Habemus Papam. Artigo de Marcelo Barros

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05 Mai 2025

"Mesmo se a roda não pode ser quadrada e o conceito de hierarquia nunca casará verdadeiramente com sinodalidade, (diferentemente de ministério que não se opõe ao discipulado de iguais), certamente, tentar o aggiornamento (atualização para os dias de hoje) proposto pelo Papa João XXIII e libertar a estrutura eclesiástica do seu medievalismo congênito poderá ser o antídoto para o mal que, uma vez, ao falar da cúria, o Papa Francisco denominou de “doença de Alzheimer espiritual”. No entanto, a quem interessa isso?", pergunta Marcelo Barros, monge beneditino, escritor e teólogo brasileiro.

Eis o artigo.

Nesses dias, a atenção de boa parte da humanidade está ligada a essas palavras. Dentro de poucos dias, elas ressoarão para a multidão reunida na Praça de São Pedro, em Roma e, através da televisão e da internet para o mundo inteiro. O primeiro sinal da eleição do novo papa é a fumaça branca que sairá pela chaminé da Capela Sistina onde os Cardeais se reúnem. Pouco tempo depois, abre-se a janela localizada no topo da Basílica de São Pedro e o Cardeal Decano dos cardeais aparece e recita: “Eu vos anuncio uma grande alegria: Temos Papa”. E revelará quem é o cardeal escolhido e o nome do novo papa que, inclusive poderá indicar se ele pensa em prosseguir o caminho de Francisco ou de papas anteriores.

Muita gente, seja católica ou não, gosta dessa ritualidade medieval que vem do século XI (1060) e se manteve a mesma durante todos esses séculos, embora tenham mudado seus atores e o mundo ao qual se dirige. Na Idade Média, o Papa era o imperador dos territórios pontifícios que cobriam grande parte da Itália. Era ele quem aprovava ou desaprovava reis e governantes de toda a Europa Ocidental. Era o Papa quem concedia aos reis a missão de conquistar outros territórios e determinava o que era considerado justo e o que deveria ser tido como errado e proibido.

Agora, os cardeais que estão reunidos em Roma para escolher o novo papa sabem que o mundo mudou e o regime de Cristandade, como religião civil e cultura legitimadora dos poderes do mundo, não existe mais. Embora o Cardeal Decano continue dizendo “temos papa”, sabe que, atualmente, esse temos diz respeito a um nós bem mais específico e restrito do que o habemus papam de outros séculos.

Alguém que viesse de outro planeta e assistisse as discussões e apostas dos nossos círculos de diálogo sobre quem será o papa poderia ter a impressão de que essa notícia de que a Cristandade morreu não chegou ainda a muitos setores da sociedade e mesmo a alguns círculos do clero e da intelectualidade contemporânea. Ou será que há alguma intenção oculta em fazer de conta que ainda estamos em épocas passadas?

Quando lemos que Trump e sua quadrilha estão interessados em pressionar cardeais e, de alguma forma, influir na eleição papal, podemos lembrar de que, nos tempos do Comunismo soviético, o governo da URSS mantinha a Igreja Ortodoxa Russa com muita riqueza e facilitava o mais possível os seus rituais pomposos e imperiais. Quanto mais ouro, mais fechada a gaiola onde a hierarquia era aprisionada pela própria riqueza e menos acreditável era essa Igreja perante o mundo. Ou não foi assim que o mundo viu há dois anos o Patriarca de Moscou declarar publicamente que apoiava Putin e concordava com a invasão e a guerra na Ucrânia?

Mesmo se a roda não pode ser quadrada e o conceito de hierarquia nunca casará verdadeiramente com sinodalidade, (diferentemente de ministério que não se opõe ao discipulado de iguais), certamente, tentar o aggiornamento (atualização para os dias de hoje) proposto pelo Papa João XXIII e libertar a estrutura eclesiástica do seu medievalismo congênito poderá ser o antídoto para o mal que, uma vez, ao falar da cúria, o Papa Francisco denominou de “doença de Alzheimer espiritual”. No entanto, a quem interessa isso? Quem, de fato, são os inimigos da Igreja? As pessoas que insistem em dar remédio a quem está doente ou as que preferem fazer de conta que tudo está bem?

Em qualquer sociedade humana, é compreensível que quem detenha o poder não o queira repartir. No entanto, em determinadas circunstâncias, a sabedoria humana aconselha a perder o anel para não perder o dedo. Esperemos que o Espírito Santo não desanime e não ache que não vale a pena lutar quase inutilmente com a ilusão de irmãos hierarcas e de grupos católicos tradicionalistas que apostam no teatro do rei ou rainha por um dia de sonho e acham normal mitras, báculos e capas de cônsul do senado do Império Romano no mundo de hoje e em nome de Jesus Cristo.

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