05 Setembro 2024
"A linha entre a ironia e a crueldade às vezes é muito tênue e, nesse caso, revela uma estratégia de comunicação que vai além da espetacularização da violência", escreve Marta Cariello, em artigo publicado por il manifesto, 04-09-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eu gostaria de ter estado naquela sala quando os quadros militares israelenses decidiram que sim, o nome é o correto: o ataque à Cisjordânia em agosto de 2024 será chamado de Operação “Summer Camps”. Os campos são, é claro, os campos de refugiados (uma consequência da ocupação israelense, é claro), e isso já traz consigo um grau de ironia amarga, a demolição de um arranjo criado pelo demolidor. De fato, agora é uma questão de terminar o trabalho. Mas é claro que o outro sentido de “campos de verão” não pode escapar, aqueles em que as crianças brincam e passam o período mais belo do ano. Aqui está, é aqui que a veia irônica desse nome exala, francamente, perversão.
O costume de dar um nome às guerras ou às operações militares não é novo nem, certamente, uma invenção israelense. Remonta à Primeira Guerra Mundial na Alemanha e evolui de um dispositivo militar com função de código para elemento relevante das relações públicas das nações envolvidas, à medida que os meios de comunicação de massa, por sua vez, se desenvolvem. É bem sabido que Churchill (responsável pela escolha de “Overlord” para o desembarque na Normandia em vez de outras opções, como “sledgehammer”, martelo ou marreta) elaborou regras para a atribuição de nomes para as operações: se houvesse a expectativa de baixas muito altas, o nome não deveria ser engraçado nem de alguma forma risível.
Os Estados Unidos, sempre vanguardistas na espetacularização de tudo, produziram nomes dignos de Hollywood para suas guerras. Todos nós lembramos dos exóticos Desert Shield, Desert Storm e até mesmo Desert Sabre (“sabre do deserto”, talvez, quem sabe, também lembrando o sabre de luz de Luke Skywalker).
O ponto de virada para os EUA foi depois do Vietnã, a primeira guerra intensamente transmitida pela TV, que tinha visto operações únicas com nomes muitas vezes abertamente violentos ou depreciativos, como Good Friend, Turkey Shoot ou Rabbit Hunt, precedidas pelas explícitas operações da Guerra da Coreia de 1951, como Rat Killer e Ripper (esquartejador), por exemplo. O Departamento de Defesa dos EUA percebeu que esses nomes não constituíam uma boa jogada de relações públicas para a marca EUA e, em 1972, emitiu um conjunto de diretrizes para “refletir os ideais tradicionais americanos” e não ofender a sensibilidade de outros grupos ou religiões, nem de nações aliadas ou do chamado “mundo livre”.
Assim, depois de mais de uma década de nomes aleatórios gerados por computador, a virada comunicativa veio com o Panamá, onde, em 1989, entrou em cena a Operação Causa Justa para remover Noriega. Em anos mais recentes, após as sugestões do deserto, os EUA passaram a insistir na evocação igualmente evanescente e desorientadora da liberdade: Operação Liberdade Iraquiana, Operação Liberdade Duradoura, Operação Sentinela da Liberdade. Os nomes das guerras e das diferentes fases das operações são infinitos, não apenas os estadunidenses, mas de quase todos os sujeitos - estatais e, às vezes, não estatais - envolvidos em guerras nas últimas décadas. Seria uma lista muito longa, e certamente digna de um estudo cuidadoso e talvez até urgente, dada a nova aceleração dos meios de comunicação de massa e, até certo ponto, também das guerras, pelo menos na percepção que temos no Ocidente.
Voltando à ironia, certamente poderíamos também considerar o uso da palavra “liberdade” pelos EUA, por exemplo, para ir e travar uma guerra em solo soberano estrangeiro e sem ter sido atacados, uma enorme ironia, mesmo sem entrar na questão dos EUA como “terra da liberdade” e, portanto, do próprio significado que se entende dar à liberdade, se realmente compatível com a sociedade capitalista. No entanto, a ironia dos “campos de verão” israelenses parece dar, se possível, um salto adiante, um golpe desumano a mais no massacre já em ato.
A ironia deveria servir como um meio de distanciamento, deveria ajudar a ver as coisas de uma distância que as torne menos trágicas, mesmo que, no fim das contas, talvez um pouco amargas. No entanto, a linha entre a ironia e a crueldade às vezes é muito tênue e, nesse caso, revela uma estratégia de comunicação que vai além da espetacularização da violência; é (ao vivo para o mundo) também a violência das palavras.
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A estratégia da violência nos nomes das guerras - Instituto Humanitas Unisinos - IHU