco, quase um mês depois do seu fim? Qual, na sua opinião, o saldo, tanto positivo quanto menos positivo?
Plínio de Arruda Sampaio - Os frutos do sacrifício de Dom Cappio já começam a aparecer: articulações de entidades populares para reclamar a suspensão da obra enquanto se abre um grande diálogo nacional sobre a conveniência dela, estão em plena marcha em todo o país. Negativo: o silêncio do governo e a retirada do assunto dos meios de comunicação de massas.
IHU On-Line - “O saldo do gesto de frei Luiz Cappio demarca as margens e estabelece um abismo moral entre companheiros que até ontem bebiam da mesma água”, afirma um dos assessores do bispo de Barra em artigo recentemente publicado no jornal Folha de S. Paulo. Como o senhor avalia as divergências profundas de tantos cristãos, que beberam da mesma fonte, a Teologia da Libertação, participaram ativamente dos movimentos e das pastorais sociais e, hoje, no governo Lula, se opuseram claramente à greve de fome de Dom Cappio?
Plínio de Arruda Sampaio - No artigo Unidade e divisão na Igreja, declarei que não vejo nenhum inconveniente nas nossas divergências políticas, se soubermos travar o debate sobre elas em termos objetivos, sem faltar à caridade.
IHU On-Line - Levando em conta que um dos principais articuladores do movimento nacional Fé e Política, chefe de gabinete de Lula, foi um dos negociadores do governo com a CNBB para pôr fim à greve de fome do bispo de Barra, Dom Cappio confundiu e misturou fé e política?
Plínio de Arruda Sampaio - O gesto de Dom Cappio foi cristalino como água pura. Ele chamou a atenção da Igreja e da sociedade para o descaso de todos em relação aos pobres.
IHU On-Line - Como o senhor avalia os megaempreendimentos propostos por Lula? Como explicar a decisão do governo em dar continuidade as obras, uma vez que apenas 26% da água deve ser utilizada para abastecimento humano, contrapondo com 70% destinada a projetos de irrigação? Os dados lhe parecem perversos?
Plínio de Arruda Sampaio - Tenho tentado explicar que a principal objeção à obra não é de natureza técnica, mas político-social. O projeto, se realizado, inviabilizará o desenvolvimento de uma agricultura camponesa nessa região e isto determinará uma nova onda de migrações da população rural nordestina para os grandes centros urbanos.
IHU On-Line - Lula é ‘autoritário’ afirmou Dom Cappio. O bispo foi ‘intransigente’, reitera um ministro do governo Lula. Qual a sua opinião?
Plínio de Arruda Sampaio - Lula foi autoritário porque se recusou ao verdadeiro diálogo, usando subterfúgios para dizer que escutou a sociedade. Dom Cappio foi intransigente, mas não no sentido que o ministro afirmou. Sua intransigência manifestou-se na defesa dos pobres da região. É intransigência cristã, da mesma natureza daquela que fez o Cristo expulsar os vendilhões do templo.
IHU On-Line - Se Lula tivesse suspendido as obras da transposição e cedido à proposta de discussão do projeto com a opinião pública, ele teria perdido a autoridade de ‘presidente da República’ cedendo às pressões do ‘poder religioso’?
Plínio de Arruda Sampaio - De forma alguma. Dom Cappio não usou de seus poderes de bispo nem os invocou em nenhum momento. Ele jejuou com hábito de franciscano em uma pequena capela, fora da sua diocese.
IHU On-Line - A greve de fome do bispo produziu o efeito desejado? Com as possíveis audiências públicas, o senhor vislumbra alternativas para o projeto de transposição do Rio São Francisco?
Plínio de Arruda Sampaio - A disputa sobre a realização da obra ainda não terminou. O efeito do sacrifício de Dom Cappio já está se fazendo sentir no próprio debate que está se realizando a respeito do papel do cristão na sociedade. Se o povo brasileiro tiver oportunidade de tomar conhecimento das alternativas ao projeto - todas elas presentes em estado embrionário - não tenho dúvida de que a pressão da opinião pública levará o governo a adotá-las.
IHU On-Line - O senhor disse que a lógica interna da política provoca uma tensão permanente na vida espiritual dos cristãos sociais. Como o senhor descreveria esta tensão tendo presente a greve de fome de Dom Cappio?
Plínio de Arruda Sampaio - A tensão decorre do fato de que a vida espiritual do cristão é uma forma de contacto com o absoluto e a política, por mais correta que seja, opera no campo da finitude. As mediações requeridas para operar a política são sempre discutíveis, duvidosas, falíveis, como é o caso das mediações adotadas pelo governo Lula, consideradas inconvenientes por Dom Cappio e por um grande número de cristãos.
IHU On-Line - Como o senhor explica a resistência do governo Lula em discutir pública e abertamente com os movimentos sociais o projeto de transposição do rio São Francisco?
Plínio de Arruda Sampaio - A triste verdade é que Lula capitulou diante das pressões internas e externas para atrelar o país ao sistema do capitalismo internacional. Ele teme represálias se se opuser a uma demanda desse sistema. Os capitais estrangeiros estão procurando fazer negócios rendosos no Brasil e a aplicação de capitais em empresas de exportação de frutas tropicais para abastecer o mercado turístico do Caribe é um grande negócio. Por isso, Lula não quer nem ouvir falar em alternativas populares.
IHU On-Line - Qual pode ser a repercussão da greve de fome de Dom Cappio na relação dos movimentos sociais com o governo Lula?
Plínio de Arruda Sampaio - Lula foi a grande esperança dos movimentos populares nas duas décadas e meia passadas. Os movimentos relutam em admitir que ele passou para o outro lado. Mas vários deles estão tomando consciência desta dolorosa realidade. É um processo relativamente lento, mas em marcha. O jejum de Dom Cappio ajudou-os a perceber essa realidade.
IHU On-Line - Em artigo publicado nesta semana, o senhor fala da necessidade de diálogo entre o governo, os cristãos e a sociedade. Como realizar esse debate tendo em vista as profundas divergências que se explicitaram por ocasião da greve de fome de Dom Luiz Cappio?
Plínio de Arruda Sampaio - O diálogo entre o governo e a sociedade é uma exigência democrática. Não pressupõe a concordância, mas a divergência. O que reivindiquei no artigo mencionado foi uma presença maior dos cristãos na exigência desse debate.
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"Lula capitulou. Não quer nem ouvir falar em alternativas populares". Entrevista especial com Plínio de Arruda Sampaio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU