Sobre a impotência coletiva: Gaza, meu amor. Poema de Ivone Gebara

Foto: Marwan Mahmoud Dawod/Anadolu Ajansi

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02 Setembro 2025

"Assistimos a um genocídio de proporções incalculáveis e apesar das tantas manifestações ninguém nos ouve"

O poema é de Ivone Gebara, religiosa pertencente à Congregação das Irmãs de Nossa Senhora, filósofa e teóloga, que lecionou durante quase 17 anos no Instituto Teológico do Recife – ITER e que dedicou-se a escrever e a ministrar cursos e palestras, em diversos países do mundo, sobre hermenêuticas feministas, novas referências éticas e antropológicas e os fundamentos filosóficos e teológicos do discurso religioso.

Eis o poema.

Meu breve texto não contém dados do número de mortos.

As estatísticas talvez o digam.

Meu texto não inscreverá seus nomes. Nem mesmo os cidadãos do país o sabem com exatidão.

Meu texto não acusará alguém em especial embora cada um de nós em sua escala de responsabilidade conhece seu silencio, seu ódio e sua irresponsabilidade.

Meu texto não analisa razões, apenas constata situações e se deixa tocar...

Assistimos a um genocídio de proporções incalculáveis e apesar das tantas manifestações ninguém nos ouve.

Nenhum deus ouviu nossas preces, nenhum céu fez cair raios de fogo sobre as casas dos mantenedores do genocídio.

Nenhuma força divina deteve o braço dos muitos assassinos e protegeu os bebês recém nascidos.

A descrença em relação as entranhas humanas cresce em nós. A ganância substitui o amor.

O egoísmo apagou os traços da presença do outro como irmão, irmã, filha, filho, árvore, rio, mar.

O palavreado fácil se espalha, mas as soluções vitais não chegam.

A terra está devastada pelas mãos dos poderosos e mentindo ainda fazem discursos públicos sobre a paz e suas condições!

Destruíram as flores e as substituíram por canhões. Acabaram com os pássaros e os substituíram por drones.

Ah! mataram também o riso e a alegria das crianças. Mutilaram-nas, perfuraram seus corpos e fizeram com que a fome extinguisse seu suspiro por vida.

Choram as mulheres a morte de seus filhos e enquanto choram nuvens poderosas e ruídos estrondosos abafam seu choro e extinguem suas vidas.

Mas afinal, para que tudo isso?

Por que não nos deixam simplesmente viver?

Por que nos atordoam tornando nossa história apenas a história de guerras de conquista ?

Ah! se pudéssemos nós poetisas e poetas acabaríamos com tudo isso...

Ah! se pudéssemos destruiríamos canhões, armas e drones e os tornaríamos material de reconstrução...

Ah! se pudéssemos decretaríamos um Jubileu onde nenhuma arma poderia ser fabricada e usada, onde a terra pudesse descansar das bombas que agridem suas entranhas, onde os animais fugitivos de seus ninhos pudessem voltar e celebrar uma nova primavera.

Para que serve a poesia? Não sei...

Insanos sonhos poéticos me acometem...

Insanos para a lei das guerras sem fim, para uma economia de guerra, para uma pesquisa voltada para a guerra, para tecnologias em favor de sutis armas de guerra, para a oração ao deus da guerra.

E apesar desses pesares as viagens para Disneylândia estão esgotadas! Os hotéis cheios de turistas que correm para abraçar tio patinhas e dar beijos ao Mickey mouse...

E apesar desses pesares as visitas guiadas a ‘Terra Santa’ continuam como um alto ponto turístico... O ‘senhor dos exércitos’ será sempre louvado!

Tristeza não tem fim...

Que fazer de nós humanos? Como voltar a ter um coração de carne? De onde nos virá socorro?

Já não sabemos mais ouvir nossas entranhas, já não nos interessam os belos rios, os mares a preservação das florestas, a beleza do oriente e de sua poesia...

O dólar abre qualquer fronteira,

Os imperadores do mundo seguem julgando-se invencíveis...

Eu choro, apenas choro com as mulheres e crianças de Gaza.

Gaza, meu amor!

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