26 Abril 2024
"A defesa do carvão como uma alternativa sustentável embaralha o debate público e desvia investimentos de soluções eficazes e provadas", escrevem Suely Araújo e Fabio Alperowitch, em artigo publicado por ((o))eco, 24-04-2024.
Suely Araújo é doutora em Ciência Política, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima.
Fabio Alperowitch é CIO da fama re.capital e conselheiro do WWF-Brasil.
Ignorar a ocorrência das mudanças climáticas e se negar a combater as emissões humanas de gases de efeito estufa foi a estratégia adotada por empresas que pretendiam se livrar da responsabilidade sobre suas próprias emissões. Se, por um lado, essa estratégia evitou modificações estruturais em seus negócios até a década passada, por outro elevou os impactos nas mudanças climáticas, assim como os custos e a urgência em combatê-la.
Infelizmente ainda há empresas que, ao invés de assumir a necessidade de reestruturar seus negócios, reduzindo a pegada de carbono de seus produtos e desenvolvendo soluções carbono-neutro, optam por enaltecer qualidades inexistentes em seus produtos e enfatizar que a disseminação quase mágica da captura de carbono garantirá que suas emissões se tornem irrelevantes. Tudo isso alinhado a um discurso ESG (Environmental, Social and Governance) feito sob medida para apresentar o negócio como sustentável, por mais anacrônico que seja.
Exemplo disso foi a recente mudança do nome da Associação Brasileira do Carvão Mineral (ABCM), que passou a adotar o termo “sustentável” no lugar de “mineral”, sendo rebatizada para ABCS (Associação Brasileira do Carbono Sustentável), como se fosse possível existir carvão sustentável.
É importante lembrar que o carvão mineral é uma rocha sedimentar combustível formada ao longo de milhões de anos a partir da decomposição de material orgânico, como restos de plantas e árvores, sob condições específicas de pressão e temperatura. A mineração do carvão pode ocorrer tanto a céu aberto quanto em minas subterrâneas. No primeiro caso, grandes áreas de terra são escavadas para alcançar as camadas de carvão, enquanto no segundo, túneis e poços são construídos para acessar os depósitos localizados mais profundamente. Ambos os métodos têm impactos negativos significativos no ambiente, incluindo a destruição de habitats, erosão do solo e contaminação de cursos d’água com sedimentos e substâncias químicas.
O impacto do carvão mineral sobre o meio ambiente e as mudanças climáticas é profundo e multifacetado. Quando queimado para a produção de energia, o carvão libera grandes quantidades de dióxido de carbono (CO2). Além disso, a queima de carvão emite outros poluentes nocivos, como óxidos de enxofre e nitrogênio, que contribuem para a chuva ácida e problemas respiratórios em humanos. A mineração de carvão também resulta na liberação de metano, outro potente gás de efeito estufa, especialmente em minas subterrâneas.
O discurso da ABCM para fundamentar tal mudança ainda ignora o fato de que o carvão mineral nunca foi uma alternativa predominante no suprimento de energia no Brasil. Tanto pela pouca disponibilidade de reservas de qualidade, quanto pelo custo mais competitivo das energias hidráulica, eólica e solar. Apesar de o carvão representar somente 1,2% da eletricidade gerada no Brasil, ele é uma fonte de energia que custa muito caro aos cofres do país: atualmente são gastos mais de R$ 700 milhões ao ano para subsidiar a geração de eletricidade com carvão mineral.
Lamentavelmente, os impactos negativos do carvão (dito agora sustentável) vão além dos econômicos, ambientais e climáticos. A defesa do carvão como uma alternativa sustentável, por si só, gera outros efeitos tão nefastos quanto estes.
Em primeiro lugar, embaralha o debate público e desvia investimentos de soluções eficazes e provadas. A geração de eletricidade por fontes renováveis no Brasil sempre foi mais competitiva e oferece atributos socioambientais cada vez mais importantes para a competitividade do país num cenário de precificação de carbono e taxação de emissões.
Além disso, exagera a capacidade da captura de carbono se tornar uma solução barata e de larga escala, minimizando a importância de mudanças drásticas e urgentes não apenas no setor de energia, mas qualquer setor com elevados níveis de emissões, afetando a alocação eficaz de recursos do setor financeiro para investimentos que possam efetivamente contribuir com a construção de uma economia resiliente e sustentável.
Por fim, também afeta a formulação de políticas públicas que ofereçam sinais adequados para os atores se organizarem, num círculo vicioso que impede a inovação e a busca de soluções pelo combate das mudanças climáticas. A busca da sustentabilidade é necessária em todos os setores e deve permear as estratégias, compromissos e ações de governos, empresas e pessoas. Nenhum discurso jamais fará do carvão mineral um produto sustentável.
Associação do carvão muda de nome; ONGs veem greenwashing – 18/03/2024 – Ambiente – Folha (uol.com.br)
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Chamar carvão de sustentável é má-fé absurda - Instituto Humanitas Unisinos - IHU