10 Setembro 2024
A esquerda qualifica como pouco críveis as tentativas da direita do ÖVP de se distanciar dos ultras do FPÖ. Tudo indica que este último partido não apenas entrará no Governo, mas que, pela primeira vez, será o partido líder da coalizão.
O artigo é de Angel Ferrero, jornalista, publicado por El Salto, 08-09-2024.
Depois da Alemanha, Áustria. O avanço significativo da ultradireita nas eleições dos estados federados da Saxônia e Turíngia provavelmente será seguido por Brandemburgo, em 22 de setembro, e, sete dias depois, em 29 de setembro, pela Áustria. O Partido da Liberdade da Áustria (FPÖ) lidera as pesquisas de intenção de voto na república alpina há meses. A situação é inédita, já que, embora a ultradireita já tenha feito parte do governo austríaco antes, desta vez seria a força dominante no executivo.
Isso, claro, se o Partido Popular Austríaco (ÖVP) quiser formar governo com o FPÖ. Alguns políticos conservadores expressam sem muitas reservas sua posição favorável a esse cenário. É o caso do porta-voz do grupo parlamentar do ÖVP, August Wöginger, para quem os populares “estão mais próximos” do FPÖ do que de qualquer outro partido. Outros, como o secretário-geral da Economia, Kurt Egger, acusaram o FPÖ de “envenenar” a economia austríaca com um programa “contraditório que não fará nosso país avançar”.
Outros ainda conceberam um “cordão sanitário” não ao partido, mas ao seu candidato, Herbert Kickl, com a intenção de conter danos eleitorais e tentar controlar a situação, dividindo a ultradireita. O chanceler austríaco, Karl Nehammer, enfatizou essa tática dos democrata-cristãos em uma entrevista à rádio e televisão pública, na qual disse que não haveria nenhuma coalizão com Kickl, mas na qual concedeu que “o FPÖ é um partido heterogêneo” no qual ele tem bons contatos.
Na imprensa liberal, os comentaristas consideram várias coalizões que poderiam impedir que Kickl se torne chanceler e que seu partido assuma os ministérios-chave do novo governo. A Áustria pode ser a próxima peça de dominó a cair na paciente estratégia europeia de uma ultradireita cujas velas parecem captar os ventos de descontentamento que atravessam o velho continente. Seu programa de governo tem como título o inequívoco “Áustria fortaleza, uma fortaleza da liberdade”. Em consonância com a direção mais discreta de Kickl, não há propostas chamativas, mas os “azuis” – como são conhecidos no país pela cor que representa o partido – prometem restrições em matéria de imigração, políticas ambientais e de assistência social, além de cortes de impostos.
“Se o FPÖ e o ÖVP tiverem maioria, formarão coalizão”, responde ao El Salto Katharina Ebhart-Kubicek, do Partido Social-Democrata da Áustria (SPÖ). Para Ebhart-Kubicek, “as tentativas do ÖVP de se distanciar do FPÖ não são críveis”, e lembra que os populares austríacos governam com a ultradireita na Baixa Áustria, na Alta Áustria e em Salzburgo. Uma coalizão assim a nível federal “teria consequências dramáticas para os austríacos”, já que os governos anteriores de conservadores e da direita radical levaram a “cortes nas pensões, ao desmantelamento da seguridade social e à introdução da jornada de trabalho de 60 horas”. “Considerando os enormes déficits orçamentários que o atual governo entre conservadores e verdes precisa enfrentar”, acrescenta, “um governo do ÖVP e do FPÖ depois de 29 de setembro ameaçaria com cortes enormes na educação, nas aposentadorias e na saúde”.
Fiona Sinz, do Partido Comunista da Áustria (KPÖ), concorda com Ebhart-Kubicek. “O chanceler Nehammer até agora excluiu uma coalizão entre o ÖVP e o FPÖ, mas que se trata de uma promessa vazia é algo que deveria ficar claro para todos.” Segundo Sinz, “o Partido Popular Austríaco mostrou repetidamente que não tem nenhum problema em se coligar com a extrema-direita, desde que isso o mantenha no poder.”
Após sua saída da coalizão de governo com os conservadores em 2019, o FPÖ, envolvido em vários casos de corrupção, sofreu uma forte queda eleitoral. Hoje, a ultradireita não apenas se recuperou, mas até superou os conservadores, que agora observa de cima. A ultradireita austríaca flerta com a ideia dos republicanos americanos de se apresentarem como um “partido dos trabalhadores”.
Embora não com a mesma intensidade nem repercussão midiática que na Alemanha, as consequências econômicas da guerra na Ucrânia e a política de sanções de Bruxelas se fazem sentir na indústria e no setor de serviços do país, um dos poucos que ainda mantém sua neutralidade dentro da União Europeia após a entrada da Suécia e Finlândia na OTAN (os outros dois são Irlanda e Malta). A Áustria encerrou o mês de agosto com 352.000 desempregados, cerca de 31.000 a mais (+9,8%) que em agosto de 2023, sendo a indústria e a construção os setores mais afetados.
Sinz acredita que “as crises múltiplas dos últimos anos aumentaram enormemente a pressão sobre as pessoas, principalmente as preocupações econômicas com a inflação e o constante risco de guerra”, e que os partidos estabelecidos “ainda não conseguiram abordar devidamente essas questões, nem sequer fazer propostas políticas para melhorar a situação, e, em vez disso, se acomodam ao discurso da direita e, dessa forma, deslocam perigosamente o debate, algo de que o FPÖ claramente se aproveita.”
Ebhart-Kubicek concorda com o diagnóstico de Sinz. “Há uma enorme frustração em relação ao sistema político e uma alta insatisfação com os últimos acontecimentos na Áustria”, uma situação em que “o FPÖ consegue chegar até as pessoas e fazer uma oposição radical.” A política social-democrata adverte que o “FPÖ está do lado dos super-ricos”, já que, entre outras coisas, rejeita a aprovação de um imposto sobre a riqueza.
Poderia alguma coalizão entre dois ou mais partidos impedir o avanço do FPÖ? Todas as combinações estão sobre a mesa, desde que se cumpram duas condições. A primeira, como foi mencionado acima, é que o ÖVP rejeite formar governo com o FPÖ. A segunda é que a aritmética parlamentar permita sua formação. O leque é amplo: desde uma reedição da Grande coalizão entre conservadores e social-democratas até uma coalizão tripartida entre social-democratas, verdes e liberais, como a que governa na Alemanha.
Caso isso ocorra, a tarefa de construir uma coalizão de governo funcional e harmonizar diferentes sensibilidades não será fácil — os social-democratas austríacos estão mais à esquerda do que os alemães, e o NEOS, o partido liberal austríaco, já se pronunciou a favor de “reformas duras” — e o FPÖ, seguindo os passos da Agrupação Nacional (RN) de Marine Le Pen na França, sempre pode se fortalecer no parlamento e esperar uma oportunidade melhor para consumar seu assalto à chancelaria.
Katharina Ebhart-Kubicek, que fala pelos social-democratas, destaca o perfil mais à esquerda do partido desde a chegada de Andreas Babler à presidência do SPÖ, algo com o qual nem todos concordam, como o próprio Babler foi obrigado a reconhecer em uma entrevista no final de agosto, na qual falou de “resistências” dentro da formação após críticas internas ao programa eleitoral terem sido vazadas à mídia. Uma coalizão entre social-democratas, liberais e verdes poderia significar a renúncia de Babler.
“O importante é que o SPÖ saia tão fortalecido que, em primeiro lugar, se possa evitar um governo de direita, e que seja, depois, possível um governo estável com o SPÖ”, sentencia Ebhart-Kubicek em resposta à pergunta sobre possíveis coalizões, cortando especulações. Seu partido exigirá de qualquer parceiro de coalizão que faça “política para os trabalhadores e não para as grandes empresas e os super-ricos”. “Queremos uma política para o bem-estar da maioria e não para o benefício de uma minoria, onde haja mais democracia, transparência e liberdade de expressão, e não menos”, esclarece.
“Nas pesquisas atuais, os números não são suficientes para uma coalizão entre o SPÖ e o ÖVP”, aponta Fiona Sinz. “Uma coalizão entre social-democratas, verdes e liberais também não teria maioria no parlamento”, continua, embora “até que cheguem as eleições, e ainda faltam várias semanas, algumas coisas podem mudar.” “Algumas coisas”, para o KPÖ, significaria principalmente seu retorno ao parlamento nacional, do qual deixou de fazer parte em 1959. Os comunistas austríacos registraram recentemente sucessos eleitorais nas eleições municipais de Graz — onde, em 2021, conquistaram a prefeitura com 20,3% dos votos — e Salzburgo — onde, no ano passado, obtiveram 11,66% —, e esperam que esses resultados sirvam de trampolim para essas eleições. Sinz prefere ser cautelosa: “Por enquanto, não esperamos um sucesso como os de Graz ou Salzburgo, mas nos deixamos surpreender”, diz, “lutamos por cada voto para superar o limiar de 4% e entrar no parlamento.” Mas ela também termina com uma nota de esperança: “A oportunidade se apresenta melhor do que nunca, então estamos otimistas de que isso acontecerá”.
Cada país europeu tem sua própria ultradireita, e cada partido tem suas próprias estratégias para freá-la. A Áustria não é, claro, uma exceção. Além disso, apesar de ser um “país pequeno” em comparação com Alemanha, França ou Itália, tem anos de experiência nesse campo.
“Com o FPÖ não se pode construir um Estado”, sentencia Ebhart-Kubicek. A ultradireita “intoxica, divide e semeia ódio” e “não tem soluções para os problemas mais urgentes, da inflação ao aquecimento global, passando pelo declínio do nosso sistema de saúde”. O SPÖ, prossegue, “se opõe decididamente a essas políticas e apresenta soluções para melhorar a vida das pessoas: queremos intervir nos mercados, congelar os aumentos de aluguel até o final de 2026, proibir jatos particulares, instituir uma semana de trabalho de quatro dias ou suspender o IVA sobre alimentos básicos.” Também queremos reduzir o tempo de espera para consultas com especialistas médicos para 14 dias e combater a pobreza infantil com um benefício universal básico por filho. Kickl já classificou esse programa como “neocomunismo”. “Somente com um SPÖ forte é possível impedir uma guinada autoritária e poupar à Áustria um terceiro governo entre a direita e a ultradireita”, conclui.
Para os comunistas, trata-se de “levar a sério as preocupações cotidianas das pessoas”. Por isso, afirma Sinz, “não esperamos pelas próximas eleições, mas começamos a trabalhar aqui e agora”. Ela dá como exemplo as consultas gratuitas aos cidadãos ou os fundos sociais que o KPÖ mantém em Graz e outras cidades. Seus cargos eleitos, explica, “se abstêm dos salários exorbitantes dos políticos e ficam com o salário médio de um trabalhador especializado; o restante é destinado a um fundo que ajuda pessoas em situações de necessidade financeira”. Para Sinz, “políticos com salários altos fazem política a partir das alturas e não entendem as preocupações cotidianas da população”. Da mesma forma, os candidatos do KPÖ “não são políticos profissionais, mas têm empregos normais”, e ela cita Bettina Prochaska, uma trabalhadora da saúde pública. “Tudo isso gera confiança, uma confiança na política que muitas pessoas na Áustria já deixaram de ter”, lamenta.
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Áustria se prepara para a vitória da ultradireita - Instituto Humanitas Unisinos - IHU