04 Setembro 2023
"Os resultados da CPI das Águas de Manaus não representam as expectativas da população, pois não houve uma investigação adequada e permitiu-se que a concessionária se livrasse de qualquer responsabilidade pelas irregularidades cometidas. O fim da CPI não gerou uma sensação de justiça realizada, mas uma impressão dominante de impunidade. A empresa realizou uma demonstração de força, mostrando que tudo está sob o seu estrito domínio", escreve Sandoval Alves Rocha, SJ, doutor em Ciências Sociais pela PUC-Rio, mestre em Ciências Sociais pela Unisinos/RS, bacharel em Teologia e bacharel em Filosofia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (MG), membro da Companhia de Jesus (jesuíta), trabalha no Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (Sares), em Manaus.
Nessa quinta-feira (24 de agosto), o Fórum das Águas realizou um ato de repúdio aos resultados da CPI da Águas de Manaus, que visava investigar as irregularidades da empresa que oferece os serviços de água e esgoto na capital amazonense. O evento contou com a participação de membros do coletivo, que se reuniram para destacar as contradições do inquérito realizado pela Câmara dos Vereadores de Manaus, nos meses de março, abril e maio desse ano. As investigações terminaram a partir de um acordo entre a comissão de investigação e a empresa Águas de Manaus, mas o acordo ainda não foi cumprido.
Diversos encaminhamentos da CPI foram rechaçados pela organização, dentre eles a omissão dos vereadores, que não responsabilizaram nem puniram a empresa pelas irregularidades constadas na realização dos serviços. Estranhamente, apenas uma visita técnica foi realizada em toda a cidade, no conjunto habitacional Renato Souza Pinto, confirmando graves problemas nos serviços, como falta de abastecimento, má qualidade da água, buracos produzidos pela empresa e saída de ar nas torneiras.
Para o Fórum das Águas, ao deixar de visitar as comunidades e bairros durante a investigação, a Comissão de Vereadores evitou se deparar com as irregularidades cometidas pela empresa, fugindo da obrigação de responsabilizar a concessionária pelos serviços precários. Assim, a instalação da CPI não objetivou efetivamente investigar a empresa e os serviços de água e esgoto, mas somente produzir um fato midiático para projetar politicamente os vereadores, visando obter benefícios eleitorais nas próximas eleições.
A CPI também ignorou a falta de investimentos da empresa na expansão dos serviços de esgotamento sanitário, que abrange apenas 21,95% do município de Manaus. Somente na zona urbana de Manaus há 1.681.736 pessoas sem esgotamento sanitário (74,5% da população). Se de um lado, os vereadores evitaram olhar de frente a realidade, de outro lado, os órgãos de reclamações (Procon/Aleam/Sites) expõem claramente a situação. Segundo esses órgãos, a concessionária Águas de Manaus se encontra invariavelmente entre as empresas mais reclamadas da cidade.
No evento, a Articulação das Mulheres do Amazonas expressou o seu repúdio aos resultados da CPI da Águas de Manaus. Representantes dessa organização lembraram que se opuseram à privatização dos serviços de água e esgoto da cidade, denunciando a falácia inventada pelos interessados no negócio da água. Hoje, a cidade percebe que os alertas estavam corretos. Uma das militantes frisou que as zonas norte e leste são as áreas mais prejudicadas pela privatização, relatando situações em que a falta dos serviços geram até violência doméstica.
A militante demonstrou indignação, denunciando que foi prejudicada pela empresa que lhe aplicou uma multa indevida. Ao procurar o Instituto de Defesa do Consumidor (Procon-AM), ela se surpreendeu ao perceber que era a própria empresa que fazia os atendimentos na instituição. Decepcionada, ela notou que não havia nenhuma instituição autônoma, livre do controle da empresa. Se até o Procon está alinhado ao negócio da água, a quem recorrer para denunciar a empresa? Ao Vaticano? Pergunta a ativista.
O evento também foi prestigiado pela fala de moradoras das comunidades e zonas periféricas da cidade. As palestrantes iniciaram o depoimento frisando que a população das periferias é constantemente crucificada pela violação dos direitos básicos, dentre eles a acesso água potável e ao esgotamento sanitário. Se sentem desprezadas por morarem em bairros distantes, mas não perdem a esperança de melhorarem os serviços através das lutas travadas pelo Fórum das Águas e outras organizações da sociedade.
As ativistas denunciaram a frequente falta água nos bairros onde elas moram, ressaltando que quando há água, ela não está em condições apropriadas para o consumo humano: “sentimos que o nosso organismo rejeita a água fornecida pela concessionária”. Para provar a veracidade da sua fala, a militante mostra uma garrafa de água turva trazida do seu bairro, frisando: “nós temos certeza que a nossa água é muito doente, muito maléfica para a nossa saúde!”.
Segundo a depoente, é preciso que a população se informe sobre as condições dos serviços de saneamento e se mobilizem para reivindicar esses direitos essenciais. Para ela, é necessário ir às rua, mesmo desagradando o poder constituído e as empresas privadas que fazem serviços públicos: “é necessário dizer que estamos vivos e temos direitos constitucionais”.
Outra militante, destaca que nas periferias é comum encontrar casos de canos quebrados, água contaminada e esgoto à céu aberto. A ativista insiste em denunciar os perigos do esgoto à céu aberto e a falta de fiscalização da Agência reguladora, que deveria monitorar a qualidade dos serviços prestados pela concessionária. Ela ainda frisa que na periferia não há canos, mas somente borrachas: “somos obrigados a usar essa água, uma vez que não há outra”.
Indignada, a moradora ainda repudia a CPI da Águas de Manaus por não terem visitado os bairros mais distantes da cidade. Segundo a ativista, a Comissão não visitou os bairros porque ia encontrar situações que não queriam denunciar. A CPI se omitiu de fazer a sua obrigação. Não agiram como bons parlamentares, mas colocaram os seus interesses acima do serviço à população. A palestrante finaliza ressaltando a sua indignação contra a empresa Águas de Manaus e contra a Comissão Parlamentar de Inquérito, que não realizou adequadamente as investigações prometidas.
Os resultados da CPI das Águas de Manaus não representam as expectativas da população, pois não houve uma investigação adequada e permitiu-se que a concessionária se livrasse de qualquer responsabilidade pelas irregularidades cometidas. O fim da CPI não gerou uma sensação de justiça realizada, mas uma impressão dominante de impunidade. A empresa realizou uma demonstração de força, mostrando que tudo está sob o seu estrito domínio.
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Fórum repudia resultados da CPI da Água de Manaus. Artigo de Sandoval Alves Rocha - Instituto Humanitas Unisinos - IHU