29 Fevereiro 2024
A ONU está pedindo uma “ação urgente” para evitar a extinção de espécies migratórias, conforme destacado em um relatório durante a 14ª Reunião da Conferência das Partes (COP14) da Convenção sobre a Conservação das Espécies Migratórias de Animais Selvagens (CMS), concluída em Samarcanda, Uzbequistão, no dia 17 de fevereiro, e que reuniu 133 países.
A reportagem é de Janice Bohuon, publicada em La Croix International, 26-02-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Entre as espécies migratórias listadas pela CMS, uma em cada cinco está ameaçada de extinção, e 44% estão vendo suas populações diminuir.
Estabelecida em 1979, a CMS, também conhecida como Convenção de Bonn, é um tratado ambiental das Nações Unidas que fornece uma plataforma global para a conservação e o uso sustentável de animais migratórios e de seus habitats. Ela cataloga, em dois anexos, todas as espécies migratórias – terrestres, aviárias e aquáticas – ameaçadas de extinção ou em estado de conservação desfavorável.
O relatório identifica a caça, a pesca e a fragmentação do habitat como as principais ameaças às espécies migratórias. “Estamos vendo um impacto significativo das mudanças climáticas sobre os migrantes”, afirma o ornitólogo Jeremy Dupuy. O aumento das temperaturas e o início cada vez mais cedo das primaveras estão levando a uma incompatibilidade no período ideal de reprodução. Os pássaros chegam depois do “boom da primavera”, período em que a abundância de plantas e alimentos garante a sobrevivência dos filhotes.
Além das mudanças climáticas, Dupuy aponta para os efeitos negativos da agricultura convencional, que ele acusa de “destruir e poluir” os habitats. O pombo-torcaz comum, uma espécie migratória predominante em ambientes agrícolas no século XX, está sendo gravemente afetado pela expansão dos cultivos agrícolas, pela destruição das sebes e pela uso de pesticidas. Habituado a criar seus filhotes em sebes e bosques, sua população diminuiu 80% em 25 anos.
Essa perda de habitat na Europa soma-se à perda de habitat em outros continentes para várias espécies. No Sahel, o desmatamento para obtenção de lenha, a pressão demográfica e o desaparecimento de áreas naturais contribuem para o declínio do pombo-torcaz comum, que passa o inverno nessa região. “E esse é o desafio dos programas de conservação”, enfatiza Dupuy. “Ser capazes de proteger espécies em vários territórios.”
O ornitólogo lembra de alguns planos de ação eficazes, como o do colhereiro. Rara na Europa nos anos 1970, essa ave, que se assemelha a uma garça, conta agora com várias centenas de pares. Seu local de invernada, as zonas húmidas da África Ocidental, foi protegido. “Quando o habitat é mais extenso, os programas são menos eficientes, porque exigem mudanças políticas significativas”, observa Dupuy.
No que diz respeito aos peixes, a gestão das espécies migratórias foi delegada pelo Estado a associações nos anos 1990: monitoramento de seu ciclo de vida, estado de saúde, ameaças... As associações locais reúnem seus dados e posteriormente transmitem-nos ao Estado. Desde os anos 1970, a população de peixes listada pelo CMS sofreu um declínio de 90%.
“É uma consequência das atividades humanas”, lamenta Aurore Baisez, doutora em ecologia aquática e diretora da Logrami (Loire Large Migrators), associação que registra, através de estações de contagem, o estado das populações de peixes no Loire, o rio mais longo da França.
As populações de salmão e de lampreia marinha são particularmente preocupantes. De 2007 a 2023, a lampreia passou de quase 93 mil indivíduos para apenas um punhado. Para explicar esse “desaparecimento silencioso”, Baisez alerta para os crescentes obstáculos ao movimento migratório em água doce e salgada: as mudanças nas correntes marinhas, os bloqueios de lodo, as barragens, os cursos de água secos... “Nós somos a razão da extinção deles”, admite.
Esses indivíduos – sejam aquáticos ou terrestres – são essenciais para a manutenção de um ecossistema saudável e funcional (transferência de nutrientes entre ambientes, polinização e dispersão de sementes). Para o ornitólogo Jeremy Dupuy, algumas espécies desempenham até um papel regulador. “Se uma espécie desaparece, o ecossistema torna-se frágil e será menos resiliente às mudanças”, afirma. A especialista em peixes migratórios concorda. “Onde as espécies migratórias desaparecem, o lugar morre”, explica Baisez.
Considerada uma das mais importantes reuniões globais sobre biodiversidade, a 14ª conferência sobre a conservação da fauna selvagem concluiu com o estabelecimento de um plano estratégico para a proteção das espécies migratórias e a adição de cerca de 20 espécies aos anexos da CMS. Mas, depois de mais de 30 anos no campo, e apesar de algumas regulamentações europeias, Baisez continua pessimista. “Ainda é tudo política. Temos o conhecimento, mas não somos ouvidos. Para a lampreia, tocamos o alarme, e nada foi feito”, conclui, esperando uma verdadeira mobilização dos políticos e da sociedade civil em torno das grandes espécies migratórias.
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Mudanças climáticas: espécies migratórias, as grandes vítimas da ação humana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU