24 Mai 2023
Há alguns dias, o jornal Washington Post apresentou o perfil de “Denise, a Recepcionista do Céu”, uma série do TikTok criada pela atual Miss Nova York, Taryn Delanie Smith, na qual ela interpreta a recepcionista da entrada do Céu. Se você nunca viu os esquetes de dois minutos de Smith, vale a pena dar uma conferida.
O comentário é de Jim McDermott, publicado por America, 17-05-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Tem um em que Whitney Houston aparece para fazer um show pop-up na recepção. Tem aquele em que Smith toma um gole de chá e depois cospe de volta. “Quem transformou meu chá em vinho?”, pergunta ela, olhando para as outras pessoas no escritório (que não conseguimos ver). “Isto era água há 20 minutos. Não tem graça!”
Ou aquele em que o pregador de uma megaigreja pergunta se ele pode subir para a categoria “Angel Premium Plus”, e Denise – que sempre parece estar sentada nas nuvens – examina a história dele. “Então, aqui diz que você tinha um jato particular? Certo, claro, e você voou por aí. Isso é divertido”, diz ela. Ao perguntar como ele pagou pelo jato, ela inclina a cabeça ouvindo a explicação dele por um momento e depois sorri: “Eu acho que você sabe o que eu estou prestes a dizer”.
É uma performance encantadora de Smith, que interpreta o papel vestida com um roupão branco, uma toalha branca ao redor da cabeça e uma navalha descartável rosa na bochecha imitando um fone de ouvido. E seus esquetes repercutem. Algumas das postagens de Smith receberam mais de 500.000 curtidas e milhares de comentários, incluindo muitas pessoas que compartilham o conteúdo com seus amigos ou familiares e pedem um vídeo no qual Denise os cumprimente (Smith produziu vários desses vídeos, como quando Denise deu as boas-vindas a uma criança de 2 anos no céu ou um rapaz tímido de 20 anos que morreu de repente e, nossa!, eles estão se mexendo).
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Levando-se em conta o tipo de atenção que seus shorts despertaram, acho que há algumas lições para nós, que trabalhamos na pastoral, seja como agentes de pastoral paroquiais, professores ou clérigos, e talvez também para aqueles que lideram a Igreja.
Estou surpreso em dizer isso, porque há muitas coisas divertidas que ocorrem nos vídeos de Smith, mas, para mim, o que mais chama a atenção é a apresentação em geral.
Denise realmente é o equivalente celestial da equipe de serviço do DMV [o equivalente ao Detran brasileiro] ou dos Correios. Ela toma seu café, passa creme nas mãos e frequentemente fala com seus colegas recepcionistas invisíveis.
“Como foram suas férias? Você parece bronzeada”, diz ela à sua colega de trabalho Stacy, ao começar a trabalhar uma manhã. E é claro que ela está sempre com aquele roupão. Supõe-se que seja um substituto para as vestes de anjo, mas acho que ele é muito mais eficaz, porque desfaz completamente qualquer suposição sobre o papel dela. Ela é apenas uma pessoa legal, e essa entrada para o Céu é um lugar legal onde as pessoas são gentis umas com as outras, todos os animais de estimação são bem-vindos – eles nem precisam esperar na fila para entrar no Céu – e há uma sala com margaritas à vontade na parte de trás de onde Betty White fica.
Às vezes, como ministro da Igreja, acho que devo ter tudo sob controle ou esconder as coisas que eu não tenho sob controle, para que os outros se sintam à vontade para compartilhar o que têm a compartilhar. Esta também é a sabedoria convencional; não deixe que seus próprios problemas atrapalhem os dos outros.
Mas, observando a performance de Smith, fica muito claro como pode ser reconfortante quando baixamos a guarda e mostramos o nosso eu comum. Quando estamos bem o suficiente com nós mesmos para sermos quem somos, damos aos outros permissão para fazer o mesmo.
Uma das coisas impressionantes no feed do TikTok de Smith é a frequência com que ela responde aos seguidores nos comentários. Ela agradece as pessoas por seus elogios, ri de suas piadas. E, quando as pessoas comentam sobre pessoas que já faleceram ou de quem sentem falta, ela volta para Denise para oferecer uma resposta calorosa.
“Você pode dizer a Chadwick que sentimos sua falta?”, pede alguém, referindo-se ao ator Chadwick Boseman, que morreu de câncer em 2020 aos 43 anos. “Sim, acabei de vê-lo passar conversando com Martin Luther King Jr.”, responde Smith. “Eles se dão tão bem.” Para outra pessoa que diz que seu irmão morreu naquela semana, ela responde: “Ele era leve e amoroso… ele definitivamente conseguiu o upgrade. Prometo que ele é um anjo VIP”.
Na reportagem do Washington Post, Smith admite que às vezes fica impressionada com a quantidade de mensagens que recebe relacionadas às experiências de luto das pessoas. Um seguidor escreveu: “Acho que você não percebe como isso é reconfortante para as pessoas que têm medo da morte ou estão de luto por alguém, inclusive eu”. Certamente não é o que qualquer um de nós poderia esperar de uma série de vídeos do TikTok sobre um anjo que fala com uma navalha. Mas Smith fez acontecer. “Não me dei conta disso quando criei essa série”, disse ela ao seguidor, “mas agora estou muito feliz”.
No ministério, posso ficar centrado demais na minha própria visão do que devo fazer, no que significa ser um ministro da Igreja para mim. Mas muitas vezes as pessoas nos dizem o que elas realmente precisam que façamos. Então, cabe a nós abandonar nossos velhos modelos e nos ajustar.
É como aquele velho ditado: se você quer fazer Deus rir, conte-lhe seus planos.
Denise lida com uma grande variedade de pessoas, desde aquelas que acabaram de chegar ao Céu e estão tentando entender tudo o que aconteceu até figuras famosas que estão lá desde sempre, como William Shakespeare (cujos e-mails duram uma eternidade). “Não vou ler tudo isso”, ela diz a outra recepcionista. “Tem oito páginas!”
Algumas de suas interações mais engraçadas são com pessoas que fizeram coisas más, mas mesmo assim querem “upgrades”. Uma pessoa aparece, apesar de aparentemente ter ligado e recebido um “não” de Denise ao telefone. Ela sorri, dizendo que a estava esperando. “Aqui estão todos os seus tuítes de 2008”, diz ela, puxando uma pasta de arquivo.
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Em outro vídeo, ela ouve uma mulher reclamando por não ter recebido o upgrade para a categoria “Angel Premium Plus”. “Eu entendo sua frustração, senhora. Eu entendo. Então, você se lembra de quando disse todas aquelas coisas para seu filho Ricky, quando ele saiu do armário?”, pergunta ela. “Sim, certo, então, não gostamos disso.”
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Uma terceira pessoa espera que sua neta não vá para o Céu, porque ela teve um filho antes do casamento. “Bem, espero que você esteja sentada”, diz Denise à mulher. “Nós não nos importamos com isso”.
Embora possamos sentir uma certa satisfação ao ver algumas dessas pessoas serem barradas, Denise é mais compreensiva. As ações passadas das pessoas podem ter consequências sobre o que elas podem “obter” no Céu, mas não afeta o modo como ela as trata.
“Eu não vou ver você aqui”, diz ela para a pessoa dos tuítes desagradáveis, e seu tom não é debochado ou ameaçador, mas brincalhão. É o tom com o qual você brinca com um colega de escola que foi pego fazendo algo que não deveria. “Tudo bem, tenha um bom dia”, diz ela.
Existe até uma personagem que é claramente um demônio. Ela tem olhos vermelhos, um sorriso assustadoramente enorme e está sempre “indo escada abaixo” (ou seja, para a Terra) para assombrar as pessoas. A certa altura, o demônio diz a Denise que gostaria que seu “traje de fantasma”, ou a versão dela que as pessoas vivas veem, fosse uma “camisola suja”. “Isso é realmente assustador. É uma escolha realmente assustadora”, diz Denise, preocupada. Mas, no fim, ela concorda com isso.
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Em outro vídeo, o demônio admite que acabou de “aterrorizar uma família suburbana na casa deles”. “Eu continuo acreditando em você”, diz Denise. “Sinto muito”, o demônio admite. “Isso deve colocar você em uma posição complicada”. Denise revoga o “passe escada-abaixo” dela, mas nada mais.
A piada em cada uma dessas sequências está na nossa cegueira frente aos nossos próprios “eus” imperfeitos. Mas o humor é suave. Não se trata de ferir ninguém. “Escute só”, diz Denise, fofocando com Stacy depois de um caso, “só meu chefe pode julgar.”
Para nós que trabalhamos na Igreja, existe a rápida tentação de achar que é nossa responsabilidade julgar as pessoas. Somos nós que temos experiência e treinamento, e também as funções. Quando você é um padre sentado em um confessionário, um bispo encarregado de ensinar a fé para uma diocese inteira ou um recepcionista que recebe visitantes e solicitações em uma paróquia, é natural começar a pensar em si mesmo como o árbitro final.
Mas, ao observar Denise, fica claro como é significativo e também libertador simplesmente tratar a todos com generosidade e respeito.
Deus cuidará do julgamento. Enquanto isso, é surpreendente como você pode ajudar a construir o Reino apenas acolhendo as pessoas vestindo um roupão.
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Três lições para a Igreja de uma “recepcionista do Céu” no TikTok - Instituto Humanitas Unisinos - IHU