08 Novembro 2024
A polícia matou 4.025 pessoas no ano passado em nove estados monitorados pela Rede de Observatórios da Segurança. Negros representam 87,8% dos mortos nos casos em que se tem informação sobre cor da pele. Isso significa que, nos territórios observados pela Rede, uma pessoa negra foi morta a cada quatro horas. Os dados fazem parte do relatório Pele Alvo: mortes que revelam um padrão, lançado nesta quinta-feira (7/11).
A reportagem é de Catarina Duarte, publicada por Ponte Jornalismo, 07-11-2024.
O relatório foi construído a partir de dados obtidos via Lei de Acesso à Informação junto às Secretarias de Segurança e órgãos correlatos. A quinta edição reuniu pela primeira vez dados do Amazonas, que se somaram aos números de Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo.
A preponderância de pessoas negras mortas pela polícia ocorre mesmo em estados onde a proporção da população negra é menor. Em Pernambuco, por exemplo, os pretos representam 65,3% da população — mas são 95,7% das vítimas mortas por agentes do Estado.
A política de segurança adotada nesses estados também provocou a morte de crianças. Foram 243 vítimas com idade entre 12 a 17 anos. No Rio de Janeiro, foi registrada uma vítima menor de 11 anos.
Para Jonas Pacheco, coordenador de pesquisa da rede de Observatórios e pesquisador do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), os números são “estarrecedores”. O pesquisador ressalta que a violência não afeta somente os familiares de quem tem a vida interrompida, mas a sociedade toda.
“Esse tipo de resultado não impacta somente quem está diretamente relacionado a esse tipo de ação violenta, mas enquanto bem coletivo, a segurança pública se torna ineficaz, gerando só custo desnecessário e mortes de negros”, critica Jonas.
A Bahia foi o estado com mais mortos pela polícia: 1.702. O número é 16% maior do que o registrado pela Rede de Observatórios em 2022. Governado desde 2007 pelo Partido dos Trabalhadores, foi o único entre os estados monitorados a registrar mais de mil mortes.
Das vítimas na Bahia, 94,6% eram negras, 99,5% homens e 62% tinham idade entre 18 e 29 anos. A edição deste ano do Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostrou que, das 10 cidades com maiores taxas de violência policial, metade está na Bahia.
Pelo segundo ano consecutivo, a Bahia também superou o Rio de Janeiro em letalidade policial. Apesar de o governador fluminense Cláudio Castro (PL) defender publicamente atuações violentas e racistas da Polícia Militar, o Rio fechou 2023 com queda de 34,5% na letalidade - foram registradas 871 mortes no ano passado, contra 1.330 em 2022.
Jonas diz que, apesar de um governo progressista, a Bahia lida com a questão do combate ao tráfico de drogas da mesma forma que outros governos de centro ou de direita. “Hoje a Bahia tem mais de 20 grupos criminosos disputando o mercado de venda de drogas. Aí, sim, aparece um padrão dos governos: a resposta às facções/milícias vai na direção do confronto. Não se tem uma prerrogativa de se usar ações de inteligência para a diminuição da circulação de armas, por exemplo”, questiona.
Já sobre a redução de mortes no Rio, Jonas avalia que parte da queda pode ser explicada pela Arguição de Descumprimento de Preconceito Fundamental (ADPF) 635, que ficou conhecida como ADPF das Favelas. Após o julgamento em 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF) passou a cobrar do estado metas bem definidas e um plano de redução de letalidade.
São Paulo também viu a letalidade crescer em 2023. O número de mortes provocadas pela polícia avançou 21,7%, sendo negras 66,3% das vítimas. A gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos), conduzida pelo secretário da Segurança Guilherme Derrite, promoveu operações letais. As ações foram classificadas por especialistas na área como ações de vingança em resposta à morte de policiais.
A ação da polícia de Tarcísio na Operação Escudo deixou, em quarenta dias, 28 pessoas mortas na Baixada Santista. Mesmo alvo de críticas, o governo não hesitou em deflagrar este ano uma nova operação na mesma região. Desta vez, 56 pessoas foram mortas.
Nesta terça-feira (5/11), a política de segurança de Tarcísio e Derrite levou à morte de uma criança de 4 anos e de um adolescente de 17, em Santos, no litoral paulista. À Folha de S. Paulo, a mãe de Ryan da Silva Andrade Santos disse que o menino brincava com amigos em frente de casa quando foi atingido. Ryan é filho de Leonel Andrade Santos, 36, morto pela polícia na Operação Verão.
Em entrevista coletiva concedida nesta quarta-feira (6/11), o coronel Emerson Mussera admitiu que o tiro que matou Ryan “provavelmente” partiu da arma de um policial.
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Uma pessoa negra é morta a cada quatro horas pela polícia, diz estudo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU