O economista italiano Stefano Zamagni participou na manhã dessa quinta-feira, 2, em Milão, da aula inaugural dos cursos de Teologia da Universidade Católica do Sagrado Coração, que inicia seu segundo semestre [do calendário italiano] de atividades. Em sua fala, o especialista ofereceu um amplo excursus histórico do ensinamento da Igreja sobre economia e meio ambiente, para concluir com uma visão do impacto da doutrina social no contexto mundial de hoje.
A reportagem é de Adriana Masotti, publicada em Vatican News, 02-03-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Na manhã dessa quinta-feira, Stefano Zamagni, presidente da Pontifícia Academia das Ciências Sociais, fez o discurso de abertura do tradicional evento que inaugura o segundo semestre de atividades da Universidade Católica do Sagrado Coração, de Milão.
A iniciativa ocorreu na Aula Magna e foi aberta com as saudações do reitor, Franco Anelli, com a introdução do assistente eclesiástico geral da universidade, Mons. Claudio Giuliodori. Em seguida, a conferência do professor Zamagni intitulada “O ensinamento da Igreja e os novos desafios sociais no campo econômico e ambiental”, que propôs uma ampla reflexão sobre o pensamento da Igreja sobre esses dois temas.
Os cursos de Teologia são uma peculiaridade da Universidade Católica e pretendem oferecer um conhecimento racional e orgânico dos conteúdos da Revelação e da vida cristã. O cotejo entre os conteúdos da fé e os desafios do presente é inevitável e necessário.
Falando ao Vatican News, Stefano Zamagni explica o motivo do interesse da teologia pelas questões sociais, das quais a economia e a ecologia são centrais hoje, e oferece uma síntese de sua fala.
Professor Zamagni, para começar, gostaria de lhe perguntar o porquê da ênfase dada aos temas econômicos e ambientais na introdução aos cursos de Teologia da Universidade Católica. Qual é a relação entre teologia e economia, entre teologia e meio ambiente?
Desde sempre, o pensamento social da Igreja teve como referência as circunstâncias históricas nas quais a humanidade se encontrava. Não esqueçamos que o cristianismo é uma religião encarnada, não “empapelada”. Isso significa que ela deve se inervar na história, e, com o passar do tempo, a história sempre levanta problemas novos, desafios novos. A Universidade Católica do Sagrado Coração, que é uma grande universidade e consciente das próprias funções, decidiu iniciar assim o segundo semestre do ano letivo dos estudos em Teologia, precisamente porque – e eu disse isso na minha fala – há um certo atraso devido a muitas razões do pensamento teológico sobre essas questões. Enquanto sobre outros temas, desde o da bioética aos temas da moral, da família etc., o pensamento ecológico seguiu em frente. Quando se passa para o âmbito econômico e social – e no social eu insiro também o ambiente – devemos registrar uma certa lentidão em reconhecer as res nove dessa fase histórica. Portanto, a Universidade Católica decidiu dar um sinal nessa direção.
Pode nos dizer em síntese quais foram os principais pontos que você tratou em sua conferência?
Eu ilustrei que o pensamento social da Igreja conheceu três longas fases em dois mil anos. A primeira é aquela que se inicia com os Padres da Igreja. Bastaria citar Ambrósio, Agostinho, e é uma fase muito importante, na qual são colocados todos os pilares de seu pensamento. E são quatro os princípios da doutrina social da Igreja. Essa fase avança, depois, durante o período da Baixa Idade Média, com o pensamento de São Tomás de Aquino, com a escola de pensamento franciscana e termina com a proposta de um modelo de ordem social que é a economia de mercado. A economia de mercado é uma novidade absoluta, porque antes de 1300-1400, ela não existia. Havia os mercados como lugares de troca, mas não a economia de mercado, um modelo de ordem social que nasce justamente dentro dessa reflexão.
A partir de 1500, inicia-se a segunda fase, caracterizada pela Reforma Protestante, e a doutrina social da Igreja Católica sofre não exatamente uma parada, mas uma espécie de enfraquecimento: o fulcro, o centro de gravidade do pensamento teológico se desloca de Roma, por assim dizer, aos países do norte da Europa, porque Lutero, mas sobretudo Calvino, tem um impacto enorme. E, então, a partir do fim do século XVII, a economia de mercado, que havia sido pensada em função do bem comum, se transforma em economia de mercado capitalista. Nasce o capitalismo, e ocorre assim uma mudança radical: a finalidade do agir econômico não é mais o bem comum, mas o bem total, que é a soma dos bens individuais. E ainda hoje tem gente que confunde as duas coisas que são completamente distintas. Essa segunda fase dura cerca de 250 anos.
Com o segundo pós-guerra, inicia-se a terceira fase, que é a atual, caracterizada pelo fato de que o pensamento social da Igreja finalmente reconhece que não basta intervir sobre os efeitos negativos produzidos pelo modelo capitalista, mas que também é preciso chegar a incidir sobre as causas. Se tomarmos por exemplo a Rerum novarum, de Leão XIII, veremos que ainda é uma encíclica que joga na defesa. Na época, a questão operária estava no centro das atenções, e a Igreja se propõe a corrigir, em um sentido ou no outro, alguns aspectos da economia capitalista de mercado. Com a terceira fase, porém, começa-se a atacar as causas: pensemos na Pacem in terris, de João XXIII, que neste ano celebra seu 60º aniversário de publicação. Pensemos obviamente em Paulo VI com a Populorum progressio. Pensemos em João Paulo II, em Bento XVI com a Caritas in veritate, e claramente no Papa Francisco, sobre o qual não é preciso dizer muita coisa, porque todos já entendemos. Ou seja, quero dizer que o pensamento desses papas, apesar das diferenciações, é unânime em relação a isto: devemos atacar as causas geradoras daquilo que não está certo.
E o que não está certo no atual sistema?
Vou listar cinco coisas.
Primeiro: o aumento endêmico e sistemático das desigualdades sociais. Será possível que, diante do aumento, ano após ano, das desigualdades, se possa pensar que a Igreja pode se calar e tentar responder invocando um pouco de esmola, de beneficência e de filantropia? A Igreja afirma com razão que devemos atacar as causas.
Segundo: a destruição do meio ambiente. Há alguém hoje que possa questionar essa emergência? Obviamente não. Então, é preciso se perguntar o que ocorreu ao longo dos últimos dois séculos, nos quais ninguém disse nada.
Terceiro: o problema conhecido como “paradoxo da felicidade”, que evidencia que a felicidade está em contínua diminuição no mundo, basta olhar para a taxa de suicídios em contínuo aumento. O último livro de um prêmio Nobel de Economia, um estadunidense chamado Angus Deaton, intitulado “Deaths of Despair and the Future of Capitalism” [Mortes por desespero e o futuro do capitalismo], diz que hoje as pessoas morrem de desespero justamente nos países da opulência. Então, será que a Igreja pode ficar calada diante disso? Quem morre de desespero não precisa de beneficência, porque desespero significa falta de esperança.
Depois, há o quarto aspecto que não está certo: é o problema que diz respeito à natureza do trabalho, porque não podemos pensar em considerar o trabalho humano como qualquer outro fator da produção, assim como o petróleo, as matérias-primas etc. O trabalho de um ser humano não pode estar no mesmo nível. E eis, então, o conceito de “trabalho decente”, que é explicitamente citado pela primeira vez na Laborem exercens, de João Paulo II, na qual se diz que o trabalho deve ser justo, mas acima de tudo deve ser decente, isto é, um trabalho que não humilha a dignidade da pessoa, especialmente das mulheres.
E, por fim, o quinto, que alguns dizem que não pode mais ser freado, mas eu não concordo, que é o avanço do projeto transumanista, nascido na Califórnia e que está colhendo muito sucesso. A palavra-chave é inteligência artificial, mas não a que conhecemos, e sim aquela que vamos conhecer daqui a pouco, porque o objetivo declarado é tornar o ser humano, a pessoa, irrelevante. Portanto, é óbvio que, diante de uma novidade desse tipo, é inútil se contentar com os sucessos da inteligência artificial de que todos falam, mas devemos nos perguntar se esta não é a antecâmara da destruição da humanidade.
Pois bem, hoje o pensamento social da Igreja e, portanto, a teologia social devem ter a coragem de enfrentar essas cinco grandes questões. E eu defendo a convicção de que somente um pensamento como o da Igreja Católica é capaz de dar respostas a esses problemas. As pessoas estão abrindo os olhos, entendem que nesta fase histórica só um pensamento como o da Igreja é capaz de sair daquele modelo de economia de mercado capitalista de hoje, para voltar ao espírito de uma economia de mercado civil, como era no início, uma economia que está em função da pessoa e, portanto, de seu bem-estar, que não é apenas ter. Porque todas as outras teorias que foram apresentadas nos últimos 30-40 anos provaram ser incapazes. É importante que todos saibam que as melhores mentes em nível mundial, e refiro-me aos prêmios Nobel de economia, mesmo não crentes ou não católicos, concordam com isso. Então, a minha tarefa é dizer aos teólogos: não tenham medo de levar adiante a mensagem a que vocês se dedicam, porque é para ela que apontam as esperanças de todos aqueles que já antecipam os riscos para os quais estamos nos dirigindo.
Portanto, a voz da Igreja é importante, mas talvez ainda não suficientemente forte – embora a do Papa Francisco certamente seja. Porém, na sua opinião, deve ser reconhecida como válida...
É isso. Uma voz ainda não suficientemente forte, porque, depois de 250 anos nos quais era quase preciso pedir desculpa quando alguém publicava livros ou artigos sobre essas temáticas, é óbvio que ainda existe uma preocupação e um certo comedimento. Mas posso testemunhar que, quando alguém toma a palavra nas sedes internacionais de alto nível e fala nesse sentido, eu lhe asseguro que é acolhido por um grande silêncio, por uma grande escuta. Então, o meu convite é a não ter medo, porque o mundo, as pessoas esperam exatamente isso de nós.