19 Outubro 2023
A primeira estimativa anual do valor econômico da água e dos ecossistemas de água doce é de US$ 58 trilhões – equivalente a 60% do PIB global. A degradação de rios, lagos, zonas úmidas e aquíferos ameaça seu valor econômico e seu papel insubstituível na manutenção da saúde humana e planetária.
A informação é publicada por EcoDebate, 18-10-2023.
Lançado no Dia Mundial da Alimentação, o relatório O alto custo da água barata: o verdadeiro valor da água e dos ecossistemas de água doce para as pessoas e para o planeta revela uma dura realidade: o valor econômico anual da água e dos ecossistemas de água doce é estimado em US$ 58 trilhões, o equivalente a 60% do Produto Interno Bruto (PIB) global. A degradação de rios, lagos, zonas úmidas e aquíferos subterrâneos está ameaçando esses valores, além de prejudicar as ações sobre o clima e a natureza e o progresso em direção aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.
No Brasil, a seca que assola a Amazônia é o mais recente exemplo da gravidade do problema, que já afetou diversas regiões do país nos últimos anos, comprometendo o fornecimento de água potável em importantes regiões metropolitanas. Na última década, os nove países com floresta amazônica em seu território perderam 1 milhão de hectares de superfície de água, o equivalente a seis cidades de São Paulo em área hídrica, segundo o Mapbiomas. Além disso, outros problemas como o uso ilegal do mercúrio para a mineração e o desmatamento agravam a situação.
A rica biodiversidade da bacia do rio Amazonas sofre com o envenenamento por mercúrio proveniente da mineração ilegal de ouro. Essa substância altamente tóxica entra nos cursos d’água e se acumula em rios, peixes, plantas e plantações impactando toda cadeia alimentar da região. Um estudo que mediu os níveis de mercúrio em peixes vendidos em seis estados e 17 municípios da Amazônia brasileira mostrou que, em média, 21% dos peixes vendidos tinham níveis inseguros de mercúrio. Já o desmatamento impossibilita a saúde das florestas e seus serviços ambientais como as cheias dos rios e os recorrentes ciclos hidrológicos que garantem as safras dos alimentos.
Desde 1970, o mundo perdeu um terço de suas áreas úmidas remanescentes, enquanto as populações de animais selvagens de água doce caíram em uma média de 83%. No Brasil, por exemplo, a população de botos cor-de-rosa na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, no estado do Amazonas, teve uma queda de 65% entre 1994 e 2016, segundo o Relatório Planeta Vivo 2022.
A perda da natureza, a insegurança hídrica e alimentar tendem a se agravar com a redução de águas acelerada pelas mudanças climáticas. Situações como as mortes dos golfinhos do lago Tefé-AM, cerca de 140 animais nas últimas semanas, pode ser algo recorrente, assim como o aumento do número de pessoas que enfrentam a escassez de água e a falta de alimentos, pois os rios e lagos secam, a poluição aumenta e as fontes de alimentos, como a pesca em água doce, diminuem.
O IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) já alertou que as alterações climáticas causadas pela ação humana contribuíram para a gravidade do impacto das secas em muitas regiões do planeta. Estima-se que os riscos relacionados com a água aumentem com cada grau de aquecimento global. Ações de preservação da floresta como a redução do desmatamento e o controle do garimpo ilegal que assola grande parte da Amazônia são fundamentais para a saúde dos rios e lagos.
“A água é um dos pilares do nosso futuro compartilhado”, disse a Dra. Kirsten Schuijt, diretora-geral do WWF Internacional. “O relatório do WWF revela o valor surpreendente que a água tem para nós. Chegou a hora de governos, empresas e instituições financeiras investirem na proteção e restauração de nossos ecossistemas de água doce para garantir que construamos um futuro em que a água flua em abundância para todos”, acrescentou Schuijt.
O relatório conclui que os benefícios econômicos diretos, como o consumo de água para residências, agricultura irrigada e indústrias, chegam a um mínimo de US$ 7,5 trilhões por ano. O documento também estima que os benefícios invisíveis – que incluem a purificação da água, a melhoria da saúde do solo, o armazenamento de carbono e a proteção das comunidades contra inundações e secas extremas – são sete vezes maiores, cerca de US$ 50 trilhões por ano.
Direto: US$ 7,5 trilhões – uso consuntivos na indústria (US$ 5,1 trilhões); residências (US$ 1,5 trilhão); e agricultura (US$ 380 bilhões), juntamente com usos não consuntivos, como transporte terrestre, energia hidrelétrica e recreação (US$ 460 bilhões)
Indiretos: US$ 50 trilhões – regulamentação ambiental, incluindo a melhoria da qualidade da água e da saúde do solo, o fornecimento de sedimentos e nutrientes, o armazenamento de carbono (US$ 27 trilhões); a mitigação de eventos extremos, como secas e inundações (US$ 12 trilhões); e a manutenção da biodiversidade em terra e em ambientes marinhos e de água doce (US$ 11 trilhões)
*Os valores do PIB são dos últimos conjuntos de dados anuais disponíveis a partir de 2021.
Os ecossistemas de água doce do mundo estão em uma espiral descendente, o que representa um risco cada vez maior para esses valores. A extração de quantidades insustentáveis de água, os subsídios prejudiciais, as alterações nos fluxos dos rios, a poluição e os impactos relacionados às mudanças climáticas estão colocando em risco os ecossistemas de água doce. Surpreendentemente, dois terços dos maiores rios do mundo não estão mais fluindo livremente, enquanto as áreas úmidas continuam a ser perdidas três vezes mais rápido do que as florestas.
Combinada com a má gestão da água, a destruição dos ecossistemas de água doce deixou bilhões de pessoas em todo o mundo sem acesso a água limpa e saneamento, enquanto os riscos da água para as empresas e economias estão crescendo. Até 2050, cerca de 46% do PIB global poderá ser proveniente de áreas com alto risco hídrico, em comparação com os 10% atuais.
Para enfrentar a crise hídrica global, o WWF pede que governos, empresas e instituições financeiras aumentem urgentemente o investimento em infraestrutura hídrica sustentável. No entanto, ele adverte que o pensamento ultrapassado, que se concentra apenas em mais infraestrutura construída e ignora a origem do problema – rios, lagos, zonas úmidas e aquíferos degradados – não resolverá a crise da água, especialmente na era da ebulição climática.
A chave está em reverter a perda contínua de ecossistemas de água doce. Os governos, por exemplo, devem aderir ao Freshwater Challenge (Desafio da Água Doce), uma iniciativa liderada por países que visa restaurar 300.000 km de rios degradados e 350 milhões de hectares de áreas úmidas degradadas em todo o mundo até 2030 e proteger os ecossistemas de água doce intactos. Enquanto isso, as empresas devem transformar sua abordagem em relação à água e ampliar a ação coletiva para construir bacias hidrográficas mais resilientes.
“A água e os ecossistemas de água doce não são apenas fundamentais para nossas economias, mas também são a força vital de nosso planeta e de nosso futuro”, disse Stuart Orr, líder global de água doce do WWF. “Precisamos lembrar que a água não vem de uma torneira – ela vem da natureza. A água para todos depende de ecossistemas de água doce saudáveis, que também são a base da segurança alimentar, pontos críticos de biodiversidade e o melhor amortecedor e seguro contra a intensificação dos impactos climáticos. Reverter a perda de ecossistemas de água doce abrirá o caminho para um futuro mais resiliente, positivo para a natureza e sustentável para todos”.
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Crise da água ameaça a segurança alimentar, a sustentabilidade e a economia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU