09 Novembro 2023
"O significado do Concílio para as mulheres (...) vai muito além das poucas (...) referências presentes nos seus documentos e deve ser procurado na nova metodologia de escuta e de diálogo, que levou ao reconhecimento da dignidade de cada pessoa humana, a abertura a cada batizado oferece espaços de responsabilidade e participação sem precedentes na Igreja", escreve Adriana Valerio, teóloga e historiadora, em artigo publicado por L'Osservatore Romano, 04-11-2023.
Não há dúvida de que o Concílio Vaticano II representou um ponto de inflexão na história da Igreja Católica também no que diz respeito à questão das mulheres. Se João XXIII já tinha indicado a necessidade da entrada das mulheres na vida pública como um dos sinais dos tempos (encíclica Pacem in terris), ele soube também captar os novos elementos de uma sociedade que pedia o reconhecimento das conquistas sociais alcançadas pelas mulheres movimentos. No entanto, Paulo VI merece o crédito de convocar, pela primeira vez na história da Igreja, algumas mulheres, convidando-as a participar como ouvintes. Na terceira e quarta sessões do Concílio, de setembro de 1964 a julho de 1965, foram assim chamados 23 ouvintes: 10 religiosos e 13 leigos, escolhidos em sua maioria segundo critérios de internacionalidade e representatividade. A eles juntaram-se cerca de vinte especialistas ou peritas, pelas suas competências e profissionalismo específicos, como a economista inglesa Barbara Ward, especialista internacional em questões relacionadas com a fome no mundo, a norte-americana Patricia Crowley, autoridade na área de questões relacionadas com o controle da natalidade, e Eileen Egan, inglesa, envolvida em movimentos não violentos e pacifistas.
A influência das ouvintes sentiu-se sobretudo em dois documentos nos quais trabalharam nas subcomissões: as constituições Lumen Gentium, que sublinhavam a rejeição de qualquer discriminação sexual, e Gaudium et Spes, nas quais constam a visão unitária do homem-mulher como "pessoa humana" e a igualdade fundamental entre os dois gêneros. Sabemos das intervenções de algumas delas (por exemplo a australiana Rosemary Goldie, a espanhola Pilar Bellosillo e a francesa Suzanne Guillemin) para que o feminino não fosse tratado como um tema em si, para isolá-lo, enjaulá-lo ou exaltá-lo, mas que a dignidade da pessoa humana e, portanto, o primado da igualdade fundamental que conferiria a cada batizado o princípio da corresponsabilidade apostólica.
Também foi de grande importância a superação da tradicional concepção contratual e jurídica da instituição familiar, através da recuperação do valor fundamental do amor conjugal, fundado numa “comunidade íntima de vida e de amor”. Nesta perspectiva, a contribuição do casal mexicano Luz Marie Alvarez Icaza e do seu marido José na subcomissão Gaudium et Spes foi decisiva para mudar a atitude dos bispos em relação ao sexo no casal conjugal, deixando de ser considerado como um remédio para a concupiscência ligada ao pecado, mas como expressão e ato de amor.
Devemos também recordar a importante contribuição da economista Barbara Ward para o debate sobre a presença da Igreja no mundo e o seu compromisso em garantir que a Igreja pronunciasse uma palavra credível sobre o problema da pobreza e sobre o tema do desenvolvimento humano.
Os ouvintes religiosos também desempenharam um papel importante na implementação da atualização da vida religiosa, desencadeando processos de inovação e experimentação. Trabalharam para reposicionar a mensagem evangélica no centro da vida religiosa, através de um retorno às fontes bíblicas e litúrgicas; sublinharam a dignidade pessoal de cada membro da comunidade, avaliando as especificidades e valores de ser mulher; pressionaram por uma atitude diferente das religiosas em relação ao mundo ao qual deveriam se abrir.
O significado do Concílio para as mulheres, no entanto, vai muito além das poucas, embora significativas, referências presentes nos seus documentos e deve ser procurado na nova metodologia de escuta e de diálogo, que levou ao reconhecimento da dignidade de cada pessoa humana, a abertura a cada batizado oferece espaços de responsabilidade e participação sem precedentes na Igreja. O Concílio não quis expressar definições dogmáticas, mas abrir janelas para um mundo em transformação, pedindo à Igreja que se renovasse e se atualizasse. Para mulheres e leigos, o evento permitiu o acesso às faculdades teológicas: em 1965 a primeira "aluna extraordinária", Maria Luisa Rigato, ingressou no Pontifício Instituto Bíblico, e, em 1970, Nella Filippi foi a primeira mulher a obter o doutorado em teologia na Pontifícia Faculdade Angelicum, de Roma.
No entanto, 60 anos depois, será ainda relevante recorrer ao Concílio em busca de inspiração? Várias questões relativas à participação real e ativa dos leigos na vida da Igreja permaneceram sem resposta. O próprio Paulo VI, que havia favorecido a participação feminina, temia que as mudanças que estavam ocorrendo pudessem trazer perigos à Igreja e à sociedade. E abordou algumas questões que afetavam profundamente as mulheres: a contracepção (portanto a esfera corporal e sexual), o ministério (o papel do governo na Igreja) e a lei do celibato eclesiástico (e com ela a imagem negativa do feminino vista em oposição ao sagrado). Mas os problemas ainda permanecem abertos hoje.
Muitas vezes o Papa Francisco levantou a questão da superação do clericalismo para que a Igreja se repensasse renovando-se e abriu às mulheres alguns espaços antes fechados para elas, mas ainda estamos longe de colocar em prática estratégias adequadas que conduzam a uma igualdade efetiva e responsabilidade.
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O legado das 23 madres conciliares, 10 religiosas e 13 leigas. Artigo de Adriana Valerio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU