29 Agosto 2023
A Marcha sobre Washington de 1963 é mais lembrada pelo discurso “I Have a Dream”, do reverendo Martin Luther King Jr. e, assim, como um momento de coroamento para o ativismo civil de longa data para aquila que por vezes é chamado de "a Igreja Negra".
A reportagem é publicada por America, 22-08-2023.
Na marcha, King de fato representou vários outros clérigos negros que eram seus colegas na Conferência das Lideranças Cristãs do Sul. Mas a marcha foi o produto de um ativismo sustentado por uma coalizão mais ampla. Líderes trabalhistas negros e brancos, bem como clérigos brancos, desempenharam papéis fundamentais muitos meses antes do evento.
Além disso, a Igreja Negra não era monolítica naquela época – nem é agora. Muitos pastores negros e suas congregações evitaram a desobediência civil e outras táticas de confronto não violento na era dos direitos civis, assim como alguns agora evitam o movimento Black Lives Matter e evitam o envolvimento de pastores negros progressistas em nome dos direitos ao aborto e direitos LGBTQ+.
“As questões são multirraciais. Agora é muito simplista dizer 'igreja negra/igreja branca'”, fala o reverendo William Barber, que em 2018 se tornou copresidente de uma iniciativa nacional antipobreza chamada Campanha do Povo Pobre. O nome foi inspirado em um movimento lançado por King e outros líderes da Conferência das Lideranças Cristãs do Sul em 1968, pouco antes do assassinato de King.
Barber, agora diretor do Centro de Teologia Pública e Políticas Públicas da Yale Divinity School, admira King imensamente, mas critica aqueles que “reduzem a Marcha sobre Washington para um homem, um discurso”.
“É uma estratégia política para minar o propósito do protesto em massa”, diz ele. “Ele deve ser um movimento de massa, não apenas um momento de massa”.
Barber afirma que a nova manifestação da Campanha do Povo Pobre atraiu o apoio ativo de milhares de clérigos de diferentes raças e credos.
“Existem judeus, quakers, algumas congregações predominantemente brancas que são pró-direitos civis e a favor da comunidade LGBT, que se preocupam com os imigrantes, os direitos das mulheres e o direito de voto”, diz ele. “Qualquer esforço hoje que não envolva essas questões diariamente não está, na realidade, se movendo no espírito da Marcha sobre Washington”.
Nas décadas anteriores e posteriores a 1963, as igrejas e denominações negras tiveram diversas prioridades e abordagens políticas.
Muitos líderes religiosos negros no início dos anos 1900 apoiaram o apelo de Booker T. Washington para que o progresso negro ocorresse por meio da educação e da autossuficiência econômica, em vez de desafios diretos às leis de segregação. Nas décadas seguintes, a autossuficiência foi elogiada pela Nação do Islã como parte de sua defesa do nacionalismo negro. Alguns outros pastores negros, em particular o Pe. Divine e o Rev. Ike, ficaram ricos com promessas otimistas de prosperidade do céu na terra para seus seguidores.
Atualmente, há um grande número de pastores negros em duas categorias diferentes, de acordo com Robert Franklin, professor de liderança moral na Candler School of Theology, da Emory University, em Atlanta. Alguns deles, diz Franklin, engajam-se energicamente no ativismo de justiça social, imaginando-se como “radicais proféticos” na tradição de King. Outros têm uma visão mais conservadora e individualista, ele explica. “Estas pessoas são um pouco piegas quanto ao ativismo e à tomada de riscos”.
“Em muitos aspectos, eles declararam vitória, compraram seus próprios edifícios”, continuou. “Há menos sermões proféticos e mais preocupação com a manutenção institucional. 'Como podemos manter as luzes acesas, pagar as contas'”.
Uma tendência notável nas últimas décadas foi o aumento no número de congregações multirraciais em todo o país. A antiga igreja de Martin Luther King em Atlanta, a Igreja Batista Ebenezer, está entre elas, atraindo um número crescente de fiéis brancos e hispânicos.
Barber sugeriu que King estaria satisfeito com isso.
“O Dr. King lutava pela amada comunidade que incluía todas as pessoas, independentemente da raça”, diz Barber. “Ele aproximava-se das pessoas de diferentes religiões e tradições”.
Na cidade de Nova York, uma das igrejas protestantes mais antigas, a Middle Collegiate Church, é agora uma congregação politicamente progressista e totalmente multiétnica. Sua ministra sênior, a Rev. Jacqui Lewis, é uma mulher negra orgulhosa de dar continuidade à tradição de sua família no ativismo pelos direitos civis.
“Há algo em nosso sangue que nunca nos libertará da responsabilidade de criar o paraíso aqui na terra”, disse ela.
O Movimento dos Direitos Civis da década de 1960 “não era apenas o clero negro do sexo masculino no sul”, explica a religiosa. “Foram as mulheres que decidiram marchar e não entrar nos ônibus (durante o boicote aos ônibus de Montgomery, em 1955-1956). Foram os brancos que decidiram pegar os negros em seus carros e levá-los para o trabalho. Todas as pessoas comuns que participaram deste movimento pela liberdade do sul”.
Lewis concordou que a “Igreja Negra”, um termo genérico antes, pode estar sendo usado de forma limitada atualmente.
“Em vez disso, olhemos para 'fé negra'”, propõe ela. “É dentro e fora da igreja. A 'Igreja Negra' está nas ruas pelo direito ao aborto, pelos imigrantes. Se há dois negros nas ruas cantando, 'Venceremos', esta é 'Igreja Negra'”.
Talvez seja um sinal dos tempos que não haja um único grupo religioso listado entre as organizações que servem como copresidentes do 60º aniversário da Marcha sobre Washington, que será comemorado em 26 de agosto. Entre os copresidentes estão a NAACP, a National Urban League, a Anti-Defamation League e a Asian Americans Advancing Justice.
No entanto, as seis maiores denominações historicamente negras do país, parceiras da Conferência de Igrejas Negras Nacionais, participarão dos eventos de aniversário.
“A Igreja Negra foi a base do Movimento dos Direitos Civis, e é por isso que estamos decididos a desempenhar um papel contínuo na luta pela igualdade”, disse o conselho da Conferência de Igrejas Negras Nacionais. “Embora tenhamos feito progressos ao longo das décadas, eventos recentes ameaçaram impactar o direito ao voto, à educação de qualidade e a empregos bem remunerados. A pandemia de Covid-19 foi um lembrete de que temos um longo caminho a percorrer, em muitos aspectos da vida, enquanto lutamos por igualdade e justiça”.