Perda de vegetação nativa, desmonte de políticas públicas ambientais e crise climática potencializam os efeitos das enchentes e colocam em xeque o modelo de desenvolvimento gaúcho
"Segundo o MapBiomas, em quatro das nove bacias hidrográficas que integram a região do Guaíba, menos da metade do território é ocupado por vegetação nativa. Um cenário preocupante é o da bacia do Alto Jacuí, fortemente atingida pelas chuvas, cujos remanescentes são de apenas 20% do território".
A reportagem é de Elizabeth Oliveira, pulicado por ((o))eco, 20-05-2024.
“Água barrenta é solo que está sendo levado pela enchente”, destaca o biólogo Eduardo Vélez, pesquisador do projeto MapBiomas, em uma sinalização evidente de que solos desprotegidos se tornaram mais vulneráveis em cenários de agravamento da crise climática, quando volumes de chuvas totalmente fora dos padrões históricos arrastaram tudo o que encontravam pela frente nas últimas semanas no Rio Grande do Sul. A região do Guaíba, composta por nove bacias hidrográficas, cujas águas drenam para o lago Guaíba e para a Lagoa dos Patos, não foi uma das mais afetadas por acaso. Essa região, que contempla partes dos biomas Pampa ou Campos Sulinos, ao sul e a oeste, e Mata Atlântica, ao norte e nordeste, perdeu 1,3 milhão de hectares de vegetação nativa entre 1985 e 2022 para atividades agrícolas, mineração, silvicultura e urbanização, segundo dados do MapBiomas.
Essas são algumas das estatísticas, possibilitadas por análises de imagens de satélites, que ajudam a estabelecer importantes conexões entre esse problema da perda de campos e florestas nativos dos dois biomas e algumas das suas consequências para toda a sociedade gaúcha. Ainda que não existam respostas precisas sobre o quanto que essa vegetação nativa, caso protegida, teria contribuído para tornar o problema das enchentes menos impactante, o pesquisador argumenta que esses dados não podem ser ignorados no debate, tendo em vista “que a natureza contribui com muitas funções ecológicas que quase sempre têm sido negligenciadas”.
Nos mapas reunidos nessa série de análises do MapBiomas, é possível observar como essa região hidrográfica do Guaíba, que totaliza 8,5 milhões de hectares, tem sido alterada por atividades diversas, com ênfase na produção de soja. Em 1985, a cobertura de vegetação nativa nesse conjunto de nove bacias hidrográficas ocupava 63% do território, totalizando 5,3 milhões de hectares. Mas em 2022, os remanescentes tinham sido reduzidos para 3,9 milhões de hectares, representando 47% dessa extensão territorial.
Mapa de cobertura e uso da terra da região hidrográfica do Guaíba em 1985. (Fonte: Fonte: MapBiomas, coleção 8)
O pesquisador também chama atenção para outro dado dessa análise que ajuda a estabelecer conexões entre o desmatamento e os impactos das cheias que afetaram a maior parte dos municípios gaúchos. Segundo o MapBiomas, em quatro das nove bacias hidrográficas que integram a região do Guaíba, menos da metade do território é ocupado por vegetação nativa. Um cenário preocupante é o da bacia do Alto Jacuí, fortemente atingida pelas chuvas, cujos remanescentes são de apenas 20% do território.
No período pesquisado, na região do Guaíba, os campos perderam 1,1 milhão de hectares de vegetação nativa, enquanto a perda de florestas foi de 267 mil hectares. O pesquisador ressalta que o bioma é o menos protegido por unidades de conservação (UC) no Brasil. Pelos dados do Cadastro Nacional de Unidades de Conservação (CNUC), o Pampa tem 29 UC, o que equivale a apenas 4,66% de sua extensão territorial, restrita ao estado do Rio Grande do Sul.
Para Vélez, o momento é oportuno à reflexão crítica sobre os fatores que fragilizam o meio ambiente e ampliam vulnerabilidades futuras para as dinâmicas socioeconômicas gaúchas, tendo em vista as previsões de que eventos extremos continuarão sendo cada vez mais frequentes e impactantes, frente ao agravamento da crise climática. “A gente precisa olhar para as paisagens rurais e para o seu ordenamento”, observa o pesquisador. Nesse contexto, ele considera cada vez mais crucial que as leis ambientais sejam cumpridas.
“Para pensar sobre o futuro, precisamos ter um diagnóstico atualizado de bacia por bacia, verificar o déficit de Reserva Legal e Áreas de Preservação Permanente (APP) nas propriedades rurais, tomar medidas de recuperação de vegetação perdida e criar áreas protegidas”, opina o pesquisador. Nesse panorama, ele acrescenta que as propriedades rurais devem estar no centro da discussão sobre planejamento com o intuito de equilibrar as suas áreas agrícolas com as de vegetação nativa.
Em cenário de agravamento da crise climática, em que medida o desmonte de políticas públicas e o descumprimento de leis ambientais contribuíram para potencializar os impactos das enchentes que assolaram o Rio Grande do Sul este mês, gerando perdas humanas e socioeconômicas inestimáveis e de difícil reparação? Outras vozes de especialistas ouvidos nesta reportagem destacam a necessidade de se buscar interconexões nesse debate.
Uma das vozes que têm ecoado em resposta a esse questionamento é a do agrônomo Valério Pillar, professor titular do Departamento de Ecologia do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador da Rede de Pesquisa Campos Sulinos. Ele aponta como exemplo, o descompasso do estado em relação à Lei 12.651/2012 de Proteção da Vegetação Nativa, que substituiu o Código Florestal da década de 1960 no seu mais recente processo de revisão.
Em sua argumentação, Pillar recorda que essa lei estabelece que os órgãos ambientais dos Estados e do Distrito Federal são responsáveis pela validação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), pelo Programa de Regularização Ambiental (PRA) dos proprietários com passivos ambientais em relação à Reserva Legal, às Áreas de Preservação Permanente (APPs), entre outras obrigações previstas nesse arcabouço legal dirigido às propriedades privadas. Entretanto, ressalta que “o governo do Rio Grande do Sul até agora não validou o CAR e não implementou o PRA nem a CRA [Cota de Reserva Ambiental]”. “Tampouco fiscalizou efetivamente a supressão ilegal de vegetação nativa, sobretudo, de vegetação campestre”, acrescenta.
Pelos dados do projeto MapBiomas, ele menciona que a perda média de cobertura de campos nativos, entre 2012 e 2021, foi de 147 mil hectares, por ano, somente no bioma Pampa. “Em relação ao tamanho do bioma, seria como se na Amazônia fossem perdidos 30 mil quilômetros quadrados de vegetação nativa por ano”, compara.
“E para piorar, ainda tivemos o Decreto Estadual 52.431/2015 [define a implementação do CAR e procedimentos para a aplicação do novo Código Florestal no estado], que estabeleceu uma categoria esdrúxula de ‘Área rural consolidada por supressão de vegetação nativa com atividades pastoris: área com ocupação antrópica preexistente a 22 de julho de 2008, com atividades pastoris em que se manteve parte da vegetação nativa’. Ou seja, o governo do estado incentivou a declaração irregular no CAR de remanescentes de vegetação nativa campestre como sendo ‘área rural consolidada’, fragilizando a fiscalização da supressão ilegal”, analisa o professor.
Segundo Pillar, o Ministério Público entrou com uma Ação Civil Pública contra o decreto estadual, tendo obtido uma decisão liminar, ainda válida, exigindo o cumprimento da Lei Federal e a regularização do CAR para remanescentes de campos nativos declarados como área rural consolidada. “Desde então (2015), o governo do Rio Grande do Sul descumpre a decisão liminar”, afirma. O professor acrescenta que o argumento governamental é de que houve judicialização do CAR, o que impediria o Estado de validar esse instrumento legal. “Esse argumento não se sustenta. Basta ler a decisão liminar e verificar”, opina.
“Para culminar a ilegalidade, o artigo que estabeleceu a categoria esdrúxula de área rural consolidada, e que foi contestado judicialmente, foi incorporado no Código Estadual do Meio Ambiente (Lei 15.434/2020)”, afirma Pillar sobre a legislação que passou por alterações, apontadas por especialistas como um dos pontos de vulnerabilidade do Rio Grande do Sul, aos efeitos da crise climática, e sobre a qual o governo estadual apresenta suas ponderações nesta reportagem.
O professor argumenta que “a vegetação nativa florestal e não florestal, incluindo os campos nativos, protege o solo e sua capacidade de infiltrar a água da chuva, diminuindo o escorrimento superficial e a erosão”. Ele acrescenta que “a conversão da vegetação nativa em lavouras deixa o solo mais suscetível à erosão e ao escorrimento superficial, como denuncia a água barrenta das cheias” e alerta que, “mesmo com o plantio direto, generalizado nessa região, o solo é apenas parcialmente protegido pela espécie cultivada, em geral a soja, e pela palha”.
Pillar tem alertado publicamente sobre os riscos ecológicos que a continuidade do processo de degradação pode causar ao estado, representando ameaças à própria economia. “A falta de proteção da vegetação nativa, sobretudo dos campos nativos no Pampa e no bioma Mata Atlântica, agrava os impactos negativos dos eventos extremos de chuva, como agora, e de seca, como aconteceu no verão de 2022-2023 e outras vezes no passado recente”, observa.
“Temos alertado que a monocultura torna mais vulneráveis aos extremos climáticos tanto as propriedades rurais, como a economia das regiões e do Rio Grande do Sul como um todo. A proteção dos campos nativos, por meio das Reservas Legais e da exigência de autorização legal para sua supressão, permitiria manter uma economia local e regional diversificada e menos vulnerável aos extremos climáticos”, reitera. Ainda segundo Pillar, “a atividade pastoril de produção pecuária sobre campos nativos, além de ser essencial para a conservação da alta biodiversidade desses campos, é muito menos vulnerável a uma seca ou a um período de excesso de chuvas, o que não é o caso das lavouras”.
Percentual ocupado pela vegetação nativa remanescente em1985 e em 2022 em cada uma das nove bacias hidrográficas que integram a região hidrográfica do Guaíba em 2022. (Fonte: Fonte: MapBiomas, coleção 8)
Como sugestões aos tomadores de decisão para que o processo de reconstrução do estado possa contemplar, no futuro, mais equilíbrio entre o seu modelo de desenvolvimento socioeconômico e a proteção do seu patrimônio natural, em longo prazo, Pillar adverte: “O primeiro passo é o governo do estado cumprir e fazer cumprir a Lei de Proteção da Vegetação Nativa. Parece óbvio, mas no Rio Grande do Sul não tem sido”. Ele acrescenta que “parlamentares no Congresso Nacional deveriam rejeitar tentativas de mudar a Lei de Proteção da Vegetação Nativa que fragilizam a proteção e beneficiam quem a descumpriu ou pretende descumprir, como é o caso do PL 364/2019”.
No âmbito do governo federal, ele opina que decisões poderiam ser tomadas no sentido de “aperfeiçoar incentivos a sistemas de produção ambientalmente sustentáveis no Pampa e nos campos de altitude do bioma Mata Atlântica por meio do Plano Safra, restringindo financiamentos a monoculturas, exigindo o cumprimento da lei e validação do CAR para conceder financiamento”, Para tal, deveria ser incluída “a devida compensação de Reserva Legal quando faltar, exigindo autorização de supressão para financiamento de cultivos em novas áreas de conversão, e garantindo o seguro rural apenas para cultivos e regiões que sejam menos vulneráveis à seca e ao excesso de chuva”.
Para a sociedade, ele destaca a necessidade de “não ignorar os alertas sobre os impactos das mudanças climáticas e apoiar a adoção de medidas de adaptação”. O professor também considera fundamental o apoio “às medidas de mitigação das mudanças climáticas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa”. Além disso, adverte sobre a importância de “não votar em parlamentares e governos que negam as mudanças climáticas ou negligenciam medidas que reduzam os impactos de extremos climáticos”.
Quanto às possíveis lições que podem ser tiradas dessa tragédia, Pillar afirma: “Esperamos que essa catástrofe convença as pessoas a valorizarem a proteção da natureza e os benefícios que ela gera para a humanidade”.
Marcelo Elvira, assessor em Advocacy do Observatório do Código Florestal, é outra voz que se soma à discussão sobre a importância da legislação ambiental em vigor e que opina sobre os riscos envolvidos com o seu descumprimento, sobretudo, diante do atual cenário de perdas e danos inestimáveis no Rio Grande do Sul. Ele exemplifica como situação preocupante, que pelos dados do Termômetro do Código Florestal (TCF) o estado tem um passivo de 385.379,3 hectares quando somados 255.484,6 hectares de Reserva Legal e 129.894,7 de APP suprimidos das propriedades rurais gaúchas. “Quando uma norma estadual é flexibilizada, ela está afetando o coração de áreas fundamentais ao equilíbrio ecológico em um estado que tem uma importância gigante para o país”, afirma em relação às controvérsias envolvendo arcabouço estadual que passou por alterações.
O assessor também menciona um estudo do Instituto Escolhas, segundo o qual o passivo ambiental para a reconstrução do Rio Grande do Sul é da ordem de 1,16 milhão de hectares de vegetação nativa degradada. Esse levantamento indica que somente a recomposição de Reserva Legal no estado poderia gerar 80 mil empregos, o que teria importância central na economia gaúcha.
O ambientalista menciona, ainda, que o Observatório tem atuado fortemente em posicionamento contrário aos projetos de lei que tramitam no Congresso e que colocam em risco o Código Florestal, tendo em vista que a fragilização desse arcabouço legal pode se reverter em outras tragédias como a que vem sendo enfrentada pela população gaúcha.
A professora Heleniza Campos, do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da UFRGS e pesquisadora do Observatório das Metrópoles, Núcleo de Porto Alegre, também chama a atenção para o processo de desmonte de políticas públicas ambientais verificado no Rio Grande do Sul, a exemplo do que ocorreu no Brasil durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Ela aponta como reais fragilidades político-institucionais, nos últimos anos, em terras gaúchas, a falta de estratégias governamentais, a redução de quadros profissionais, a ausência de ações localizadas e de capacitação de corpo técnico.
Mencionando também como preocupantes as mudanças geradas pelo Código Ambiental do Estado, a pesquisadora ressalta como exemplo, “o afrouxamento dos processos de licenciamento ambiental que anteriormente tinham mais controle e na atualidade são autodeclarados para grandes empreendedores”. “A situação é preocupante pela localização geográfica do estado, cada vez mais suscetível às enchentes, principalmente na região metropolitana de Porto Alegre”, observa.
Para a especialista, a perspectiva mercadológica à qual têm sido submetidas as cidades brasileiras, cada vez mais pressionadas por fatores como as investidas da especulação imobiliária, tem trazido muitas ameaças aos centros urbanos, sobretudo, diante da necessidade de adaptação aos efeitos da crise climática. Para ilustrar a situação, ela menciona as controvérsias envolvendo a tentativa de retirada do chamado Muro da Mauá, no Centro Histórico de Porto Alegre, sob a alegação de revitalização dessa área da capital gaúcha, tema que ganhou repercussão no âmbito do processo de revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental.
No entanto, a ideia não se concretizou já que esse processo de revisão do Plano Diretor foi adiado. Ao mesmo tempo, essa estrutura de 3 mil metros de comprimento e três metros de altura, embora considerada pouco atrativa para alguns segmentos sociais, é parte do sistema de contenção de cheias da cidade e diante de episódios de enchentes mais recentes passou a mobilizar rejeição da sociedade.
A pesquisadora também ilustra a falta de manutenção do sistema de bombas e comportas como parte dos impactos causados pelas enchentes em Porto Alegre. Da mesma forma, menciona que o Muro da Mauá tem brechas, causadas pela falta de reparos. Ela conta que tentaram preencher os espaços com sacos de areia, mas o arranjo não surtiu efeito diante da forte vazão das águas que inundaram a cidade. “O que a gente viu foi um grande desastre político, com a população sem saber o que fazer. Temos um sistema complexo que levou tempo para ser construído, mas que precisa de manutenção constante e de corpo técnico qualificado para ser operado”, critica.
Para a especialista, a cidade que poderia servir de referência para o Brasil, por ter construído ainda na década de 1960 um sistema de contenção de enchentes considerado inovador, tem perdido esse tipo de oportunidade pelo abandono de políticas públicas consideradas importantes e pela falta de diálogo do poder público com a sociedade.
Em resposta aos questionamentos da reportagem, trazendo controvérsias levantadas por ambientalistas, pesquisadores e organizações da sociedade civil, a Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura expressou um reconhecimento sobre a realidade de agravamento da crise climática, frente à qual foi apontada uma série de medidas de enfrentamento. Mas por outro lado, houve uma discordância quanto à flexibilização da legislação ambiental estadual, apontada como um dos pontos de fragilidade diante das enchentes que assolaram o estado nas últimas semanas. “As catástrofes climáticas são uma realidade mundial, com ocorrências mais frequentes e intensas em todo o planeta, sendo assim, não podem ser atribuídas à atualização da lei. Todavia, a adaptação é a emergência e tem sido tratada como tal”, afirma o posicionamento do órgão em entrevista apresentada a seguir.
Tem sido levantada como questão preocupante, a aprovação em 2020, de um projeto que altera em 500 pontos o Código Ambiental do Rio Grande do Sul. Qual o posicionamento do governo estadual sobre essa controvérsia?
A chuva em abundância extraordinária definiu novos cursos para os rios, potencializou o risco de áreas mais suscetíveis a desastres naturais e, mais uma vez, nos mostrou que a natureza é soberana. As catástrofes climáticas são uma realidade mundial, com ocorrências mais frequentes e intensas em todo o planeta, sendo assim, não podem ser atribuídas à atualização da lei.
Todavia, a adaptação é a emergência e tem sido tratada como tal. Esta adaptação traz ações imediatas, como planos de contingência vigentes, melhorias no sistema de previsão e alertas, capacitação das equipes de Defesa civil e as de médio e longo prazos, como realocações de bairros inteiros, revisão de planos diretores, obras de contenção e minimização do impacto.
Como se deu a atualização dessa legislação estadual?
A construção da atualização do Código do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul, sancionado em 2020, teve como base amplas discussões que envolveram sociedade e instituições como a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam). As alterações legais promovidas não enfraqueceram a proteção ambiental, pelo contrário.
Quais foram os benefícios trazidos pelas alterações?
A atualização alinhou a lei estadual à federal, como o Código Florestal (Lei 12.651, de 25 de maio de 2012). A modernização acompanhou as transformações da sociedade, tornando a legislação aplicável, priorizando a proteção ambiental, a segurança jurídica e o desenvolvimento responsável.
Entre as alterações incluídas no novo código, está a inclusão do Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), instrumento de estímulo à proteção ambiental que prevê a remuneração daqueles que preservam áreas privadas. Dentro do Código do Meio Ambiente, também ficou estabelecida, por exemplo, a proteção do Bioma Pampa, até então não contemplado.
Mesmo após a sanção, a regulamentação conta com a participação da sociedade, representada por meio do Conselho Estadual do Meio Ambiente, fórum democrático que delibera sobre os regramentos ambientais.
O governo reforça a necessidade de adaptação para garantir a sobrevivência na Terra. Assim, assinou compromissos ambientais internacionais, como Race to Zero e Race do Resilience, estruturando planos de ação para a contribuição do Estado com a descarbonização. Um exemplo é o Plano ABC +, programa dedicado à agricultura de baixa emissão de carbono.
Quanto ao Pagamento por Serviços Ambientais, como está o seu processo de implementação?
O PSA está previsto na Lei federal N° 14.119/2021, que instituiu a Política Nacional e o Programa Federal de Pagamento por Serviços Ambientais. Em âmbito estadual, o Programa Estadual de Pagamento por Serviços Ambientais consta no art. 21 do Código Estadual de Meio Ambiente (lei 15.434/2020) e em decreto estadual. O Comitê Gestor estadual foi instituído em agosto do ano passado.
O Estado está com o edital de PSA para Unidades de Conservação pronto, em que serão contemplados os proprietários de Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN) no Estado. O valor previsto para esse edital é de R$ 3 milhões. O lançamento do edital aguarda a publicação do decreto, em tramitação, que atualiza as regras das RPPNs. Para o segundo semestre, está sendo estudado mais um edital de PSA voltado às propriedades rurais que realizam atividades produtivas associadas às práticas de conservação ambiental.
Há outras ações em curso com enfoque na agenda climática estadual?
Reconhecendo a importância da pauta, em 2023 lançou-se o ProClima2050, que reúne ações e políticas públicas pensando na mitigação das emissões, na adaptação e na resiliência climáticas. No âmbito do programa, instituiu-se o Gabinete de Crise Climática, que tem como principal função conectar as secretarias de Estado, instituições e pesquisadores no monitoramento e implementação de ações práticas de resposta à crise do clima.
Entre as medidas em andamento estão a contratação de serviço de radar meteorológico pela Defesa Civil, que será instalado na Região Metropolitana de Porto Alegre e está em fase final de implementação; melhorias na Sala de Situação, responsável pelo monitoramento das chuvas e dos níveis dos rios; e a implementação do roadmap climático dos municípios, que mapeará as ações relacionadas ao clima em esfera municipal buscando o atingimento de metas coletivas.
Sobre a destinação de recursos financeiros para a Defesa Civil, assunto também amplamente questionado, qual foi o valor repassado nos últimos anos?
De 2023 a 2024, o Estado empenhou R$ 579 milhões em recursos para o enfrentamento a desastres naturais em diversas frentes. Na Lei Orçamentária Anual, apenas para 2024 estão previstos R$ 117 milhões para projetos que contemplem ações de enfrentamento e prevenção de desastres naturais. O orçamento da Defesa Civil do Rio Grande do Sul aumentou mais de cem vezes em recursos, entre 2021 e 2023, indo de R$ 1,8 milhão, em 2021, para R$ 10 milhões no período seguinte e chegando a R$ 118 milhões, em 2023. Para 2024, o órgão possui um orçamento previsto de R$ 39 milhões.
Especificamente sobre adaptação, quais são as medidas já tomadas, tendo em vista que existem previsões de que o estado será cada vez mais afetado por chuvas e outras consequências do agravamento da crise climática?
Em 2023, no que tange ao repasse do Fundo a Fundo da Defesa Civil foram disponibilizados R$ 120 milhões para os municípios. Também foi investido R$ 7 milhões em um radar meteorológico em 2023, com investimento total de R$ 26 milhões em cinco anos. Adicionalmente a isso, em outubro de 2023, o Estado lançou as Estratégias para as Ações Climáticas do ProClima2050, que servem como um roteiro para medidas promovidas pelo Estado de mitigação dos gases de efeito estufa e adaptação e resiliência frente às mudanças climáticas.
Quais são as principais estratégias dessa iniciativa?
Quatro pilares guiam a estratégia geral: transição energética justa; redução das emissões de gases de efeito estufa; educação e conscientização ambiental; e resiliência climática. O montante de recursos financeiros previstos para execução dos projetos elencados no ProClima2050, para o ciclo 2023/2026, foi de R$ 65,3 milhões, dos quais cerca de R$ 20 milhões já foram aplicados para a primeira fase, da etapa de estudos.
Há outras ações a destacar envolvendo prevenção de desastres e riscos climáticos?
Em termos de prevenção e mitigação de desastres naturais, várias iniciativas merecem destaque no Rio Grande do Sul: a recomposição da conservação, recuperação e uso sustentável dos ecossistemas no estado, o Fórum Gaúcho de Combate às Mudanças Climáticas; a implementação do Programa Estadual de Revitalização de Bacias Hidrográficas, que está em curso; a elaboração de Planos de Bacias Hidrográficas; e as ações integradas de educação ambiental.
Em 2024, foi lançado o Projeto de Educação Ambiental para Riscos de Desastres, que objetiva a implementação dos princípios básicos da Política Estadual de Educação Ambiental e na formação de agentes socioambientais. O Projeto faz uso da Educação Ambiental como ferramenta para entender, prevenir e minimizar os desastres socioambientais.
Em 2023, também foi lançado o Plano da Agricultura de Baixa Emissão de Carbono (ABC+ RS), com as diretrizes para promover a adaptação à mudança do clima e o controle das emissões de gases de efeito estufa (GEE) na agropecuária gaúcha, visando ao aumento da eficiência e resiliência dos sistemas produtivos.
Como o governo estadual tem atuado para monitorar o volume de chuvas e agir em relação aos riscos envolvidos?
Através do Monitoramento Hidrometeorológico é realizada a preparação, prevenção e mitigação de desastres no Estado, além de possibilitar a gestão dos recursos hídricos, através das ferramentas disponíveis na Sala de Situação já em operação no Estado. É possível obter dados da situação do nível dos rios mais representativos, em tempo real, para aperfeiçoamento da gestão hídrica e viabilizada a emissão de boletins diários, semanais e mensais pela Sala de Situação; além da manutenção da rede prioritária de estações de monitoramento no Estado. Já está em curso a contratação de consultoria especializada para a qualificação da informação fornecida, buscando uma precisão ainda maior através do aperfeiçoamento tecnológico dos modelos.
Foram realizadas ações de capacitação?
Entre 2020 e 2023, foram promovidos treinamentos para capacitar 1.365 integrantes do Sistema Estadual de Proteção e Defesa Civil. Adicionalmente, foram adquiridos 25 veículos destinados ao uso da Defesa Civil do Estado, juntamente com diversos equipamentos de informática, periféricos e comunicação. Destaca-se a aquisição de 50 rádios transceptores portáteis.
Além disso, foi firmado contrato com uma empresa especializada para prestação de serviços de monitoramento, acompanhamento e alerta meteorológico, que somará R$ 26 milhões em investimento ao longo de cinco anos. O objetivo é estabelecer um sistema avançado de previsão meteorológica de curto e curtíssimo prazo para a Região Metropolitana de Porto Alegre, visando melhorar e aprimorar o sistema de monitoramento, acompanhamento e alerta meteorológico da Defesa Civil estadual.
Como a ciência tem contribuído para a prevenção e o enfrentamento da crise climática no estado?
Além do projetos em andamento, já mencionados, esforços emergenciais no sentido de mitigar os impactos de eventos extremos sobre a população gaúcha vêm sendo empregados pelo governo, por meio da estruturação de um gabinete de crise climática permanente, que discute a temática de forma interdisciplinar e conta com aconselhamento científico externo para a tomada de decisão. A necessidade de ações imediatas buscando a adaptação tem sido atendida a partir dos planos de contingência vigentes, da melhoria no sistema de previsão e alerta em implementação e do incremento das equipes da Defesa Civil.
Como estão sendo encaminhadas as operações de socorro às vítimas das enchentes?
Após a recente tragédia (maio/2024) no Rio Grande do Sul, o governo do Estado anunciou o repasse de R$ 200 milhões em recursos emergenciais para enfrentamento da crise. No Fundo a Fundo, serão destinados R$ 70 milhões para municípios; já o Volta por Cima vai repassar R$ 50 milhões para 20 mil famílias inscritas no CadÚnico; outros R$ 10 milhões foram destinados para hospitais atingidos e com necessidades emergenciais. R$40 milhões foram destinados para a recuperação e desobstrução de estradas; e para o Aluguel Social foram repassados R$ 30 milhões, contemplando 75 mil famílias.
O governo do Estado também transferiu R$ 31,6 milhões para a rede hospitalar do Estado, totalizando R$ 41,6 milhões já destinados para a reestruturação da área da saúde. Antes disso, já haviam sido transferidos R$ 10 milhões aos municípios para manutenção de equipes multiprofissionais de saúde mental.
Na educação, foi antecipado o pagamento da parcela do programa Todo Jovem na Escola, disponibilizando R$ 12,9 milhões para beneficiar 83 mil alunos da rede estadual. Outros R$ 10 milhões de recursos de autonomia financeira foram repassados para 2.338 escolas estaduais, que podem usar os valores para despesas de funcionamento e de melhorias da infraestrutura física e pedagógica das unidades escolares.
Que outros passos têm sido dados em relação à reconstrução das áreas mais afetadas pelas chuvas?
Medidas emergenciais foram anunciadas pelo Banrisul para apoiar a população e empresas gaúchas. Com objetivo de preparar para a retomada econômica do estado, o banco anunciou R$ 7 bilhões para capital de giro e linhas de crédito especiais para municípios em situação de calamidade pública. Todas as informações [sobre a situação geral das enchentes e suas consequências] estão sendo permanentemente atualizadas.