06 Março 2024
O cenário traçado pelo Boletim Focus para o governo Lula era ruim, já para o governo de Bolsonaro, que não conseguiu sua reeleição, o tom era otimista. Erro revela viés ideológico, dizem economistas.
A reportagem é de Marcelo Menna Barreto, publicada por ExtraClasse, 05-03-2024.
O chamado “mercado” conseguiu errar todas (veja quadro) as suas previsões econômicas tanto para o primeiro ano do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quanto do ex-presidente Bolsonaro (PL).
No caso do PIB nacional previsto para o primeiro ano de Lula o erro é enorme. Se a expectativa apontada pelo Boletim Focus, relatório emitido semanalmente pelo Banco Central (BC) com o resumo das expectativas de mercado, era crescimento de 0,78%, a realidade chegou a quase quatro vezes a mais do que a previsão, 2,9%.
Já para Bolsonaro a previsão era de crescimento de 2,54% e deu 1,2%, menos da metade.
A explicação para esta disparidade, segundo economistas ouvidos por Extra Classe, passa por viés ideológico e falta de pluralidade.
O estudo que orienta a ação do BC é “um mecanismo muito enviesado”, entende Paulo Kliass, doutor em economia e membro da carreira de especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.
André Roncaglia, professor da Universidade Federal do Estado de São Paulo e colunista da Folha de São Paulo, vê “mau humor” pela não continuidade do projeto liberal.
“O mercado tem interesses alinhados à agenda Paulo Guedes. Quando Bolsonaro não se reelegeu, a frustração da continuidade do projeto liberal gerou um mau humor que se traduziu em expectativas distorcidas, que levou a uma subestimação dos efeitos positivos da PEC da Transição: em vez de descontrole fiscal e da inflação, viu-se crescimento com desinflação”, considera Roncaglia.
Kliass concorda com seu colega.
“A pesquisa Focus reflete um comportamento de torcida uniformizada do financismo e não uma projeção séria e fundamentada de cenários futuros da economia”, entende.
A coleta de informações para a produção do Focus é feita em um universo limitado de 160 pessoas, todas com altas posições em bancos e outras instituições financeiras.
Assim, pondera Kliass, “a gente precisa ter bastante pé atrás, porque ele (Focus), na verdade, reflete muito mais o desejo e a vontade desses setores do financismo, a nata do sistema financeiro, do que efetivamente uma avaliação mais correta, mais científica, mais cuidada”.
Para Roncaglia, a disparidade do Focus do início do governo Bolsonaro com o de Lula “é mais revelador do viés político do que um balizador de credibilidade”.
Segundo o professor, em geral, os agentes de mercado tentam corrigir os erros e diminuir a influência do viés.
“Um indicador é a maior dispersão das previsões que o Boletim Focus traz. Como o mercado não é homogêneo, a credibilidade acaba se individualizando na concorrência pelo maior acerto das casas de pesquisa”, explica.
Kliass questiona: “será que esse pessoal que erra tanto no Focus, erra também quando ele está operando e realizando aplicações financeiras para a sua clientela? É óbvio que não, porque senão já teriam perdido clientes há muito tempo”.
Para ele, o mercado na verdade usa de dois pesos e duas medidas.
“Tem um pragmatismo, que é reconhecer a realidade como ela é, e, portanto, oferecer rentabilidade para seus clientes, e outra vontade, que é, vamos dizer assim, no sentido de amoldar os cenários futuros para aquilo que eles pretendem como política econômica”, pontua.
Isto, para o dia a dia do país, se traduz no entendimento de que o mercado busca mais austeridade fiscal que, por consequência, refletirá na aplicação de recursos para políticas públicas.
“Do meu ponto de vista, a melhor coisa a se fazer seria o Banco Central ampliar o universo de pesquisados para formular esse tipo de cenário. Colocar também economistas que pensam diferente do mainstream, trazer institutos de pesquisa das universidades, as centrais sindicais, enfim, dar um pouco de oxigenada no universo pesquisado pela Pesquisa Focus”, conclui Kliass.
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Mercado erra todas as previsões econômicas para o primeiro ano dos governos Lula e Bolsonaro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU