05 Dezembro 2023
"É necessário começar a pensar em alternativas de prevenção para minimizar os impactos que as mudanças climáticas causam. Até porque, esses impactos deverão ser, a cada ano, maiores", escreve Valcléia Solidade, superintendente de Desenvolvimento Sustentável da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), em artigo publicado por ((o))eco, 01-12-2023.
Recentemente, comentei durante a sessão “resistência”, na conferência TEDx Amazônia, que a estiagem dos rios trouxe à tona toda a fragilidade e injustiça social das populações tradicionais que vivem na região, especificamente no Amazonas, e os impactos sociais e econômicos que têm sido repercutidos no país e no mundo. Entretanto, além da repercussão das tragédias, a partir de agora a Amazônia passará a ser visível aos olhos do restante do Brasil e mundo com a sua devida importância?
Obviamente, uma das primeiras lições que a severa estiagem trouxe à tona é a falta de conhecimento e interesse em entender sobre as mudanças climáticas. É necessário começar a pensar em alternativas de prevenção para minimizar os impactos que ela causou. Esses impactos deverão ser, a cada ano, maiores. Além de priorizar ações que farão diferença na hora de enfrentar situações extremas, levando em consideração que ficou claro que não estamos preparados para lidar. A seca evidenciou a vulnerabilidade das populações devido à falta de estrutura para lidar com as transformações que o mundo está enfrentando.
A partir do conhecimento, retomo o que já reforcei em outro artigo, é necessário trabalhar o empoderamento das lideranças das comunidades. A partir de uma liderança fortalecida, as pessoas que moram em comunidades saberão onde e como cobrar os órgãos competentes, seja ele municipal, estadual ou até mesmo federal, ações de infraestrutura, por exemplo, e outras que sejam necessárias em seus territórios. Essas pessoas precisam estar inseridas na construção de políticas públicas e estar por dentro do que é decidido por elas e as afetam diretamente.
Se tivéssemos a garantia, a partir de implementação de políticas públicas, de energia nos territórios, por exemplo, que não temos, poderíamos considerar captação de água por meio de cisternas, mesmo considerando a distância do rio em períodos de seca. Um exemplo é a comunidade Santa Helena do Inglês, localizada na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Rio Negro, que possui um sistema de captação de água alimentado por energia solar e não ficou desabastecida mesmo diante da seca do rio negro.
Pergunto: e as outras comunidades que não tem energia para ter um sistema de captação de água? Até o momento, 400 comunidades afetadas pela seca, segundo dados da Aliança Amazônia Clima, coordenada pela Fundação Amazônia Sustentável (FAS) que está mapeando as áreas mais atingidas pela seca no Amazonas e estados vizinhos, além de mobilizar doações de alimentos, água potável, remédios, e outros itens de primeira necessidade para as comunidades ribeirinhas.
É importante ressaltar que apesar de o fenômeno da seca deste ano ter nos assustado, porque chegou a uma dimensão nunca vista antes, a ciência tem mostrado que isso deve ser recorrente, levando em consideração somente para a situação da estiagem, sem citar as demais mudanças climáticas que afetam não somente a Amazônia. Registros de altas temperaturas no Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul e São Paulo são alguns exemplos.
As transformações que nosso meio ambiente está passando vão exigir adaptações às novas realidades e essas populações tradicionais precisarão do apoio das políticas públicas para se adequar e/ou até mesmo se deslocar para outros territórios quando houver situações extremas. Nós vimos um exemplo de mudanças forçadas após o deslizamento de terra que destruiu a comunidade de Nossa Senhora de Nazaré do Arumã, localizada na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Piagaçu-Purus (a 173 quilômetros de Manaus), no município de Beruri. Essas pessoas precisarão recomeçar suas vidas em outro território pois com o nível baixo do rio, as terras que ficavam submersas desabaram e não há como as famílias continuarem ali.
A situação foi noticiada em vários locais, mas e as demais comunidades da Amazônia que estão isoladas? Para onde vão as pessoas que estão em lugares longínquos e que não tem o mínimo como energia, comunicação e água? Porque quando as pessoas têm energia e provêm de comunicação, logo elas conseguem o mínimo de atendimento de saúde, por exemplo.
Pensar que onde vivemos, nas grandes capitais, temos à disposição água, energia e comunicação, mas sequer parar para entender e conhecer a realidade das nossas comunidades ribeirinhas, que não dispõem do básico, é colocar uma venda nos olhos para não enxergar a realidade que nos envolve. Até porque se pararmos para pensar, a seca não afeta somente quem vive na floresta, afeta a economia de um estado, afeta até quem assiste pela TV o que está acontecendo fora da sua região.
A seca gerou e deixou sentimento de medo e insegurança nessas pessoas, além do desejo de que elas sejam realmente enxergadas e priorizadas, não somente para minimizar os impactos que as mudanças climáticas estão causando, mas para que no futuro elas não tenham que passar pelas perdas que tiveram. Diante de tudo que estamos vivendo, a seca nos ensina que não importa a classe social que você está inserido, as mudanças climáticas chegaram a todos. Uns se afetam mais e os outros nem tanto, mas são afetados ainda sim.
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Qual lição a seca na Amazônia nos deixa? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU