25 Novembro 2023
Segundo o Índice de Impunidade Ambiental, apresentado esta quarta-feira no México, a região deixa de proteger o meio ambiente, item no qual investe apenas 0,18% do seu PIB.
A reportagem é de Noor Mahtani, publicada por El País, 22-11-2023.
A Universidade das Américas Puebla (UDLAP) pesquisou 33 países da América Latina e do Caribe. Um grupo de investigadores analisou cuidadosamente, país por país, o que a região tem feito para mitigar as alterações climáticas e facilitar o acesso à justiça climática. Os resultados não são tão ambiciosos como a situação crítica exige. A média desse desempenho é de 54,86 (em 100), segundo o Índice de Impunidade Ambiental 2023, apresentado esta quarta-feira no Senado mexicano. A região investe apenas 0,18% do PIB na preservação do ambiente, apesar de o aquecimento atingir os países de forma desproporcional. “Esta falta de financiamento reflete, na verdade, a falta de vontade política”, lamenta Azucena Cháidez Montenegro, diretora da SIMO Consulting e coautora do índice. “Embora haja um consenso sobre a necessidade de agir, a resposta institucional carece de força, carece de recursos”.
O relatório estima que a migração climática é a consequência mais premente da falta de vontade política para tomar medidas climáticas. Segundo dados recolhidos por um relatório do censo elaborado em 2021, pelo menos 1,18 milhão de pessoas na região foram deslocadas internamente devido a fatores climáticos. O Brasil está no topo desta lista: quase meio milhão de pessoas migraram internamente devido a desastres relacionados com o clima. No Haiti, o número gira em torno de 220 mil, enquanto em Cuba é de 194 mil e no Uruguai, de 160 mil. Para Celeste Cedillo, professora investigadora da UDLAP e coautora do índice, estes números “são muito assustadores” e alerta que são “dados que crescem cada vez mais”.
A capacidade institucional é um dos parâmetros mais díspares estudados entre os países, segundo o índice. Bolívia (58,8), México (56,6) e Brasil (54,97) obtêm o melhor desempenho, enquanto Haiti (14,71), São Vicente (13,27) e Trinidad e Tobago (8,41) classificam os piores nesta categoria, com diferenças de até 50 pontos. Na pesquisa, explica Cháidez, eles trabalharam duro para moldar escalas que pudessem comparar países como Brasil e Barbados, com densidade populacional, orçamentos e características políticas muito diferentes. O objetivo do índice é colocar todos os países diante de um espelho e traçar um roteiro para a otimização das políticas públicas e da justiça ambiental.
Assim, as enormes disparidades entre um país e outro alertam para os elevados níveis de vulnerabilidade e desigualdade a que estão sujeitos os países da região com pouco poder estatal em questões ambientais. “A América Latina é uma região incrivelmente desigual no seu interior e isto tem um impacto direto nos efeitos sociais da crise ambiental”, diz o relatório.
Embora os países maiores tenham melhor capacidade institucional, eles têm uma pontuação muito baixa quanto à degradação ambiental e aos crimes. Dominica (71,54), Panamá (70,92) e São Vicente (70,21) estão nas melhores posições, enquanto Brasil (53,95), Barbados (52,9) e México (45,35) ocupam os últimos lugares. Este resultado alerta que os países com maiores recursos não podem necessariamente fazê-los funcionar de forma eficaz ou garantir plenamente o direito a um ambiente saudável para os seus cidadãos. Para Celeste Cedillo, o exemplo mais paradigmático é o México: “Tem boas políticas federais, mas não consegue fundamentá-las no nível subnacional. Ou seja, os resultados não são vistos em nível local. É um fracasso muito óbvio”.
Outro dos problemas que o México enfrenta são os conflitos ambientais, que vão desde assassinatos de ambientalistas até disputas territoriais ligadas ao extrativismo. O México, junto com o Brasil e a Colômbia, são os países com mais ações judiciais ambientais na região. Estes três países representam 49,8%, sendo o México o país com mais conflitos na região com 19,8%. A América Latina tem o título desonroso de ser a região mais mortal para ativistas e é responsável por nove em cada dez dessas mortes violentas, que, desde 2012, totalizam 1.910 pessoas.
A falta de proteção jurídica também é um ponto fraco da região. 63,6% dos países estudados não reconhecem explicitamente o direito a um ambiente saudável na sua Constituição e apenas 9% dos países possuem tribunais especializados em questões ambientais.
Mineiros detidos pela polícia são evacuados da mina ilegal, em Madre de Dios (Peru), em julho de 2015. (Foto: Sebastian Castaneda | Getty Images)
Para as pesquisadoras, todas essas deficiências compõem o termo impunidade ambiental. “Não são apenas crimes que não foram solucionados. É porque não existe lei ou ela não pode ser aplicada; “É a incapacidade do Estado de gerar legislação, políticas ou recursos”, diz Cháidez por telefone. Assim, depois de analisar mais de 50 variáveis, o índice dividiu os 33 países de acordo com a sua pontuação em três grandes grupos. Aqueles com impunidade média-baixa têm as melhores pontuações (de 64,76 a 59,42) e são: Chile, Equador, Costa Rica, Colômbia, Argentina, República Dominicana, Uruguai, Bolívia, Peru, Nicarágua e Panamá. Seguem-se Venezuela, México, Dominica, El Salvador, Brasil, Cuba, Guiana, São Cristóvão e Nevis, Guatemala, Bahamas e Barbados, que aprovam sem muita facilidade. E, por fim, aqueles com pior classificação: Honduras, Santa Lúcia, Jamaica, Antígua e Barbuda, Belize, Paraguai, Granada, Haiti, São Vicente e Granadinas, Trinidad e Tobago e Suriname.
Cháidez lamenta o pior desempenho dos países mais pequenos ou com níveis de rendimento mais baixos, uma vez que são os que enfrentam os maiores níveis de risco e vulnerabilidade às alterações climáticas, apesar de se caracterizarem por uma contribuição mínima para a emissão de gases do efeito estufa em direção à atmosfera. É por isso que os especialistas apelam a uma maior assistência técnica a estes países para desenvolverem estatísticas e serem capazes de formular políticas públicas, processos de mudança institucional e sistemas de gestão de riscos, prevenção e adaptação baseados em evidências.
Mas se há algo que querem influenciar é a falta de dados. E, no melhor dos casos, a falta de informações comparáveis de um país para outro. Este é, segundo as entrevistadas, o maior calcanhar de Aquiles da América Latina. Ambas indicaram que tiveram que recorrer à informação de organizações da sociedade civil que recolhem dados “como resposta ao vazio institucional”: “Não reportar a informação é manter viva a impunidade”, descarta Cháidez. “Isso só traz escuridão aos processos que precisam ser avaliados e monitorados. E percebemos que os Estados não estão levando a sério a tarefa de documentar o que fazem”.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A América Latina tem mais de 1,1 milhão de pessoas deslocadas pelo clima - Instituto Humanitas Unisinos - IHU